Acórdão nº 47/21.3GAFFZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.
Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Tomar, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 47/21.3GAFZZ foi o arguido (...), condenado pela prática de: - Um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída pela pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de 7€ (sete euros), o que perfez o montante de 2.520,00€ (dois mil, quinhentos e vinte euros); - Um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, ex vi do artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 80 (oitenta) dias de multa; - Dois crimes de injúria na forma agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, nas penas de 80 (oitenta) dias de multa, para cada um dos crimes; - Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicada aos crimes de desobediência e de injúria agravada, na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfez o montante de 840,00€ (oitocentos e quarenta euros); - Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
*Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1. Vem o presente recurso interposto por se considerar que, na sentença condenatória proferida, o Tribunal a quo: a) incorreu em erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, designadamente no que diz respeito aos pontos 14., 23., 24. e 25. dos factos considerados provados; b) julgou, errada e incorrectamente, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo previsto no n.º 1 do artigo 347.º do Código Penal, condenando – mal, segundo se propugna – o Arguido, aqui Recorrente, pelo crime de resistência e coação sobre funcionário; c) o quantitativo diário da pena de multa – de 7,00€ (sete euros) – fixado pelo Tribunal a quo mostra-se desadequado e desproporcional à situação económica e financeira do Arguido, aqui Recorrente, e dos seus encargos pessoais; e, por fim, d) a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, fixada pelo Tribunal a quo – de 5 (cinco) meses – mostra-se também, por se revelar excessiva, desadequada e desproporcional à culpa do Arguido e às concretas circunstâncias do caso em apreço.
Senão, vejamos: 2. Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo julgou errada e incorrectamente os pontos 14., 23., 24 e 25 da matéria de facto, considerando como provados factos fulcrais para a qualificação jurídico-penal do tipo de ilícito de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível nos termos do número 1 do artigo 347.º do Código Penal, porquanto os mesmos não têm correspondência na prova produzida em sede de audiência de julgamento, sendo, aliás, contraditórios com a mesma.
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Os elementos de prova produzidos em audiência de julgamento patenteiam uma realidade material distinta, contraditória da “realidade” construída pelo Tribunal a quo, e que, na posição defendida pelo Arguido e aqui Recorrente, não tem justificação ou fundamento.
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Os depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação (militares da GNR … demonstram que o julgamento feito pelo Tribunal a quo, quanto aos concretos pontos da matéria de facto dados como provados indicados (factos vertidos nos pontos 14., 23., 24. e 25.), está inquinado de erro notório e que a análise crítica da referida prova conduz, necessária e forçosamente, a um resultado diferente daquele que veio a ser firmado pelo Tribunal a quo.
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Impor-se-ia ao Tribunal a quo uma decisão da matéria de facto – designadamente quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 14., 23., 24. e 25. – uma decisão diversa e contrária àquela que veio a ser firmada, em face das seguintes concretas provas, produzidas em sede de audiência de julgamento: a. Depoimento presado pela testemunha (…) (militar da GNR) na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 19 de Maio de 2021, entre as 12:23:45 e as 12:58:28, gravada através do sistema integrado de gravação digital (ficheiro áudio 20210519114744_2949552_2871732), disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, designadamente nos minutos 25, 26 e 28 a 31; b. Depoimento presado pela testemunha (…) (militar da GNR) na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 19 de Maio de 2021, entre as 12:59:55 e as 13:21:29, gravada através do sistema integrado de gravação digital (ficheiro áudio 20210519114744_2949552_2871732), disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, designadamente nos minutos 3, 4 e 15 a 17.
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Em fade das concretas provas indicadas, resulta notório que o Arguido, aqui Recorrente, terá atingido o militar (…) uma única vez e apenas no decurso das manobras que os militares da GNR estavam a desenvolver para o virar e o colocar em posição de decúbito ventral (de barriga para baixo), a fim de o algemarem.
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Aliás, no minuto 31 do depoimento da Testemunha (...) (transcrito na motivação do presente recurso), a M. Juiz a quo sintetiza os factos, referindo que, do depoimento já prestado pela Testemunha, o Tribunal a quo entendeu “que o senhor [o Arguido] se deita de barriga para cima e os senhores militares tentaram virá-lo para o algemar nas costas, como é o procedimento habitual. Ele esbracejou tentando… impedindo ser algemado… e, nessa situação, terá atingido com uma cotovelada, no sentido de não ser algemado […]”.
