Acórdão nº 132/16.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 132/16.3T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Instância Local – Juízo Cível – J2 Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: (…), (…), (…) e (…) vieram interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos intentados por si contra “Garagem (…), Lda.”.

Os Autores deduziram os seguintes pedidos: i) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado relativamente ao prédio urbano relativamente à loja e logradouro com entrada pelo nº (…) da Av. (…), em Setúbal.

ii) Ser a Ré condenada a entregar o locado aos Autores devoluto e livre de pessoas e bens no prazo máximo de 15 dias.

iii) Ser a Ré condenada a proceder, a expensas suas, ao tapamento da comunicação para o prédio contíguo de poente.

iv) Ser a Ré condenada, para além das custas, a suportar a parte dos honorários dos mandatários forenses dos Autores no que exceda a compensação assegurada pelas custas de parte.

*A Ré contestou, defendendo-se por excepção (caducidade do direito de agir) e por impugnação.

* Os Autores pediram que a parte contrária fosse condenada como litigante de má-fé e a Ré apresentou resposta.

* Em sede de saneamento, a excepção de caducidade foi julgada improcedente.

* A sentença recorrida decidiu julgar improcedente a acção.

*Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e na peça de recurso apresentaram as seguintes conclusões: 1ª – Deve ser precisado o facto 7) da matéria provada, pois que, à data da sua formalização, o contrato de arrendamento que a Apelada firmou com terceiro tinha por objecto dois imóveis e não apenas um, sendo a esses imóveis (“locais arrendados”) que alude o facto 8), com deflui da clª 5ª do mesmo contrato, invocada na motivação – supra, 1 e 3.

  1. – Face à factualidade provada e não provada era mister que a Mmª Juíza consignasse naquela (factualidade provada) o não uso do locado há pelo menos mais de um ano em relação à data de entrada da acção em Tribunal, que ocorreu no dia 7 de Janeiro de 2016.

  2. – Ao não fazê-lo, a douta sentença tornou impreciso este segmento fundamental da matéria de facto, pelo que importa clarificá-lo na decisão que vier a recair sobre o recurso (supra, 4 a 15).

  3. – Diversamente do dado por provado, quanto aos Apelantes por erro de julgamento, é de dar ex adverso por não provado que a Ré tenha assegurado o fornecimento de electricidade ao locado – supra, 16 a 22; cfr. ainda, 47-c) e 51.

  4. – O alegado na contestação e os próprios documentos que a Ré juntou à mesma peça para pressupostamente o ilustrar tornam patente que a ora Apelada deturpou grosseiramente a verdade dos factos, em total antinomia com o dever de cooperação processual que sobre ela impendia, tendo absoluta consciência de que o fez para impedir a descoberta da verdade (não uso da loja locada), deduzindo no que tange à loja uma oposição cujo falta de fundamento bem conhecia – supra, 18, 23 a 42.

  5. – Todo o cenário montado (plantado) no interior da loja e a junção de facturas que apresentam valores finais que podem fazer induzir em erro quem não se debruce no detalhe da formação desses valores (e nem todas as apresentadas têm a parte relativa a essa discriminação) denotam bem que a R. agiu com dolo, em vista a lograr um resultado antijurídico (supra, de novo, 18, 23 a 42 e ainda 43 a 45 e 58).

  6. – Essa intenção deliberada da Ré em deturpar a verdade dos factos e de omitir de forma grave o dever de cooperação processual, tornou-se ainda mais evidente na resposta ao incidente de litigância de má fé deduzido pelos ora Apelantes, pois que denunciada que foi (no incidente) a conduta daquela, a sua resposta agravou ainda mais a situação, ao adicionar encenação à encenação e ao enredar-se em mais contradições e mistificações da realidade – supra, 46 a 55.

  7. – Salvo o devido respeito, a sentença recorrida enferma de outro erro de julgamento ao julgar improcedente o incidente de litigância de má fé, concluindo não haver elementos suficientes para formular um juízo de censura quanto à conduta da ora Apelada.

  8. – Diversamente do decidido, afigura-se aos Apelantes que a conduta da Apelada preenche até três dos pressupostos autónomos fixados no artº 542º, nº 2, do CPC, e a título de dolo: dedução de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [da alª a)], alteração da verdade dos factos [da alª b)] e prática de omissão grave no dever de cooperação [da alª c)] – supra, designadamente quanto à jurisprudência, 60 a 67.

  9. – Se assim se não entender, o que se adianta, sem conceder, por mera hipótese de raciocínio, então seria ao menos de condenar a Ré a título de negligência grave, sendo para mais que, como é jurisprudência maioritária do STJ, a própria lide temerária passou a ser passível de condenação a este título desde a revisão de 1995/1996 do CPC (do art. 456.º do CPC/61, a que corresponde hoje o artº 542º do NCPC) – supra, 68 a 71.

