Acórdão nº 395/21.2T8STB-P.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente providência cautelar de suspensão de despedimento que A… move contra “The Navigator Company S.A.”, foi proferida decisão final que declarou a improcedência da providência.

O requerente veio interpor recurso desta decisão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões: A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença do douto Tribunal a quo proferida, em primeira instância, no âmbito do processo n.º 463/21.0T8STB[2], que correu termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designada por “sentença”), que apreciou e julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento interposto pelo ora Recorrente.

B. Com a pertinência devida para o objeto do presente recurso, salienta-se, por um lado, a impugnação da decisão da matéria de facto dada como provada e não provada, porquanto a mesma padece de erro grosseiro na apreciação da prova documental junta aos autos, bem como da prova por declarações de parte do Recorrente e da prova testemunhal produzida em sede de audiência final, e, consequentemente, não foram retiradas as conclusões que se impunham ao Tribunal a quo, e por outro, C. A total desconsideração e errada interpretação e aplicação de normas de direito de caráter imperativo, que foram manifestamente violadas, designadamente, e sem exclusão de outras, as seguintes: f) N.º 1, do art.º 224.º, e n.º 1, do art.º 342.º, ambos do Código Civil (adiante abreviadamente designado por “CC”); g) Art.º 120.º e art.º 190.º, por inobservância das formalidades legais impostas pelos artigos 167.º, 187.º, 188.º e 189.º, bem como o art.º 125.º, e o n.º 3, do art.º 126.º, todos do Código de Processo Penal (adiante abreviadamente designada por “CPP”); h) N.º 1, do art.º 25.º, n.º 8, do art.º 32.º, e n.º 1 e n.º 4, do art.º 34.º, todos da Constituição da República Portuguesa (adiante abreviadamente designada por “CRP”); i) Art.º 20.º, art.º 21.º, n.º 2, do art.º 329.º, n.º 1 e al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, e n.º 1, do art.º 353.º, todos do Código do Trabalho (adiante abreviadamente designado por “CT”); e j) Art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril.

Do erro na apreciação da matéria de facto dada como provada e como não provada.

D. No que concerne à matéria de facto dada como provada na sentença ora em crise, o Tribunal a quo considerou como provado os factos ínsitos nos artigos 12.º e 77.º a 81.º, inclusive, da fundamentação de facto – factos provados, que aqui se dão por inteiramente por reproduzidos por razões de economia processual. Sucede, porém, a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo merece, com o devido respeito, que é muito, total censura, porquanto é manifesto que errou grosseiramente na apreciação dessa matéria.

E. Por sua vez, tendo o Tribunal a quo falhado na apreciação da matéria de facto, por maioria da razão, também errou, manifestamente, quando arbitrou como não provados os seguintes factos, ao invés de os considerar provados, a saber: “i. Até 05/11/2020 o requerente desconhecia a existência do procedimento disciplinar.

ii. O requerente não rececionou na sua caixa de correio a nota de culpa.

iii. Não foi dada a possibilidade ao requerente de consultar o processo disciplinar.

iv. Em 16/12/2020 a requerida não comunicou ao requerente o direito de consultar o processo disciplinar, onde o mesmo se encontrava para o poder consultar.” Com efeito, esses factos, atenta a prova produzida e o ónus da prova, deveriam ter sido considerados por provados, conforme adiante se demostrará.

Senão vejamos: F. É manifesta a contradição entre a matéria considerada provada pelo Tribunal a quo, designadamente entre os factos considerados provados nos artigos 12.º e 19.º, uma vez que no artigo 12.º o Tribunal a quo admite que a missiva alusiva à comunicação da nota de culpa foi entregue no domicílio do Recorrente em 3 de agosto de 2020, enquanto que no art.º 19.º admitiu e deu como provado que o Recorrente declarou que nunca notificado da nota de culpa em 05-11-2021. O que só demonstra a leviandade com que o Tribunal a quo apreciou esta matéria e, por conseguinte, jamais se pode considerar como provado o facto constante no artigo 12.º dos factos provados.

