Acórdão nº 153/15.3GJBJA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução21 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Local Criminal de Beja, no âmbito dos autos com o NUIPC nº153/15.3GJBJA, foi, em 25-01-2021, proferido o seguinte despacho (transcrição): “O arguido (...) encontra-se pronunciado, no âmbito dos presentes autos, da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº1 e 2 do Código Penal, em concurso aparente, com a prática em autoria material, de um crime de violação das leges artis, previsto e punido pelo artigo 150º, nº2 do Código Penal

Os factos que remontam ao ano de 2015, descritos no despacho de pronúncia, reportam-se a eventual responsabilidade criminal fundada na prática de actos médicos no âmbito da sua actividade profissional de médico

Foi deduzido nos autos pedido de indemnização civil por (...) contra (...), o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...), EPE e Herança Jacente de (...), peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de €137.500,00, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento

Foi deduzido nos autos pedido de indemnização civil por (...) contra (...), o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...), EPE e Herança Jacente de (...), peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de €121.215,53, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento

Remetidos os autos à distribuição, o tribunal designou o próximo dia19 de Março de 2021 (e não antes por motivos de agenda (julgamentos marcados todas as segundas, quartas e sextas-feiras) e de sala (disponível apenas nesses dias), pelas 09h30, e em segunda data, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 312º, nº2 do Código de Processo Penal, o dia 23 de Março de 2021, pelas 09:30h, tendo admito liminarmente os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes contra o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...) EPE e dos herdeiros da herança aberta e indivisa da falecida (...) – cfr. artigos 78º e 79º do Código de Processo Penal e indeferido, liminarmente e por inadmissibilidade legal, o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes contra (...)

Este pedido foi contestado por todos os demandados

A Unidade Local de Saúde do (...) EPE, peticionando a sua absolvição, invoca a excepção dilatória de ilegitimidade activa de (...)

O arguido (...), peticionando, igualmente, a sua absolvição, requerer a intervenção principal da (...) – Companhia de Seguros, S.A., ao sustentar que, pelo facto de estar inscrito na (…), beneficia de seguro de responsabilidade civil profissional, bem como a ilegitimidade passiva de (...): mais requereu, a realização de uma perícia, das especialidades de patologia/fitopatologia e obstetrícia

(…), na qualidade de únicos herdeiros de (…) deduziram, igualmente, contestação, invocando a ilegitimidade activa de (...), a ilegitimidade passiva, a ineptidão do pedido de indemnização civil, a incompetência do tribunal e a prescrição

Cumpre apreciar e decidir

A lei processual penal consagrou o princípio da adesão que permite ao interessado, por razões de economia processual, deduzir pedido de indemnização civil por danos resultantes da prática de um crime no processo penal (artº 71º do CPP), prevendo também as situações em que tal pedido é deduzido em separado, perante o tribunal civil (artº 72º do CPP)

Tendo em conta o teor das pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos, bem como os incidentes suscitados nos articulados, afigura-se-nos desadequado apreciá-las e decidi-las em conjunto no âmbito do presente processo penal

Com efeito, o julgamento do arguido nos presentes autos encontra-se agendado para o dia acima indicado, data próxima, portanto, e são alegados nos autos determinados danos, fundamentadores da atribuição de uma indemnização, que exigem, na óptica do arguido, a intervenção processual provocada da seguradora Cumpre referir que, tendo em conta as razões de facto e de direito veiculados nos articulados, afigura-se-nos prima facie, sem prejuízo de ulterior e melhor apreciação, que a entidade cuja intervenção provocada a título principal vem requerida, deverão estar presentes nos autos para melhor defender os seus direitos quanto à responsabilidade civil que lhes venha a ser assacada

Mas, por outro lado, cumpre referir que o arguido tem direito a ser julgado num curto prazo temporal, por ter direito a saber, com brevidade, se é condenado ou absolvido (cf. Ac. da RL. de 29.09.1994, Rel. Gaspar de Almeida, www.dgsi.pt/jtrl), sendo certo, como vem sendo entendido, qualquer enxerto cível nunca poderá condicionar o regular e, sobretudo, célere andamento do processo penal que naturalmente lhe sobreleva (cf.Ac. da RL., de 12.11.1997, Rel. Rodrigues Simão, www.dgsi.pt/jtrl), razão por que, aliás, a lei permite que o tribunal, mesmo oficiosamente, remeta as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (artº 82º, 3 do CPP)

