Acórdão nº 61/09.7T3STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução27 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1.

– Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos na secção criminal (J3) da Instância Central de Setúbal da Comarca de Setúbal, o MP acusou M, casada, técnica superior de direito, nascida a 16.01.1975, residente em Sines, MP imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1º, 2º, 3º, al.ª i) e 11º, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo proferiu acórdão, decidindo: - «DECISÃO Pelos expostos fundamentos e de harmonia com o disposto no art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) e no art. 311.º, n.º 3, als. b) e c) do CPP, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo desta Instancia Central Criminal, em declarar a nulidade insanável da acusação, por insuficiente narração dos factos, dos elementos do tipo de crime, e falta de indicação das disposições legais aplicáveis, em função do que, de acordo com o disposto nos arts. 119.º e 122.º, n.º 1 do CPP, absolvem a arguida MF da instância penal. » 3.

    Deste acórdão do tribunal coletivo veio o MP interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: «VI – Conclusões 1ª O Acórdão de que se recorre decidiu, após a realização da audiência de julgamento, declarar nula a acusação e absolver a arguida da instância penal, nulidade que o Tribunal Coletivo estribou na insuficiente narração dos factos elementos do tipo de crime imputado e na falta de indicação das disposições legais aplicáveis; 2ª a arguida, vereadora da Câmara Municipal …, fora acusada, em síntese, de, nos processos de obras n.º 109/02 e 60/06 – que tinham ambos por objeto o Lote …da Urbanização da Quinta de Santa Catarina, … – ter decidido contra o PROTALI, o atinente processo de urbanização, o PDM de …, as normas provisórias do Plano de Urbanização da Cidade de …. e o Regime Jurídico da Edificação e Urbanização, concedendo licenças de construção aos requerentes, em benefício destes, tendo-se-lhe imputado a prática de um crime de prevaricação de titular de cargo político, previsto nos arts. 1º, 2º, 3º, al. i) e 11º da Lei n.º 34/87, de 16/7; 3ª a acusação passou o crivo do art. 311º do Código de Processo Penal; 4ª dispõe o art. 283º, n.º 3, als. b) e c) do Código de Processo Penal que é nulo o despacho de acusação quando, entre outras faltas, “não contenha a narração dos factos” ou quando “não contenha as disposições legais aplicáveis”; 5ª estas nulidades são sanáveis, na medida em que não podem ser conhecidas oficiosamente (dependem de arguição) e só podem ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, sanando-se a partir de tal momento, como resulta de forma evidente dos arts. 118º, 119º e 120º do Código de Processo Penal; 6ª no entanto, caso o processo seja remetido para julgamento sem ter havido instrução (ou seja, sem que a nulidade da acusação seja arguida, em tempo, perante o juiz de instrução) o juiz de julgamento tem o poder de, oficiosamente, ao receber os autos e proceder ao saneamento do processo, no âmbito do art. 311º do Código de Processo Penal, rejeitar a acusação se não contiver a narração dos factos ou as disposições legais aplicáveis, entre outras faltas; 7ª não se trata pois de declarar uma nulidade mas de rejeitar a acusação, por manifestamente infundada; 8ª assim: o juiz de julgamento não pode conhecer da nulidade do despacho de acusação em nenhuma das fases do julgamento, ainda que eventualmente arguida, porquanto está passado o momento processual para o fazer – o encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito – e, não rejeitada a acusação, resta ao juiz de julgamento realizar a audiência e proferir decisão final, a qual não pode voltar a decidir sobre questões que deveriam ter levado à rejeição; 9ª faz todo o sentido que assim seja: a rejeição da acusação visa evitar que o arguido seja submetido a um julgamento no qual não se pode defender ou que é inútil; ora, realizado o julgamento, no qual o arguido se defendeu – inutilmente ou não – tem a palavra o juiz, que há-de absolver ou condenar pelos factos que efetivamente julgou.

    10ª que sentido tem declarar uma nulidade na decisão final, nulidade cuja razão de existência é o princípio acusatório do processo penal, decorrente do direito de defesa do arguido, quando a defesa está concluída? 11ª nada obsta a que se profira decisão de mérito, podendo a arguida exercer a defesa superveniente, a partir dessa decisão, se condenatória; 12ª sendo mesmo esta a interpretação que tem vindo a ser dada pela jurisprudência superior ao art. 338º, n.º 1 do Código de Processo Penal (Ac. TRE de 10.12.09 e Ac. TRL de 10.3.10); 13ª pelo que o Acórdão é nulo, por violação do disposto no art. 374º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal, de acordo com o dispõe o art. 379º, n.º 1, als. a) e c) do mesmo Código; 14ª ainda que pudesse ter conhecido da nulidade em sede de saneamento do processo, ao abrigo do art. 311º, o Tribunal Coletivo não o fez e, em despacho interlocutório, considerou improcedente a alegação de nulidade da acusação que a arguida fez inserir na sua contestação; 15ª pelo que a decisão sob recurso violou também caso julgado formal; 16ª ainda que a acusação fosse nula e que o Acórdão a pudesse ter declarada como tal após a realização da audiência de julgamento, cabia mandar repará-la: o regime das nulidades distingue entre nulidades sanáveis – as que são dependentes de arguição, em fases do processo precisas (cfr. art. 120º do Código de Processo Penal) – e nulidades insanáveis – as que são de conhecimento oficioso, em qualquer fase do procedimento (cfr. art. 119º do mesmo Código) – mas todas são reparáveis (cfr. art. 122º ainda do mesmo Código); 17ª sempre se dirá, não obstante, que a acusação não é nula; 18ª comete o crime de prevaricação o titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.

