Acórdão nº 940/13.7TAABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução18 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 940/13.7TAABF.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Faro (Albufeira, Instância Local, Secção Criminal, J2) foi distribuído, como Processo Comum Singular, o Proc. n.º 940/13.7TAABF, no qual, por despacho de 13.05.2016 (fol.ªs 139 a 145), foi decidido rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público (na qual é imputada ao arguido BB a prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217 n.º 1 do CP), por manifestamente infundada, nos termos do art.º 311 n.º 2 al.ª a) do CPP, por referência à al.ª d) do n.º 3 do mesmo preceito, ou seja, em síntese, porque “os factos imputados ao arguido não constituem qualquer ilícito criminal, não podendo, em consequência, conduzir a uma condenação do arguido pela prática do crime de que se encontra acusado”.

--- 2. Recorreu o Ministério Público de tal despacho, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões (fol.ªs 160 a 164): 1 - Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido BB, imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar o cometimento de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217 n.º 1 do Código Penal.

2 - Distribuídos ao Juízo 2 da Secção Criminal da Instância Local de Albufeira, foram os autos conclusos à Mm.ª Juíza que, após conhecer das questões a que se refere o art.º 311 n.º 1 do Código de Processo Penal, decidiu, nos termos do art.º 311 n.ºs 2 al.ª a) e 3 al.ª d) do Código de Processo Penal, rejeitar a acusação, por a considerar manifestamente infundada, dado que os factos ali narrados não constituem crime.

3 - Fundamenta a Mm.ª Juiz a quo a sua decisão na circunstância de, aparentemente, a factualidade imputada ao arguido cair no âmbito do Direito Civil, mormente no instituto do incumprimento contratual. É que, quando o ofendido entregou o dinheiro ao arguido fê-lo a título de pagamento de preço, como prestação a que se obrigou por força da celebração do negócio jurídico - no caso, contrato de compra e renda - que, pela sua natureza e regime, é sinalagmático, ou seja, a entrega da quantia pecuniária corresponde ao cumprimento de uma obrigação civil por parte do ofendido, a título translativo da propriedade.

4 - Porém, tem sido entendido maioritariamente pela jurisprudência que a acusação só pode ser rejeitada por manifestamente infundada desde que, por forma clara, flagrante, e para além de qualquer dúvida razoável, seja desprovida de fundamento, ou por ausência de fados que a sustentem ou porque os factos nela descritos não integram qualquer norma jurídico-penal, constituindo a realização de julgamento evidente violência desnecessária para o arguido.

5 - “Se a questão focada na acusação for juridicamente controversa, o Juiz no despacho… não pode considerar a mesma (acusação) manifestamente improcedente... Assim, por exemplo, o Juiz não pode rejeitar a acusação com base no disposto na alínea d) do n.º 3 (“Se os factos não constituírem crime”) se a questão for discutível. Só o poderá fazer se for inequívoco e incontroverso que os factos não constituem crime…” - Dr. Vinício A. P. Ribeiro, CPP anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 644.

6 - Havendo dúvidas se os factos descritos na acusação constituem crime, dado que tal subsunção à norma jurídica violada é objecto de debate e de discórdia jurisprudencial, tal dúvida deverá aproveitar à continuação da ação penal, já que a putativa inexistência de crime não é algo pacífico e manifesto, como exige o corpo do art.º 311 n.º 2 al.ª a) ao integrar a expressão “manifestamente infundada”.

7 - Para mais, a análise do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de burla, em particular, daqueles últimos, é uma tarefa de minúcia interpretativa, pois este crime apresenta-se, na verdade, como uma “forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar”. Conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2002, Processo n.º 02P3122, disponível em wvw.dgsi.pt.

8 - Acresce que os incumprimentos contratuais, bastantes vezes, são o instrumento para o cometimento do crime de burla, quando acompanhados de uma reserva mental antecedente.

9 - Como referido no ac. do TRC de 07/06/2006, Proc. n.º 1148/06, relator Dr. Gabriel Catarino, disponível em www.dgsi.pt: “… A fragilidade e a ténue linha...

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