Quer isto dizer que o tribunal pode remeter as partes para os meios comuns cíveis se não tiver elementos para de forma rigorosa decidir o pedido cível ou se este, por efeito de incidentes, retardar de forma excessiva o processo penal

Ora, como é fácil constatar dos extensos articulados já constantes dos autos no que à vertente cível diz respeito, a intervenção de entidade terceira acima indicada tem essa virtualidade de retardar, previsivelmente, o desejado andamento célere do processo penal

Com efeito, para além da extensão e alguma complexidade das questões cíveis a apreciar e já suscitadas ( note-se a variedade de documentos bem como a extensão dos articulados e dos meios de prova requeridos, máxime testemunhal), a eventual decisão de chamar a juízo, para contestar o pedido inicialmente formulado, bem como para tomar posição sobre as questões constantes das contestações implicaria a produção e profusão de outros articulados e respectivas respostas que, previsivelmente, desvirtuaria, em muito, o andamento do processo penal em curso, o arrastaria para adiamento de audiência de julgamento para data muito posterior (dado que a data já agendada é incompatível com o exercício do contraditório entre demandantes, demandados cíveis e chamados) e remeteria para segundo plano o julgamento penal, manipulando-o, em virtude da variedade de questões cíveis a apreciar e meios de prova a produzir no que à vertente cível respeita, o que arrastaria, porventura em vários meses, injustificadamente, a causa penal, considerando que os factos datam já de 2015 (em sentido muito próximo, nos seus pressupostos de oportunidade de reenvio para os meios comuns, o Ac. da RP de 15.06.2011, José Piedade, www.dgsi.pt/jtrp)

Acresce que se desconhece qual a duração da suspensão dos prazos dos processos não urgentes anunciada pelo Primeiro-ministro no pretérito dia 21 de Janeiro de 2021, o que implicará o protelamento do prazo para os demandantes responderem às excepções invocadas

Todas estas são circunstâncias que desaconselham o julgamento do pedido cível e seus incidentes no processo penal

Destarte, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando a cadência de intervenção dos demandantes e demandados civis na causa e os aspectos de forma a observar no seu desenvolvimento processual, confluindo todo o processo para o momento principal: a audiência de julgamento (Ac. do STJ de 08.02.2001, Simas Santos, www.dgsi.pt/jstj). A acção cível assumirá no processo penal – sempre – uma natureza acessória, subalterna, secundária em face dos interesses almejados e a proteger no processo penal (Ac. do STJ de 11.10.2001, Pereira Madeira, www.dgsi.pt/jstj). O interesse público na celeridade do processo penal sobrepõe-se ao interesse privado na indemnização pedida, o qual sempre poderá ser tutelado por outra via: os meios comuns civis (Ac. da RL, de 12.11.1997, Rodrigues Simão, www.dgsi.pt/jtrl)

Tendo em conta todas estas circunstâncias entende-se que as pretensões indemnizatórias não podem ser adequadamente apreciadas e decididas no presente processo penal, por não se harmonizar com as regras do processo penal (cf.Ac. da RL de 12.06.2001, Desemb. Adelino Salvado, www.dgsi.pt/jtrl), atenta a sua finalidade, onde sobreleva, como se disse, o valor da celeridade, em ordem à definição do estatuto do arguido

Estas vicissitudes que as acções cíveis enxertadas despoletaram (em síntese vários demandados, intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias (incidentes da instância), proximidade da audiência de julgamento penal; maior extensão dos meios de prova cíveis face á causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível o que acautela melhor os interesses das partes), permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão

Atento o exposto, decide-se: I- Remeter as partes civis para os meios comuns (tribunais cíveis) quanto à apreciação do pedido de indemnização formulado nos presentes autos, com as legais consequências (sem prejuízo de poder ser requerido o desentranhamento de todos os documentos juntos aos autos para efeitos de eventual instauração de acção cível em separado)

II- Determinar o prosseguimento dos presentes autos restrito à matéria...

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