Acórdão nº 871/16.9T8STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.871/16.9T8STC.E1 Apelação Relatora: Paula do Paço 1º Adjunto: Moisés Silva 2º Adjunto: João Luís Nunes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora 1. Relatório O Ministério Público intentou a presente ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, contra CC, com os demais sinais de identificação nos autos, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre BB e o ora Réu, fixando-se a data do início do contrato em 01/12/2015, desempenhando aquele as funções de apanhador de pinhas, mediante a retribuição diária de €60,00.

Contestou o Réu, requerendo a apensação de oito ações especiais de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que contra si foram instauradas. Mais impugnou a existência do alegado contrato de trabalho, sustentando que o acordo celebrado com o indigitado trabalhador consubstancia um contrato de prestação de serviços.

Devidamente notificado, o alegado trabalhador nada disse.

Foi indeferida a requerida apensação de processos.

Realizou-se a audiência de partes e julgamento, tendo, no final da mesma, sido proferida sentença com o dispositivo que se transcreve: «Pelo exposto, julgo a presente ação procedente por provada e, em consequência, declaro a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre BB e o R., com início a 1 de Dezembro de 2015, desempenhando aquele as funções de apanhador de pinhas, mediante a retribuição de € 60,00 por cada dia de prestação efetiva de trabalho.» Não se conformando com esta decisão, veio o Réu recorrer da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem como objeto a reapreciação da matéria de facto provada e não provada, concretamente os factos identificados como “Factos Provados” sob os n.º 4, 7 a 10, 12 e 17 e os factos considerados como “Factos Não Provados” identificados sob as alíneas B, C, F e G.

(…) 23. Até porque, como melhor referido no ponto II.III. da presente alegação, a relação jurídica estabelecida entre o trabalhador visado nos autos e o ora recorrente não é suscetível de ser qualificada como contrato de trabalho, mas antes um contrato de prestação de serviços, com características mistas, ajustado pelas partes no âmbito da liberdade contratual (artigo 405.º, do Código Civil).

24. Ao classificar o contrato como sendo de trabalho, o tribunal de primeira instância violou o disposto no artigo 1152.º (também no artigo 11.º, do CT) e 1154.º, do Código Civil e ainda o artigo 405.º, do mesmo diploma legal, uma vez que deveria ter admitido como sendo de prestação de serviços, o contrato que as partes assim quiseram celebrar, mesmo que algumas e apenas algumas das suas características se confundissem com as do contrato de trabalho e apenas outras fossem próprias do contrato de prestação de serviços (o que é admitido ao abrigo do n.º 2, do artigo 405.º, do Código Civil).

25. A não ser assim, violar-se-ia o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança (artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa) e uma tal interpretação do disposto no artigo 405.º, do Código Civil, por referência aos artigos 1152.º (contrato de trabalho) e 1154.º (contrato de prestação de serviço), do mesmo diploma legal, resultaria numa interpretação materialmente inconstitucional daquele primeiro normativo, por violação dos artigos, 47.º e 53º da Constituição República Portuguesa.

26. Ademais, no caso dos autos, o trabalhador visado mostrava-se coletado e inscrito na segurança social enquanto trabalhador independente, desde momento muito anterior a 01/12/2015, conforme resultou provado (facto 26.), o que faz indiciar claramente, que optava – independentemente da intervenção do R. e ora recorrente – por desenvolver a sua atividade profissional nesta modalidade o que aliás lhe é facultado pelo nosso ordenamento jurídico.

27. Finalmente, entende o recorrente, que a presunção resultante do artigo 12.º, do CT foi adequadamente ilidida (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), designadamente por se verificar: a concomitância de elementos caracterizadores de um contrato de trabalho e de prestação de serviços; cumulada à verificação de características próprias e exclusivas deste último, designadamente a autonomia técnica com que a atividade era exercida, a ausência de uma qualquer direção ou fiscalização do trabalho desenvolvido, ausência de controlo de assiduidade ou de exercício do poder disciplinar, o facto do pagamento da compensação estar dependente efetivamente da realização efetiva da prestação (quando não trabalhava, não recebia a compensação remuneratória); aliada à real vontade expressa pelas partes.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente, em conformidade com o proposto na presente alegação, para que assim seja feita a mais sã, serena, objetiva e verdadeira JUSTIÇA !» Contra-alegou o Ministério Público, concluindo: «1ª - A douta sentença recorrida fez uma correta apreciação dos factos submetidos a julgamento.

