Acórdão nº 171/14.9GDEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução27 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo n.º 171/14.9GDEVR, da Comarca de Évora, foi proferido despacho de não recebimento de acusação pública, por crime de dano do art. 212.°, n.º l, do CP imputado a LJ, por a acusação ser nula e manifestamente infundada por insuficiente descrição fáctica do elemento subjectivo do crime.

Inconformada com o decidido, recorreu a assistente LR, concluindo: “1. Iniciaram-se os presentes autos com a apresentação, no mês de Dezembro de 2014, de uma denúncia pela ora Recorrente, em que foi Denunciada a Exma. Senhora LJ.

  1. Na referida denunciada apresentada, foram descritos factos que consubstanciavam os crimes de injúrias e dano.

  2. Alegando, em síntese, que no dia 15 de Dezembro de 2014, no estacionamento junto ao Hotel do Espinheiro, Canaviais, em Évora, entre as 19.15 horas e as 23.30 horas, a Denunciada, munida de alicate de corte, abeirou-se do veículo da ora Recorrente e, com a referida ferramenta, efectuou vários riscos no veículo da ora Recorrente, desenhando, inclusive, a palavra «PUTA» no capô, tendo, igualmente, furado os quatro pneus do mesmo.

  3. Tal conduta levou a que o veículo tivesse de ser reparado, tendo a sua reparação sido orçada em € 1.262,69 (mil duzentos e sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos).

  4. Danos comprovados através de orçamento de reparação junto aos autos em 2016.04.18.

  5. Em 2016.11.08, finda a fase processual de inquérito, foi a Recorrente notificada do despacho de arquivamento quanto ao crime de injúrias e despacho de acusação quanto ao crime de dano.

  6. Em 2016.11.25, na sequência do despacho de acusação proferido, veio a então Assistente, ora Recorrente, aderir à acusação do douto Ministério Público e apresentar pedido de indemnização cível, no montante de € 2.262,69, no qual se englobaram os danos patrimoniais e, ainda, os danos não patrimoniais nos termos do artigo 496.º do Código Civil.

  7. Em 2017.01.16, foi a ora Recorrente do despacho de rejeição da acusação apresentada pelo douto Procurador do Ministério Público, alegando, em suma que “não contendo a acusação todos os referidos elementos [ao abrigado do disposto no artigo 283.º n.º3, alínea b) do Código de Processo Penal], mas também por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311, nº.s 2, alínea a) e 3, alínea b) do CPP – por não conter a narração dos factos.”. “Consequentemente impõe-se a rejeição da acusação.”.

  8. Com o presente recurso, pretende a ora Recorrente a revogação do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo a fls… que rejeitou a acusação do Ministério Público, por outro que a admita.

  9. Alega o douto Tribunal a quo que o Magistrado do Ministério Público, na formulação da sua acusação, não efectuou a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

  10. Mais alegou que a referida acusação, deverá, pela falta da narração dos factos, nos termos do artigo 311.º nº.s 2, alínea a) e n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, ser rejeitada por ser nula e, também, por manifestamente infundada.

  11. Ora, com o devido respeito, tal não se entende, nem se pode aceitar.

  12. Em primeiro lugar e no entendimento da Recorrente, dever-se-á salientar que a narração fáctica a que alude o artigo 283.º n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal poderá não passar por uma descrição exaustiva da factualidade mas, como bem refere o acervo legal supra mencionado, apenas por uma narração sintética dos factos.

  13. Em segundo lugar, analisando a acusação proferida pelo douto Magistrado do Ministério Público, não se concebe onde de é que se poderá retirar o incumprimento do disposto no artigo 311.º n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal, pois, além do restante, da referida peça processual consta que “No dia 15 de Dezembro de 2014, entre as 19 horas e 15 minutos e as 23 horas e 30 minutos, a Arguida LJ, munida de alicate de corte abeirou-.se do veiculo ligeiro de marca Peugeot, com a matrícula -GN-, propriedade de LR que se encontra estacionado junto ao Hotel do Espinheiro, no Canaviais, em Évora.