G. Note-se ainda a contradição entre esse facto que considerou provado e as declarações de parte prestadas pelo Recorrente em sede de audiência final e transcritas para a Ata da audiência final dos presentes autos: “No decurso do referido procedimento cautelar, concretamente no dia da audiência de julgamento, tomou conhecimento de que pendia contra si processo disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, cuja a nota de culpa não recebeu, nem teve conhecimento, até à apresentação da oposição no procedimento cautelar conforme declarações que ali prestou.-- Tem ideia de que, em agosto de 2020, esteve de férias em Cabanas de Tavira mais concretamente no parque de campismo pelo que não se encontraria em casa, nem o requerente, nem a esposa, ou qualquer outra pessoa que pudesse receber a correspondência.-- Confirma que não foi deixada na sua caixa de correio a nota de culpa e que, se no dia 03.08.2020 não estivesse ausente de férias a esposa estaria a trabalhar no gabinete de estética existente no r/c do edifício ao lado.--” H. Mais, invocou o Tribunal a quo na sua fundamentação que: “Tendo o requerente afirmado, sob juramento, que desconhecia a existência do processo disciplinar e, bem assim, que não recebeu na sua caixa do correio a nota de culpa, o mesmo não cumpriu, como lhe cabia, o ónus de alegação dos factos que permitiriam ao Tribunal concluir que, diversamente ao que resulta, quer do site dos CTT, quer da informação prestada por esta entidade, não foram cumpridas as normas em vigor na sequência da suspensão da recolha de assinaturas.

Inexistindo nos autos prova de que a carta referida no ponto 10 foi enviada com AR, que, infelizmente, nem sempre é devolvido aos remetentes, ficou, no entanto, demonstrado o envio por correio registado para a morada do trabalhador, coincidente com aquela onde tem recebido toda a documentação, incluindo a decisão de despedimento. Mais, está demonstrado que a carta foi entregue tendo o distribuidor dos CTT registado tal entrega no Track&Trace dos CTT como “Contingência”.

As medidas de contenção da COVID-19 alteraram os termos habituais da prestação dos serviços de correio. Com efeito, desde março de 2020 que passou a incumbir ao distribuidor dos CTT a certificação da entrega do correio registado, mesmo quando acompanhado de AR, desde que aquele obtenha de quem se encontre na morada a identificação verbal e o número do cartão de cidadão, ou de qualquer documento idóneo.

No entanto, o correio registado, com ou sem AR, só é depositado nas caixas de correio, quando alguém no destino se identifica, ainda que verbalmente, ao distribuidor que, além de fazer menção no AR ao regime excecional, regista a entrega no sistema Track&Trace dos CTT usando designações (entre outras que temos visto nas citações em processos judiciais) como “CV19”, “CONTINGÊNCIA”, “RPD”, “Recetáculo Postal”, ou “Depositado no RPD - COVID-19” e, por vezes, com o nome da pessoa que recebeu, indicação que coincide com a que consta do site dos CTT.

Sendo do nosso conhecimento, fruto da titularidade dos demais processos, que este procedimento dos CTT, tendo sido adotado em relação a todos colegas do requerente que foram detidos no dia 23/06/2020, se revelou eficaz, a mera alegação, sem mais, de que não recebeu a carta, cuja entrega na morada do destinatário está certificada como “CONTINGÊNCIA” no site dos CTT, é insuficiente para abalar a nossa convicção de que o requerente recebeu a nota de culpa.

Tanto mais, quando, contrariamente ao afirmado pelo requerente, a reunião com o Engenheiro (…) no dia 16/12/2020 se destinou a comunicar-lhe, não a nota de culpa, mas a decisão da arguida em mantê-lo suspenso até ao termo do processo disciplinar, na sequência do trânsito em julgado da decisão do procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB que determinava, além do mais, a requerida a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada até 24/06/2020.

(…) De referir que, no decurso da análise dos documentos juntos pelas partes, verificámos que, embora estivesse impedido de exercer as suas funções e privado da retribuição desde 24/06/2020, só a 04/08/2020, dia imediatamente seguinte da entrega da missiva pelos CTT, o requerente dirigiu ao Inquérito n.º 3250/18.0T9STB requerimento de aclaração da decisão que aplicou as medidas de coação, designadamente se a medida de coação de proibição de contacto com os restantes Arguidos abrange, ou é extensível, à suspensão preventiva do exercício de profissão ou função do Arguido com perda de retribuição. É certo que, por vezes, há coincidências, mas, por tudo o exposto, não se afigura minimamente verosímil que tenha sido este o caso.” Ora, I. Começando pelo fim da fundamentação da sentença ora transcrita, não se pode deixar de salientar que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não pode acorar-se em “coincidências”, e muito menos fazer juízos de valor sobre os atos praticados pelo Recorrente fora dos presentes autos para dar como provados determinados factos.

J. Pois, como é sabido, não só o Tribunal a quo tem poderes para recuar no tempo, como muito menos tem poderes para alegar suposições ou juízos de valor sobre o que levou o Recorrente a apresentar requerimentos nos autos de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, que corre termos no DIAP - 2.ª Secção de Setúbal, do Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Setúbal, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designado por “processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB”), tudo para provar o impossível de provar. Razão pela qual, Tribunal a quo jamais poderia ter fundamentado a sua motivação sobre o a...

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