  1. - Não resulta da sentença nem foi alegado qualquer vício que permita alterar a matéria de facto assente, nem foi invocada qualquer nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, em obediência ao artigo 77º do Código do Processo do Trabalho.

  2. - A matéria de facto provada resulta de toda a prova produzida em julgamento e que consta documentada através da gravação de audiência de julgamento.

    (…) 8ª - Não há pois razões para alterar a matéria de facto dada como provada e não provada.

  3. - O que ora recorrente pretende é uma modificação da matéria de facto provada sem que para isso lhe assista qualquer fundamento.

  4. -O recorrente não invocou qualquer nulidade da sentença que possa interferir na matéria de facto que consta provada e não provada, conforme prescreve o artigo 77º do Código de Processo de Trabalho no requerimento de interposição de recurso.

  5. - Alegar como sustenta a recorrente que o Tribunal ad quo, independentemente de atender ou não à pretendida alteração da matéria de facto provada e não provada sempre teria de atender ao contrato que as partes quiseram celebrar, o da prestação de serviços, é um absurdo.

  6. – Tal como é um absurdo pretender atribuir ao depoimento do prestador da atividade, força plena de confissão, atenta que se encontraria em consonância com os factos da contestação do Recorrente.

  7. -O interesse dos intervenientes, não se sobrepõe ao interesse público que decorre da Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, lei que introduziu no nosso ordenamento jurídico a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, como mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado.

  8. -O trabalhador neste t ipo de ações não é parte, logo, não tem legitimidade para exercer os direitos processuais inerentes a quem têm essa qualidade processual, nomeadamente de qualificar a relação jurídica.

  9. - Os factos que foram provados enquadram-se nas alíneas a) a d) do n. º 1 do art. º 12. º do CT, pelo que será, de presumir, em concreto, a existência de um contrato de trabalho entre as partes, uma vez que o recorrente não provou factos que afastem essa presunção.

  10. - Cabia ao ora recorrente provar factos impeditivos da verificação da presunção estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho, o que não fez.

  11. - Tendo o Ministério Público provados factos que permitem ter por verificadas quatro das características do contrato de trabalho previstas no art. º 12. º do Código do Trabalho, deverá ser reconhecida a existência do contrato de trabalho entre o ora recorrente e o trabalhador, tal como o fez a sentença recorrida.

  12. -Neste contexto, a vontade dos intervenientes do contrato em afirmar que entre eles existia um contrato de prestação de serviços não pode prevalecer se a realidade demonstra que a relação jurídica existente constitui um contrato de trabalho.

  13. -O legislador optou pela correspondência real e efetiva entre a realidade concreta e a qualificação da relação jurídica existente entre o prestador e o beneficiário da atividade, não podendo valer qualquer outra que se lhe oponha.

  14. - O Tribunal ad quo, ao assim ter decidido, reconhecendo a existência de uma relação de contrato de trabalho não violou o quaisquer das normas invocadas pelo recorrente – arts. 1152. º 1154.º, 405.º Código Civil, tendo feito uma correta aplicação das mesmas.

  15. - Não assiste razão à recorrente nas suas alegações, quer quanto pretende a alteração da matéria de facto, quer quanto defende uma errada aplicação do direito, pelo Tribunal ad quo.

  16. - Salvo melhor opinião, em matéria de direito, a sentença recorrida efetuou uma correta interpretação e aplicação as normas jurídicas previstas nos arts. 1152. º 1154. º, 405. º Código Civil, 11º e 12º do Código do Trabalho, não tendo violado qualquer dos referidos normativos.

  17. - A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se.» Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    *II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

    Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são: 1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 2.ª Existência de nulidades processuais que afetam a validade da sentença; 3.ª Qualificação da relação jurídica que se aprecia nos autos.

    *III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. O R. é empresário em nome individual...

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