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Tal síntese obteve total concordância da Testemunha, ficando, assim e ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na decisão ora sindicada, assente que o militar da GNR (...) foi atingido com uma cotovelada apenas (e não com várias, como foi, depois, considerado provado pelo Tribunal a quo) e que tal ocorreu quando o Arguido esbracejava, tentando obstar à detenção e à colocação das algemas.
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Acresce que, em nenhuma circunstância (seja na parte do depoimento transcrito, seja na restante), a Testemunha refere ter sido atingida por qualquer murro do Arguido; e também não refere em circunstância alguma que o Arguido tenha atingido o colega (o militar (...)) com qualquer murro ou cotovelada (o que também não aconteceu).
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Assim, ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, da prova produzida em sede de audiência de julgamento não resulta que o Arguido tenha atingido os militares da GNR com “várias cotoveladas e murros” ou que o Arguido e Recorrente tivesse intenção de molestar o corpo ou a saúde de qualquer dos militares da GNR. Aliás, tal como resulta do excerto do depoimento acima transcrito, a Testemunha refere desconhecer se a cotovelada que a veio a atingir no nariz foi intencional.
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O Tribunal a quo foi além do que resulta da prova: ao contrário do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, o Arguido não teve intenção de atingir o corpo ou a saúde de qualquer dos militares da GNR, pelo qua a sua conduta tem de ser forçosamente entendida como uma reação à força que os militares da GNR estavam a usar contra ele no decurso das manobras de o virarem e algemarem (não podemos deixar de ter em consideração que o Arguido, aqui Recorrente, se encontrava deitado no chão e que usa uma prótese, pela amputação quase total do mesmo inferior esquerdo., a qual se deslocou, impedindo-o de se movimentar e causando-lhe dores).
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Da mesma forma, em face do depoimento prestado pela Testemunha (...) resulta notório que ambos os militares terão sido atingidos pelo Arguido (o militar (...), com uma cotovelada e o militar (...), com um empurrão) no decurso das manobras de detenção e como forma de reação à força que os mesmos empregavam nessa detenção, não tendo o Arguido intenção de atingir os militares no seu corpo, nem de lhes causar quaisquer lesões (as quais, refira-se, foram apenas superficiais, não implicando qualquer consequência ou incapacidade para ambos os militares da GNR).
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Ou seja, nenhuma das Testemunhas inquiridas refere ter sido atingida por “várias cotoveladas e murros” desferidas pelo Arguido, aqui Recorrente; as “várias cotoveladas e murros” desferidas pelo Arguido, aqui Recorrente, terão sido “dadas para o ar”, sem que (com excepção de uma cotovelada e de um empurrão) chegassem a atingir qualquer dos militares.
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Assim, a valoração do Tribunal a quo relativamente aos pontos da matéria de facto dada como provada – pontos 14., 23., 24, e 25. – não tem qualquer reflexo na prova produzida em sede de audiência de julgamento, pelo que o Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP, e, bem assim, as normas plasmadas nos artigos 124.º/1 e 125.º do CPP, porquanto, conjugadas as regras da experiência e do normal acontecer com os elementos probatórios em causa, impor-se-ia decisão diversa daquela que veio a ser proferida.
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Com efeito, em face das concretas passagens dos depoimentos das Testemunhas e, bem assim, das regras da experiência comum, o Tribunal a quo só poderia ter considerado como provado que, no decurso do processo de detenção e reagindo à força empregue pelos militares da GNR, o Arguido esbracejou, desferindo murros, cotoveladas e empurrões, acabando por atingir o militar da GNR (...) no nariz, com uma cotovelada, e empurrando uma vez o militar da GNR (...).
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O Arguido, que não teve intenção de atingir o corpo ou a saúde dos militares, esbracejou e obstou à força empregue na tarefa de algemagem, tendo, incidentalmente (ou seja, sem intenção), atingido os referidos militares da GNR.
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Em síntese, de tudo o que se vem expondo, impor-se-ia ao Tribunal a quo o julgamento dos referidos pontos da matéria de facto no sentido que passa a expressar-se...
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