    19ª Na acusação: - está descrita a qualidade de titular político da arguida – vereadora (art. 1º), - estão descritos os processos administrativos em que interveio – os processos de licenciamento de obras n.º 109/02 e 60/06 (arts. 23º a 30º, 39º e 40º a 50º), - está descrita a condução e decisão contra direito destes processos (arts. 27º, 29º, 31º a 36º, 46º, 47º e 49º), - está descrita a consciente condução e decisão contra direito destes processos (arts. 27º, 29º, 31º, 36º, 37º, 39º, 46º, 47º, 60º, 61º, 62º e 63º), - está descrita a intenção de beneficiar outrem (arts. 37º, 50º, 57º, 58º e 62º), 20ª por outro lado, a acusação é claríssima ao imputar à arguida um crime previsto no art. 26º do Código Penal e nos arts. 1º, 2º, 3º, al. i) e 11º da Lei n.º 34/87, de 16/7.

    21ª e, sendo relevante para o tipo de crime em causa a condução ou decisão contra direito de um processo, a acusação foi pródiga na indicação das violações legais e regulamentares: arts. 27º, 26º, 32º, 31º, 46º, 42º, 43º, 45º e 60º; 22ª mais, ao longo da acusação, foram sendo referidos os concretos pontos de descontacto das decisões da arguida com o direito aplicável: quanto ao alvará de loteamento, referem os arts. 6º, 32º a 35º, 42º e 45º quais as disposições que deveriam ter sido observadas, assim como referem os arts. 26º, 32º a 35º, 42º, 45º e 47º as desconformidades concretas com aquelas disposições; quanto ao PROTALI, basta ver o art. 20º da acusação e a referência ao art. 9º, n.º 11, al. a) deste plano; quanto à violação das normas provisórias do Plano de Urbanização da Cidade de ----- (em concreto do seu art. 10º, n.º 1), vêm referidas no art. 26º da acusação; quanto ao PDM de ----, basta ver a alusão ao seu art. 63ºal. c) no art. 19º da acusação; quanto ao RJUE, vem narrado o conteúdo do art. 68º, al. a) no art. 31º da acusação.

    23ª a decisão final especificamente afirma que não está narrado o dolo específico de querer beneficiar outrem com uma conduta ilegal, juízo que é absolutamente contrariado pelos arts. 37º, 50º, 57º, 58º e 62º da acusação; 24ª o Acórdão encerra ainda juízos que se situam claramente fora da apreciação da validade da acusação, entrando pelos domínios do thema probandum (sem que contudo tivesse discriminado os factos provados e não provados) como é o caso das referências a decisões do executivo camarário, tomadas colegialmente em 2000 e em 2001, e como é o caso da referência à aprovação pela Câmara de um aditamento ao alvará de loteamento, em 7.8.02; 25ª cumpre dizer, a este propósito, que a acusação alega que que os atos da arguida que relevam para a acusação foram por si praticados em 30.10.02 (art. 27º), 20.12.02 (art. 29º) e em 12.9.06 (art. 46º), assim como alega que aquele aditamento não é válido por não ter sido registado predialmente (arts. 47º e 60º), que a própria Câmara Municipal reconheceu esse facto (art. 12º), que os serviços técnicos da Câmara Municipal reconheciam esse facto (arts. 26º e 42º) e que a própria arguida suspendeu as suas decisões de licenciamento devido ao facto de o aditamento não estar registado (art. 39º); 26ª no mais, quanto à figura da absolvição da instância penal, conhece-se apenas o Ac. TRC de 18.10.06 em suporte da aplicação desta figura, proferido no contexto do anterior regime da alteração substancial dos factos; 27ª ora, tendo o regime sido alterado em 2007, consagrando expressamente que está vedada processualmente a absolvição da instância, regime sancionado pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.º 226/08, esta jurisprudência não parece sequer invocável.

    Termos em que requer que o presente recurso seja julgado procedente e que o Acórdão...

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