Acórdão nº 72/15.3GBTMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | JOÃO AMARO |
Data da Resolução | 18 de Abril de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 72/15.3GBTMR, da Comarca de Santarém (Tomar - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1), realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferido pertinente sentença, onde se decidiu: “
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Absolver o arguido N da prática de um crime de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 4 e 5 do Código Penal; b) Condenar o arguido N pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ameaça agravada, previstos e puníveis pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, para cada crime; c) Condenar o arguido N pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa; d) Procedendo ao cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenar o arguido N na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 8€ (oito euros), o que perfaz o montante de 2.000€ (dois mil euros); e) Condenar o arguido N, a pagar as custas do processo, a que acresce taxa de justiça criminal que se fixa em 2UC”.
* Inconformado com a sentença condenatória, dela interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “I) Nos presentes autos, o Digmº Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra o arguido ora recorrente, imputando-lhe a prática em autoria material de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14º, 26º e 152º, nºs 1, alínea b), e 2, 4 e 5, todos do Código Penal.
II) Por despacho de 06/06/2016, a Mma. Juíza a quo recebeu a acusação pública contra o arguido, pelos factos e pela qualificação jurídica que dela constam.
III) Porém, na sentença recorrida o arguido veio a ser absolvido da prática do crime de violência doméstica agravada, e foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa para cada crime, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa.
IV) Procedendo ao cúmulo jurídico destas penas parcelares, o tribunal recorrido condenou o recorrente na pena única de 250 dias de multa à taxa diária de 8 €, o que perfaz o montante de 2000 €.
V) Sucede, porém, que em nenhuma das sessões da audiência de julgamento foi feita a notificação ao arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos – nem mesmo na última sessão, em que foi lida a sentença, em 07/10/2016.
VI) O que se pode verificar pela leitura das atas das sessões da audiência de julgamento e pelas gravações das mesmas.
VII) Comunicação essa que se impunha, pois, como resulta do que antecede, o arguido, que vinha acusado somente da prática de um crime de violência doméstica agravada, prevista no artigo 152º, nº 1, alínea b), e 2, 4 e 5 do Código Penal – punível em abstrato com prisão de dois a cinco anos – acabou por ser condenado pela prática de dois crimes de ameaça agravada, previstos no art. 153º, nº 1, e 155º, nº 1, do Código Penal, puníveis em abstrato, cada um deles, com pena de prisão até dois anos, e pela prática de um crime de ofensas corporais simples previsto no art. 143º, nº 1, do Código Penal – punível com prisão até três anos.
VIII) Trata-se pois de uma alteração da qualificação jurídica dos factos mais gravosa para o arguido, porquanto o limite máximo da moldura penal em abstrato aplicável ao arguido, resultante da condenação pelos três aludidos crimes e da consequente efetivação do cúmulo jurídico, sofreu um agravamento, em comparação com a moldura penal que resultava da acusação pública recebida pela Mma. Juíza a quo.
IX) A inobservância, pelo tribunal a quo, do disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, determina, nos termos do art. 379º, nº 1, b), do mesmo código, a nulidade da sentença, o que aqui se requer.
Sem prescindir do que acima se alega, há a dizer o seguinte: X) No caso em apreciação, o Tribunal a quo decidiu, como já vimos, que as condutas do arguido, dadas como provadas nos pontos n.ºs 3 a 9 da sentença, não integravam a prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, pelo qual este vinha acusado, mas sim a prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1, e 155º, nº 1, e de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, por factos cometidos em Abril de 2014 e em Fevereiro de 2015.
XI) E foi pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1, e 155º, nº 1, e de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º 1, do Código Penal, que o tribunal recorrido condenou o arguido.
XII) A qualificação jurídica dos factos dados como provados, feita pelo tribunal recorrido, remete-nos, indiscutivelmente, para o domínio dos crimes semipúblicos, já que o art. 153º, nº 2, e o art. 143.º, n.º 2, ambos do Código Penal, impõem expressamente a apresentação de queixa como pressuposto do procedimento criminal.
XIII) Ora, nos factos dados como provados no ponto n.º 3 da sentença recorrida pode ler-se: «Em dia não concretamente apurado do mês de Abril de 2014, cerca das 23:30 horas, no interior da residência de ambos identificada em 1., na sequência de uma discussão protagonizada pelo arguido, o mesmo aproximou-se da ofendida e colocou dois dedos no pescoço desta, pressionando com força, ao ponto de impedir a ofendida de respirar durante alguns segundos, acabando por libertá-la quando a ofendida começou a desfalecer».