  14. Assim, com a ajuda do referido alicate e efectuou vários riscos por todo o supra referido veículo, desenhando a palavra Puta no capô após e de forma não concretamente apurada furou os quatro pneus do mesmo.”.

  15. Ora, salvo melhor opinião, a situação fáctica só poderá ser descrita, de acordo com os dados que constam da participação que deu origem ao inquérito e com as diligências de inquérito posteriores, o que, no caso sucedeu.

  16. Certamente que se poderá considerar que, atendendo aos actos praticados em inquérito e à participação efectuada pela ora Recorrente, a situação fáctica descrita em sede de acusação, além de conter todos os elementos quer do artigo 311.º n.º 3 alínea b), quer do artigo 283.º, n.º 3 alínea b) do Código de Processo Penal, não poderia ser outra mais elaborada, mais pormenorizada ou mais precisa.

  17. Com o devido respeito, não se poderão acrescentar factos se eles não existem.

  18. Esmiuçando os acervos legais mencionados e o conteúdo que deve constar da acusação, vemos, no que respeita à descrição, ainda que sintética, dos factos, que a conduta da Arguida se encontra perfeitamente enunciada faticamente no momento em que é afirmado que esta se abeirou da viatura da Recorrente e com um alicate efectuou “vários riscos por todo o supra referido veículo, desenhando a palavra Puta no capô após e de forma não concretamente apurada furou os quatro pneus do mesmo.” 20. Por seu turno, no que respeita ao tempo e lugar, analisando a acusação do douto Magistrado do Ministério Público, vemos que da mesma consta que a conduta ocorreu no “No dia 15 de Dezembro de 2014, entre as 19 horas e 15 minutos e as 23 horas e 30 minutos”, estando o veículo objecto do dano “estacionado junto ao Hotel do Espinheiro, no Canaviais, em Évora.” 21. Mais, encontra-se perfeitamente descrito na acusação que a conduta da ora Arguida se consubstanciou na feitura de vários riscos em todo o veículo, no desenho da palavra «Puta» no capô e, ainda, no dano causado aos 4 pneus da viatura.

  19. Bem como ainda que a mesma foi intencionada, livre e deliberada, com o único propósito de causar dano no veiculo da ora Recorrente.

  20. Nestes termos e reportando-nos concretamente ao disposto no artigo 311.º n.º 3 do Código de Processo Penal, sempre se terá de afirmar que além de a Arguida se encontrar perfeitamente identificada, a factualidade ocorrida encontra-se perfeitamente identificada, através da indicação do dia, da hora, do lugar, do acto praticado, da descrição da conduta e da intenção do agente.

  21. Face ao exposto e com o devido respeito, entende a ora Recorrente que o conceito de crime ou, como refere o douto despacho do Tribunal a quo, de facto punível, se encontra totalmente preenchido.

  22. Por seu turno, veja-se também que, de acordo com a Jurisprudência Portuguesa dominante, apenas deverá consubstanciar um despacho de rejeição o caso em que os factos invocados não constituam crime.

  23. Ora, com o devido respeito e atenta descrição fáctica da conduta da Arguida não se poderá admitir ou, sequer, em caso algum, considerar, que os factos aqui em análise não consubstanciam a prática do crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º do Código Penal.

  24. Partilhando a tese da ora Recorrente, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido pelo Ilustre Relator Mouraz Lopes, em 2011.07.12, no âmbito do processos n.º 66/11.8GAACB.C1 nos termos do qual: “Só quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la(…)”.

  25. Situação que, com o devido respeito, não é o caso dos presentes autos, estando a conduta que consubstancia o crime de dano perfeitamente identificada na acusação do Ministério Público e, por isso, preenchida a totalidade dos pressupostos referentes ao elemento subjectivo do tipo de crime, traduzidos na actuação de forma voluntária e consciente, tendo a arguida querido a realização do facto típico.

  26. Por seu turno, no que respeita ao conceito de facto punível, como bem refere o despacho de que ora se recorre, o mesmo decompõe-se nas seguintes...

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