Acórdão nº 930/16.8T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora i. Relatório 1.

Nos presentes autos de recurso de impugnação judicial em matéria contraordenacional que correm termos na Secção criminal (J1) da Instância Local de Benavente da Comarca de Santarém, PS, n. a 20.01.1961, com residência em Marinhais, veio impugnar judicialmente a decisão proferida em 21.07.2015 pela A.N.S.R., que o condenou numa coima de € 180,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, pela prática, no dia 13.02.2015, como reincidente, de uma contraordenação p. e p. pelo disposto nos artigos 84º, nºs 1 e 4, 138º, 139º, 143º e 145º, nº 1, alínea n) do Código da Estrada.

  1. – Remetidos os autos aos serviços do MP, realizou-se Audiência de Discussão e Julgamento, após o que o tribunal a quo proferiu sentença julgando totalmente improcedente o recurso e mantendo integralmente a decisão administrativa impugnada.

  2. – Inconformado, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: «Conclusões 1º O tribunal não podia ter dado como provada a factualidade dada como provada III A) 1; 2; e 3, porque do auto de notícia, da decisão administrativa e do depoimento agente autuante, JL, militar da GNR, retira-se não ter sido possível identificar o autor da contra-ordenação.

    1. Estes elementos deveriam ter constituído ponto de partida para a actividade investigatória da entidade administrativa e do tribunal, na busca da verdade tendo em conta os valores da justiça e da imparcialidade, atento o disposto no artigo 266º da CRP e 340º do CPP.

    2. Por ter a douta sentença conhecido duma questão de que não podia tomar conhecimento, considerar ter sido apurado que era o arguido quem conduzia o veículo, nas circunstâncias de modo tempo e lugar descritas no auto de notícia, quando nenhuma prova ou meio de prova lhe permitia isso, fez com que a douta sentença ficasse inquinada de nulidade.

    3. Por outro lado, por não ter sido feita prova relativa à identificação do condutor nas circunstâncias de modo, tempo e lugar, quer em sede de decisão administrativa quer em sede de julgamento, não poderia o tribunal deixar de apreciar e valorar essa questão.

    4. A omissiva actuação do tribunal, quando do auto de notícia, da decisão administrativa e do depoimento da principal testemunha JL, militar da GNR, resultou a flagrante dúvida e incerteza de quem era o condutor, o tribunal mostrou não querer saber e não querer apurar a verdade, logo viciada de nulidade ficou a sua actuação.

    5. A nosso ver, constituíam tais factos, motivos mais do que suficientes para que o tribunal oficiosamente ordenasse a produção de prova necessária e conveniente à descoberta da verdade, não o tendo feito violou o disposto nos artigos 266º da Constituição e 340º do CPP.

    6. O princípio da presunção de inocência em matéria criminal, não foi afastado pelo legislador ordinário no RGCO, antes pelo contrário, tem sido amplamente aplicado pela jurisprudência nacional que tem seguido a jurisprudência do TEDH, TJUE e TPI.

    7. No direito contra-ordenacional estão em causa infracções relativamente as quais se torna necessário demonstrar a culpa de um determinado agente, para que possa ser legitima a aplicação de uma sanção.

    8. Apesar das diferenças entre os ilícitos penal e contra-ordenacional, e ainda que se considere que a culpa contra-ordenacional tem contornos menos intensos do que a culpa penal, a verdade é que sem a prova de que o arguido praticou um facto censurável não é possível que lhe seja aplicada uma coima.

    9. A única e efectiva falta do arguido, foi a de não ter identificado o condutor do veículo, será que tal circunstância não colide com o seu direito de defesa, com direito de se não auto-incriminar a si ou a sua ex-companheira, mas não sequer por aí o raciocínio do julgador.

    10. Para nós a manutenção da decisão recorrida fere todos os princípios de justiça que constituem o direito, o próprio estado de direito e o sentimento de justiça da comunidade, porque as disposições constantes nos artigos 2º, nº1 e 2 do artigo 18º, nº10 do artigo 32º e 266º da Constituição da República Portuguesa impedem e não permitem a interpretação e aplicação da alínea b) do nº3 do art.135º e do nº2 do art. 171º do Código da Estrada tal como feito pelo tribunal.

    Termos em que deverá ser revogada a douta sentença, mas quanto a isso, melhor decidirá o Venerando Tribunal da Relação, fazendo a acostumada JUSTIÇA.» 4.

    Notificado da interposição do presente recurso, o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância pronunciou-se fundamentadamente no sentido da sua improcedência.

  3. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, depois de apreciar as questões suscitadas.

