Acórdão nº 181/05.7TMSTB-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 181/05.7TMSTB-D.E1 Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Évora I – Relatório: O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, veio reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, entende que a sua intervenção com vista ao pagamento de uma prestação substitutiva de alimentos é regulado por lei especial, concretamente, pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e pelo Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho e pela Lei nº 64/2012, de 20 de Dezembro.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não admissão do recurso, por este ter sido apresentado extemporaneamente.

O recurso não foi admitido com base na intempestividade do mesmo. A decisão reclamada afirma que o prazo para a apresentação do recurso é de 15 dias, por força do disposto no artigo 32º, nº 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Adianta ainda que, mesmo que assim não fosse, por se tratar de um processo urgente, seria aplicável a disciplina na segunda parte do nº 1 do artigo 638º do Código de Processo Civil, que consagra igual prazo.

Decidida a reclamação pelo relator, foi proferida decisão que manteve o despacho de não admissão. Notificado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social requereu que sobre a matéria recaia um acórdão, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 652º do Código de Processo Civil. O requerente notificou a pretensão à parte contrária, mostrando-se assim perfectibilizado o exercício do contraditório.

II – Dos factos com interesse para a decisão: 1) A decisão foi proferida em 09/01/2017, notificada ao IGFSS por ofício datado de 20/01/2017 e o conhecimento presumido do decidido ocorreu em 24/01/2017.

2) As alegações de recurso foram apresentadas pelo recorrente em 24/02/2017.

III – Das conclusões: Em benefício da tese apresentada, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apresentou as seguintes conclusões: 1. O incidente de intervenção do FGADM é regulado por lei especial, concretamente, pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL nº 70/2010, de 16 de Junho e pela Lei nº 64/2012, de 20 de Dezembro.

  1. No Regime Geral do Processo Tutelar Cível não se encontra prevista qualquer regulamentação processual referente à fixação ou cessação da prestação do FGADM, sendo que no que diz respeito a recursos de decisões relativas a tal matéria, apenas existe o nº 5 do artigo 3º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro.

  2. Consequentemente, tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 14/12/2016 – processo nº 232/15.7TGDM-B.P1.S1 – 2ª secção, ao recurso interposto não é aplicável o disposto no artigo 32º do RGPTC, mas sim o regime de recursos geral consagrado no Código de Processo Civil, pelo que o prazo de interposição é de 30 dias, cfr. artigos 627º, 631º, nºs 1 e 2, 644º, nº 1, alínea a), 645º, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil.

IV – Enquadramento jurídico: Esquematizados no relatório prévio os pontos de discórdia no relatório da presente reclamação, nesta dissensão hermenêutica importa apurar se a disciplina precipitada no artigo 32º, nº 1 e 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Civil[1] tem aplicação directa no presente caso. Ou, numa formulação alternativa, se esta norma revogou tacitamente a regra especial existente quanto à interposição de recursos por parte do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores prevista pelo nº 5 do artigo 3º da Lei nº 75/98, de 19/11.

A tarefa central a que o juiz se dedica é a determinação do direito que há-de valer no caso concreto. Para este fim deve levar a cabo três indagações: 1) Apurar que o direito existe.

2) Determinar o sentido desta norma.

3) Decidir se esta norma se aplica ao caso concreto.

Aplicação das leis envolve, por consequência uma tríplice investigação: sobre a existência da norma; sobre o seu significado e valor; e sobre a sua aplicabilidade

[2].

Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar segundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institucionais face aos movimentos de utilidade social»[3].

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº 1, do Código Civil).

O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do nº 2 do preceito sub judice.

Por último, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3 do artigo 9º do Código Civil).

Sobre a problemática da interpretação, podem consultar-se Manuel de Andrade[4], Pires de Lima e Antunes Varela[5], Baptista Machado[6], Oliveira Ascensão[7], Castro Mendes[8], Menezes Cordeiro[9], Fernando Bronze[10], Castanheira Neves[11], Herbert Hart[12], Karl Engish[13] e Karl Larenz[14], entre outros.

Neste enquadramento, ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista[15].

Como realça Baptista Machado[16] não tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico”.

Pinto Monteiro propugna que «particularmente importante, como forma de renovação interna do sistema jurídico (dentro da perspectiva tradicional e corrente) (…) é transpor para a realidade presente o juízo de valor que presidiu à elaboração da norma, adaptando o seu significado à evolução – social e jurídica – entretanto operada, por forma a extrair da norma um novo sentido e ajustá-la assim à evolução histórica ocorrida. O que poderá eventualmente implicar uma mudança de sentido que lhe era originalmente atribuído, em face da realidade histórica vigente ao tempo da sua entrada em vigor»[17].

Porém, é de atender que «só será legítimo estender o campo da aplicação da norma, se dela resultar um...

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