  10. – De qualquer sorte é antes de concluir que a Ré agiu com plena consciência da conduta por que optou, pelo que deve ser atribuída aos Apelantes, ao abrigo do nº 1 do artº 542º do CPC, uma indeminização computada em não menos de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), tal como foi peticionado no incidente adrede deduzido pelos então AA, atenta a intensidade do dolo, a mobilização de meios probatórios e as despesas expectáveis com os honorários do mandatário forense e com as taxas de justiça já pagas – supra, 72 e 73.

  11. – Diversamente do que parece concluir a Mmª Juíza na parte da sentença relativa ao enquadramento jurídico, não se está apenas perante um uso não conforme ao contratado, por período superior a um ano, mas sim, segundo o respectivo conceito normativo, ao não uso do locado por esse tempo – supra, 74 a 77.

  12. – Ficou provado que a ora Apelada foi forçada a encerrar oficina a que o logradouro do locado ora em causa dava acesso (pela Av. da …) por motivo de força maior (queda do telhado e perigo de cedência do edifício), mas aquela não fez prova da transitoriedade desse motivo impeditivo do não uso da parte do imóvel dos Apelantes que lhe está arrendado, quando a situação de impedimento só releva como excepção ao direito de resolução consignado na alª d), primeira parte, do nº 2 do artº 1083º do CC, se tiver carácter transitório, como é próprio da lógica do instituto da locação e é evidenciado pela doutrina e jurisprudência, nomeadamente a adrede acima citada – supra, 78 a 85.

  13. – A Apelada juntou à petição desta acção uma fotocópia simples e incompleta de petição remetida via Citius a 01/08/2012, de acção intentada contra as proprietárias do imóvel da oficina, peticionando a transmissão forçada da propriedade deste por omissão do dever de conservação, ao abrigo das então vigentes das normas dos artigos 35º a 40º do Decreto-Lei nº 157/2006, de 08/08, mas não juntou aos autos um qualquer outro documento, posterior à petição, que permitisse um juízo de probabilidade sobre o êxito da acção, nomeadamente quanto à prestação de caução, pressuposto incontornável da aquisição da propriedade, nem quanto à capacidade para executar tempestivamente as obras no imóvel, obrigação cujo incumprimento determina a reversão do mesmo, de acordo com o regime jurídico plasmado no mencionado diploma legal, o que confirma também que, também deste ângulo, não fez prova da reversibilidade da situação de impedimento d uso do imóvel dos Apelantes – supra, 87 a 91.

  14. – Por se tratar de matéria de excepção, o ónus da prova da transitoriedade da situação impeditiva do uso locado por motivo de força maior recai sobre o arrendatário, nos termos do artº 342º, nº 2, do CC, como é aliás notado na jurisprudência, mas a Apelada não logrou fazer (minimamente) tal prova – supra, 86 a 91.

  15. – A Mmª. Juíza ao desconsiderar o ónus da prova dessa transitoriedade, que não foi feita, incorreu, salvo melhor opinião, em novo erro de julgamento, em infracção ao disposto no artº 342º, nº 2, do CC – supra, 78 e 92.

  16. – Acresce que os artigos do Decreto-Lei nº 157/2006 em que a Apelada fundamentou o pedido de aquisição do imóvel da oficina foram revogados pela Lei nº 30/2012, de 14/08, revogação que é imediatamente aplicável às acções ainda não transitadas em julgado, por força da 2ª parte do nº 2 do artº 12º do CC, tornando inviável a aquisição da propriedade, o que inculca que o impedimento da utilização da oficina e daí do uso do locado objecto dos presentes autos é definitivo, posto que a provada situação de ruína do imóvel da oficina determina a caducidade do seu arrendamento, nos termos do artigo 1051º, al. e), do CC, com vem sendo firmado na jurisprudência do STJ – supra, 93 a 98.

  17. - Deste ângulo, ao desconsiderar a revogação dos artigos do Decreto-Lei nº 157/2006, que tornou inviável a aquisição forçada do imóvel da oficina pela aqui Apelada, por via da acção, e ao não atentar no disposto no artº 1051º, al. e), do CC, na interpretação jurisprudencial do STJ, a sentença enferma de novo erro de julgamento [sendo que decidiu que os Apelantes estão “obrigados a suportar o não uso enquanto persistir a causa que impossibilita a ré de usar a passagem (…)”] – supra 78 e 98.

  18. – Deve pois a douta sentença ser revogada, devendo a aqui Apelada ser condenada como litigante de má-fé e a acção julgada procedente, nos termos peticionados, supra sintetizados em 99.

Termos em que deve o presente recurso obter provimento, com a revogação da douta sentença, a condenação da aqui Apelada como litigante de má-fé e bem ainda nos termos peticionados na acção, que deve ser julgada procedente.

* A parte contrária alegou, dizendo, em resumo, que o recurso deverá ser julgado improcedente.

* Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

* II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º...

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