Acórdão nº 344/15.7GCSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | CARLOS BERGUETE COELHO |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, da Instância Local de Silves da Comarca de Faro, realizado o julgamento, o arguido A.
foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 350,00, e na pena acessória de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de proibição de condução de veículos motorizados, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do CP.
Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1.º Do acervo de factos dados como assentes concluiu o douto tribunal "a quo" pela condenação do aqui recorrente pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 350,00 e condenar o arguido numa pena acessória de 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos a motor.
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No âmbito da fundamentação não esclarece, o tribunal "a quo" o que foi determinante da sua convicção.
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- Entende, porém, o Arguido, ora Recorrente, com a devida vénia por opinião diversa, que não pode deixar de ser muita, em face do direito aplicável, que da factualidade dada como provada, diferente deveria ter sido a douta decisão do Tribunal.
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- Com efeito, é inexistente o suporte na prova produzida para os factos que o tribunal recorrido dá como provados.
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- Em todo o processo, em nada é referido que a recolha de sangue ao arguido foi consentida pelo ora arguido.
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- Em todo o processo, ninguém confirma, muito menos as testemunhas de acusação confirmam, terem assistido à recolha de sangue.
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- Constata-se que a retirada do direito de o Arguido poder recusar a recolha de sangue padece de inconstitucionalidade orgânica e, sendo assim, o Arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência.
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- Conclui-se do factualismo provado que o Arguido não foi previamente informado do destino ou fim da colheita de sangue.
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- A concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolémia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
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- Nesta conformidade, e por total ausência de prova válida da prática do crime de que vem acusado, deve o Arguido ser absolvido.
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- Por outro lado, ficaram provadas a existência de irregularidades durante a "recolha do sangue do Arguido".
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- Irregularidades essas que foram considerados meros lapsos, concluindo-se de antemão que o sangue recolhido, pertencia ao arguido, porque assim se quis acreditar, fechando os olhos às irregularidades assumidas pelas testemunhas da acusação e pelos documentos juntos aos autos.
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- A matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo também está deficientemente apreciada uma vez que, dos depoimentos das testemunhas militares da GNR, tem que se retirar as seguintes conclusões: Uma troca e números nos referidos kits, e um relatório com uma data diferente da data em que ocorreu o acidente de viação.
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- Nenhum médico, técnico de saúde ou militar da GNR, aferiu que assistiu à recolha de sangue.
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- Ao considerar-se tais factos como provados, a verdade é que não se pode concluir, com a certeza que é exigida no âmbito de um processo-crime, que o sangue retirado era efectivamente o do ora arguido, nem sequer se pode concluir qual o procedimento técnico prosseguido no momento da recolha do sangue.
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- Outra não podia ser a decisão que não fosse a aplicação do princípio in dubio pro reo, basilar no sistema processual penal português, sendo a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32º, n.º 2, da CRP).
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- É indubitável, que não foram assegurados os direitos de defesa e face à reduzida prova produzida em audiência de julgamento, impunha-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.
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- Ao arrepio da presunção de inocência, salvo o devido respeito e melhor opinião, deu o tribunal "a quo" como provada toda a matéria constante da acusação que não foi objecto de prova em sentido oposto, invertendo, assim, o ónus da prova que considera o Direito Penal português.
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- Ao não ser aplicado o principio in dubio pro reo, o Tribunal violou o preceituado no art.º 32.º n.º 2 da CRP.
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- O Tribunal a quo condenou o ora recorrente apenas por convicção. com base, unicamente, numa presunção de culpa, subjectivamente considerada que, à revelia dos princípios supra enunciados, valorou prova objectivamente inexistente.
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- De facto, o Tribunal a quo, acreditando ab initio na culpa do arguido, sindicou a sua decisão através de um juízo presuntivo, discricionário e inelutavelmente carecido de suporte factual.
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- É patente a violação, por parte do tribunal "a quo" do artigo 127.º do C.P. Penal e ainda do artigo 32.º, n.º 2 da C.R. Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de direito que V/Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença que condenou o recorrente pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 350,00 e condenar o arguido numa pena acessória de 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos a motor, ser revogada e, proceder-se à repetição da audiência de julgamento em primeira instância.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1º - O arguido ora recorrente foi condenado, como autora material e na forma consumada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292º/1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00, e na pena acessória de três meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do disposto no artigo 69º/1 al. a) do Código Penal.
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- Inconformado com a Douta Sentença proferida nos autos em epígrafe, o arguido recorre da mesma, alegando que é inexistente o suporte na prova produzida, que não foi solicitado o consentimento ao arguido aquando a recolha do sangue, o que padece de inconstitucionalidade, pugnando assim pela sua absolvição, ou se assim não se entenda, na repetição do julgamento.
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- Incidindo o recurso sobre matéria de facto, é nosso entendimento que o recorrente não cumpriu com o previsto no artigo 412º/4 do Código de Processo Penal, Mas se assim não se entenda, 4º - Cremos que a decisão posta em crise não merece qualquer censura, devendo a mesma ser mantida porque devidamente fundamentada de facto e de direito.
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- O recorrente põe em crise a forma como o Tribunal a quo apreciou a prova produzida em sede de audiência de julgamento, impugnando assim a convicção adquirida e pondo em causa a livre apreciação da prova.
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- Ora, em sede de audiência de julgamento, o recorrente admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, 7º - Admitiu ter sido interveniente em acidente de viação.
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- Invoca o recorrente que o Tribunal a quo não procurou saber a causa do acidente. Ora, a causa do acidente não é elemento objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
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- Por ter sido interveniente em acidente de viação e ter desmaiado, o recorrente foi levado para o Hospital de Portimão, tendo nessa sequência, procedido à recolha de sangue a fim de averiguar da existência de álcool no organismo do recorrente.
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- Os lapsos eventuais na selagem da amostra de sangue encontram-se devidamente explicados nos autos, documentalmente, 11º - As militares da GNR, de maneira isenta e com depoimentos credíveis, exemplificando em sede de audiência de julgamento, que procederam às selagens explicaram que o lapso nada tinha a ver com a amostra de sangue, em si – a primeira selagem é que demonstrava uma “bolha de ar” e, por isso é que se procedeu a uma segunda selagem, tendo aquela militar colocado o primeiro “envelope” no segundo “envelope” devidamente selado, ou seja sem bolha de ar.
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- Mais se dirá que estabelece o artigo 4º da Lei 18/2007 de 17 de Maio, no seu número um (…) quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste (teste de ar expirado) é realizada a análise de sangue.
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- O recorrente afirma não ter dado o seu consentimento à recolha de sangue – e não tinha que dar, tal norma não está ferida de inconstitucionalidade – vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2013.
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- Todo o alegado pelo recorrente faz com que o Ministério Público entenda que a sua convicção pessoal sobre a prova produzida diverge da convicção que o tribunal a quo firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova.
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- Ao insurgir-se contra matéria de facto dada como provada, esquece o recorrente que no processo penal a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente para o julgamento (artigo 127º do CPP).
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- De acordo com o princípio da livre apreciação, o julgador dispõe de liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
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- O princípio da oralidade e da imediação está intimamente ligado às regras da livre apreciação da prova e da íntima convicção do juiz. O juiz está impossibilitado de conhecer a verdade absoluta devido às limitações a que as capacidades humanas estão sujeitas.
Importante é que esse apuramento se faça com base nas provas e no respeito das garantias fundamentais.
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- A verdade que surge ao...
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