XIV) Do ponto n.º 4 dos factos provados, da mesma sentença, consta que «simultaneamente, o arguido, enquanto apertava o pescoço da ofendida, dizia em tom sério e grave: “Eu vou-te matar e vou-te esconder nas fossas”».
XV) Sucede que a assistente apresentou queixa, no que toca a estes factos, contra o ora recorrente N, apenas em 25 de Fevereiro de 2015 – cfr. fls. 25 e 36 do 1º volume dos autos.
XVI) Ora, tendo a ofendida tomado conhecimento dos factos mencionados nos pontos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto provada, em Abril de 2014 – pois os factos, segundo ela diz, teriam sido praticados diretamente contra ela –, então, quando apresentou queixa contra o arguido, já tinha caducado o exercício desse direito pelo decurso do prazo de 6 meses a que alude o art. 115.º, n.º 1, do Código Penal.
XVII) Tendo caducado o direito de queixa, pressuposto positivo da punição, impõe-se declarar a extinção do procedimento criminal contra o mesmo arguido, deixando de poder subsistir a sua condenação pela prática do crime de ameaça agravada e do crime de ofensas à integridade física simples com referência aos factos de Abril de 2014.
Todavia, sem prescindir de tudo o que acima se alega e requer em matéria de direito, XVIII) O recorrente vem impugnar a decisão proferida em matéria de facto, pois considera que foram incorretamente julgados os pontos 3 a 9 da lista dos factos dados como provados na sentença recorrida.
XIX) Com efeito, não se produziu em audiência de julgamento, nem consta dos autos, prova suficiente que pudesse fundamentar a decisão do tribunal recorrido, ao dar como provados os factos supra.
XX) A Mma. Juiz a quo refere que «a factualidade descrita de 3 a 7 alicerçou-se, essencialmente, no depoimento da assistente MF, que mereceu a credibilidade do tribunal, pois depôs de forma simples, espontânea e sincera».
XXI) Ora, o arguido, ele próprio, depôs de forma simples, espontânea e sincera, como se poderá verificar ouvindo a gravação de todo o seu depoimento, da qual infra transcrevemos algumas passagens exemplificativas disso mesmo.
XXII) O arguido negou de forma credível os dois episódios constantes da acusação, descreveu a forma como a relação entre ele e a assistente se foi deteriorando, e relatou o porquê de, a partir de certa altura, a assistente ter começado sistematicamente a iniciar discussões e a tratá-lo com hostilidade; XXIII) Relatou o arguido que essa hostilidade, bem como a apresentação destas queixas baseadas em falsidades, se deveram à circunstância de a assistente, logo após ter conseguido que o recorrente fosse seu fiador num empréstimo bancário que ela contraiu, tudo ter feito para terminar de imediato a relação e para o expulsar de casa – porque já não precisava mais dele: a fiança já tinha sido obtida com sucesso! XXIV) A Mma Juiz a quo não indica nenhum motivo, nenhuma razão para desconsiderar o depoimento do arguido e para o julgar não credível.
XXV) É certo que a Mma Juiz argumenta que o depoimento da assistente foi corroborado pelo teor do depoimento da sua única testemunha, MJ.
XXVI) Só que, como se pode verificar pela audição de todo o seu depoimento, de que a seguir transcreveremos algumas passagens exemplificativas, o depoimento desta testemunha é todo ele um “testemunho de ouvir dizer” - a testemunha, como ela própria diz várias vezes, não assistiu a nada, não viu nada! XXVII) Tudo o que esta testemunha disse em tribunal, corresponde a coisas que a assistente lhe contou.
XXVIII) Mas muito grave do que isto: esta testemunha depôs imediatamente após ter assistido e presenciado ao depoimento prestado pelo arguido e pela assistente em audiência de julgamento: enquanto o arguido e a assistente faziam o seu depoimento, a testemunha MJ esteve sempre na sala de audiência, a ouvir tudo, desde o início do julgamento! XXIX) Como prova disso, veja-se a ata da sessão da audiência de julgamento, ocorrida em 5 de Setembro de 2016, onde pode ler-se a págs. 6 o seguinte: «pelas 10:35 horas, constatou-se estar presente a testemunha MJ na sala de audiência desde o início da presente...
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