Acórdão nº 342/15.0GEBNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo, o MP deduziu acusação contra J, nascido a 22 de Setembro de 1974, solteiro, pedreiro, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: - Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal; - Um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal; - Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal; - Dois crimes de injúria, na forma agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal.

2.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu:

  1. Absolver J. da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal; b) Condenar J. pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a qual se substitui pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros); de um crime de injúria, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros); de um crime de injúria, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros); e, em cúmulo jurídico, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), e na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que, em acumulação material, perfaz o valor global de €1.560,00 (mil quinhentos e sessenta euros); 3.

    – Inconformado com a decisão que absolveu o arguido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, o MP interpôs o presente recurso, de cuja motivação extrai as seguintes conclusões: - « 1. O presente recurso vem interposto do acórdão, datado de 24 de Novembro de 2016, proferido nos autos identificados em epígrafe na parte em que, julgando a acusação improcedente, por não provada, absolveu o arguido J. da prática, em concurso real, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal; 2. Pelo presente recurso pretende o Ministério Público ver reapreciada a matéria de facto dada como não provada no ponto I dos factos não provados, a qual deveria ter sido dada como provada; 3. Assim, aos factos provados deverá ser acrescentado que “J quis conduzir o referido velocípede na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas e sob a sua influência, sabendo que esta sua conduta era proibida e punida por lei”; 4. A convicção do Tribunal, ao dar como não provado o facto ora em causa, alicerçou-se nas declarações francas, convictas e credíveis do arguido, que admitiu conduzir o velocípede naquele circunstancialismo de tempo e lugar, referindo, porém, que estava convencido que podia ingerir livremente bebidas alcoólicas, desconhecendo a proibição legal. Aliás, o arguido afirmou de forma muito espontânea, convincente e categórica que sempre esteve convicto que a condução de velocípedes o deixava “à vontade” para poder, querendo, tomar bebidas alcoólicas; 5. E ainda no depoimento do militar da Guarda Nacional Republicana que o fiscalizou, JC, que confirmou tais declarações, afirmando que, na ocasião, o arguido manifestou ostensiva e naturalmente a sua surpresa perante a necessidade de se submeter ao teste de alcoolemia e alegou convictamente que pensava não haver essa necessidade uma vez que conduzia um veículo sem motor; 6. Discorda o Ministério Público quanto à forma como o Tribunal valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência de julgamento, pese embora a valoração seja livre de harmonia com o preceituado no art.º 127.º do Código Penal a mesma não pode ser arbitrária; 7. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que o Tribunal fez uma incorrecta apreciação da matéria de facto produzida perante si em audiência; 8. Efectivamente, ao alicerçar o facto não provado aqui colocado em crise, em primeiro lugar, no depoimento prestado pelo arguido, o Tribunal a quo atribuiu força probatória plena às suas declarações relativamente à negação do facto típico objecto de acusação. O mesmo é dizer a força de confissão de facto desfavorável ao confitente; 9. Certo é que o artigo 344.º, n.º 1 do Código de Processo Penal prevê expressamente a valoração da confissão do arguido. Fazendo-o porém – cfr. corpo do referido preceito - relativamente aos “factos que lhe são imputados”; 10. A presunção de inocência do arguido – presunção abstracta - não tem o alcance de presunção de verdade das declarações do arguido sobre factos concretos que lhe são imputados, particularmente no que se refere a factos favoráveis ao “confitente”; 11. Com efeito o Código de Processo Penal reporta-se à confissão do arguido quanto a “factos que lhe são imputados”. O mesmo é dizer, factos descritos na acusação, como tal constitutivos do crime ou crimes imputados na acusação, como tais “desfavoráveis” ao arguido, a quem assiste o direito à não auto-incriminação; 12. Por outro lado, a afirmação de que a testemunha JC, militar da GNR “confirmou tais declarações, afirmando que, na ocasião, o arguido manifestou ostensiva e naturalmente a sua surpresa perante a necessidade de se submeter ao teste de alcoolemia e alegou convictamente que pensava não haver essa necessidade uma vez que conduzia um veículo sem motor” constitui, salvo o devido respeito, clara extrapolação do depoimento; 13. De facto, a testemunha, pessoa que interceptou o arguido na altura em que o mesmo seguia no velocípede, sem as mãos no guiador e a ler um papel que levava nas mãos, não afirmou – nem podia afirmar - que o arguido não sabia que o facto constituía crime. Apenas afirmou que o arguido “ficou um bocado surpreso porque, para ele, deu para perceber que ele quando estava a conduzir a bicicleta era como se não tivesse a obrigatoriedade de respeitar qualquer veículo em circulação na via pública. Como se ele não fosse um veículo, percebe? Mas no início ficou um bocado surpreso mas depois ele não se recusou”. O que é diferente, uma vez que o testemunho se reporta apenas a uma declaração ouvida ao agente e não ao facto tema de prova, em si, que, no caso, sendo subjectivo, apenas o agente poderia declarar; 14. De onde que o depoimento do agente sempre seria depoimento de ouvir dizer ao próprio arguido, em violação do disposto no art.º 125.º do CPP. Não tendo, por isso, outro valor intrínseco que não o de reproduzir o depoimento do próprio arguido, também ouvido em audiência; 15. Sendo também de salientar que esta testemunha não invocou qualquer razão de ciência sobre o facto – e sendo facto de natureza subjectiva somente o próprio poderia ter conhecimento dele, não podendo o militar da GNR testemunhar, a não ser por dedução; 16. Não tendo, pois, tal depoimento força capaz de impor a decisão ora recorrida; 17. Não se entende como é que não se logrou provar a efectiva intenção do arguido de exercer a condução em estado de embriaguez quando o mesmo, após ter ingerido uma quantidade significativa de bebidas alcoólicas – note-se que JC, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,70 g/l -, circulou no velocípede, inclusivamente fazendo uma condução passível de colocar em risco os restantes utentes da via, tal como foi afirmado pelo militar da GNR; 18. Sendo que a sua conduta, ao não parar quando os militares da GNR lhe fizeram sinal de paragem e de agressividade e desrespeito quando o interceptaram, demonstra que o mesmo tinha perfeita consciência de que se encontrava a conduzir alcoolizado, e que tal era proibido por lei; 19. Os limites da liberdade valorativa da prova no âmbito penal são as regras da lógica e da razão, as máximas da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos (neste sentido, vd. Acórdão da Relação do Porto, datado de 10.09.2014, disponível em www.dgsi.pt); 20. Ora, recorrendo às regras da experiência comum, qualquer homem médio sabe que não deve conduzir embriagado nas vias públicas, independentemente de conduzir veículo motorizado ou não, pois as suas capacidades encontram-se manifestamente diminuídas; 21. Pelo que, no caso dos autos, resulta provado o conhecimento, por parte do arguido, da ilicitude da sua conduta, pelas razões já aduzidas, nos termos resultantes da reapreciação da matéria de facto; 23. Pelo que o Tribunal recorrido, com a decisão proferida, incorreu também em erro de julgamento; 24. Resulta da factualidade provada que o arguido conduzia pela via pública, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,70 g/l, deduzido o erro máximo admissível e, portanto, superior à taxa prevista na norma em apreço. Deste modo, a sua conduta integra o tipo objectivo do crime em causa; 25. Conforme ficou supra exposto, a conduta do arguido foi voluntária e consciente bem sabendo que não podia conduzir veículos com aquela taxa de álcool no sangue e que a sua conduta era proibida por lei; 26. Assim sendo, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, encontram-se preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo...

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