  4. -Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido nada acrescentou.

  5. Sentença recorrida (Transcrição parcial): « (…) i) O auto (?) está ferido de nulidade, pois não identifica os elementos essenciais referentes à ilicitude e à culpa.

    ii) O arguido foi condenado “apenas por não ter identificado o condutor do veículo, o que legitimamente se podia recusar. O que aliás constitui e consubstancia um direito que lhe pertence tendo em conta os laços que o ligam a essa pessoa, e ainda o disposto no artigo 134.º do CPP”.

    Inexiste ilicitude, atento o disposto no artigo 31º, nº 2, alínea b) do CP.

    iii) Não sendo “o arguido o condutor do veículo, a única pessoa que poderia estar a conduzir era a sua esposa, no entanto não é do conhecimento do arguido que o seu veículo tenha circulado naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar”.

    (…) II.

    Questões prévias: A nulidade do auto de contra-ordenação e/ou da decisão administrativa: O recorrente começou as suas alegações de recurso, invocando que o “auto está mal instruído e por isso está ferido de nulidade pois nele faltam elementos essenciais como os referentes à ilicitude e à culpa”.

    Assim, se à primeira vista parece que se está a referir ao auto de contra-ordenação, verificamos que o recorrente se reporta mais à frente, nas conclusões do recurso, à nulidade da “decisão”, sustentado que “foi feita de forma confusa, atabalhoada e pouco profissional, tornando-a omissa, pouco esclarecedora e duvidosa”.

    Vejamos, em primeiro lugar, se o auto de contra-ordenação padece de alguma nulidade.

    Dispõe o artigo 50º do RGCO que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes assegurar ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

    Garante-se neste normativo o direito de audição e defesa do arguido. O exercício do contraditório é, no nosso ordenamento jurídico, um princípio natural, uma exigência fundamental do Estado de Direito com consagração no artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

    Deste modo, um efectivo direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo arguido, de todos os elementos relevantes, a saber, os factos que lhe são imputados e a sanção em que incorre.

    No caso em apreço, a autoridade administrativa notificou o arguido para, querendo, se pronunciar sobre os factos descritos no auto de notícia, tendo junto cópia do mesmo.

    Da notificação consta a identificação da infracção em causa e a moldura da coima e da sanção acessória. Constam, ainda, advertências e esclarecimentos acerca do modo como o arguido pode pagar a coima e a faculdade de, pondo termo ao processo, poder beneficiar do pagamento da coima pelo limite mínimo.

    Por sua vez, do auto de notícia – que foi junto com a notificação - consta uma descrição dos factos, localizando-os no espaço e no tempo, o nome do arguido, a matrícula da viatura e a identificação da infracção em causa.

    Julgamos, pois, que, com os elementos que foram indicados ao arguido, este estava em condições de conhecer a factualidade que lhe foi imputada e, deste modo, poder exercer um efectivo direito de defesa.

    Apreciando.

    O arguido foi condenado por decisão da ANSR, tendo-lhe sido imputados, grosso modo, os seguintes factos:

    1. No dia 13.02.2015, pelas 14h10m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula --IQ, na Rua do Cartaxeiro – Marinhais.

    2. Durante a marcha do veículo, o arguido fazia uso de aparelho radiotelefónico (telemóvel), sem fazer uso de sistema de alta voz ou de auricular, efectuando o manuseamento continuado com a mão esquerda.

    3. Com a conduta descrita, o arguido revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando sem o cuidado e a prudência que o trânsito rodoviário aconselham e que no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei contra-ordenacional.

    Para prova dos factos acima descritos, refere a autoridade administrativa ter tido em atenção o disposto nos artigos 135º e 171º do CE, sendo que o arguido não apresentou defesa.

    Dispõe o artigo 58º do Decreto-lei nº 433/82 de 27.10 que a decisão da autoridade administrativa deve conter a identificar dos arguidos, a descrição do facto imputado, a indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune, a fundamentação da decisão, bem como as coimas e as sanções acessórias aplicadas.

    As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa em processos de contra-ordenação são menos rigorosas que as relativas aos processos criminais, mostrando-se suficiente a identificação do arguido, a descrição dos factos e a indicação das provas, além da enumeração dos preceitos punitivos (cfr. Ac. da R.E. de 15.06.2004, disponível in www.dgsi.pt . Neste sentido vide, igualmente, António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, pág. 113).

    Desde logo, estamos perante realidades distintas, na medida em que a decisão administrativa não se confunde com a sentença penal, tal como o ilícito contra-ordenacional...

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