Acórdão nº 1383/16.6T9BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR ESTEVES |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório No termo do inquérito que, com o nº 1383/16.6T9BJA, correu termos na 1ª secção dos serviços do MºPº de Beja, o MºPº proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 277º do C.P.P., por se ter considerado que não se vislumbrava a prática de qualquer ilícito criminal pela denunciada, ML, mas apenas um conflito de natureza cível e a ser resolvido nessa sede.
O queixoso, AG, devidamente identificado nos autos, veio requerer a sua constituição como assistente e, em simultâneo, a abertura da instrução, pretendendo que, produzida a prova que indicou, a denunciada seja pronunciada pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelos arts. 205º nºs 1 e 4 e 202º al. b) do C. Penal.
Admitido a intervir nos autos como assistente, o RAI que apresentou veio a ser rejeitado por o Sr. Juiz de Instrução ter considerado que o mesmo regista deficiências integradoras de caso de inadmissibilidade legal da instrução e não ser legalmente admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o assistente, pretendendo a sua revogação e substituição por outro que admita o RAI e declare aberta a instrução ou, assim se não entendendo, que profira convite ao aperfeiçoamento, formulando para tanto as seguintes conclusões: I- Por despacho com a ref. 28593414, do qual se recorre, veio o Mmo Juiz de Instrução rejeitar o requerimento de abertura de instrução (RA1) apresentado pelo ora recorrente com base violação do disposto nos arts.º 287.º, n.º 2. do CPP por referência ao art.º 283.º, N.º 3 do mesmo diploma legal.
II- Fundamenta tal rejeição na falta de identificação da arguida, na falta de narração de forma bastante da factualidade apta a preencher o tipo objetivo do crime imputado, na falta de verificação de narração sintética de factos que fundamentem a aplicação à arguida de pena ou medida de segurança.
III- Pugna pela impossibilidade de prolação de despacho de aperfeiçoamento, atenta a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
IV- De acordo com a Jurisprudência Uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, prolatada nos Acórdãos n.º 7/2005 de 12 maio e n.º 1/2015, de 20 de Novembro de 2014, e que veio preencher as lacunas de interpretação relativamente á possibilidade de utilização do mecanismo de aperfeiçoamento no art.º 287.º do CPP, apenas se restringe tal possibilidade á "narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido" e à falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime".
V- Assim, tal como explanado no Ac. de 13 jan.2016, TRP, Proc. 136/14, in jusnet.pt: "Esta redação restritiva exclui todas as outras passiveis deficiências de que possa sofrer o requerimento de abertura de Instrução do assistente, não impedindo o convite ao aperfeiçoamento, quanto às mesmas." VI- Apesar de, por mero lapso, ML, apenas ter sido identificada como "denunciada", a referência expressa à denúncia contra si apresentada onde constam elementos identificativos completos, não impede que inexistam dúvidas quanto à identidade do sujeito processual contra quem se deseja procedimento criminal.
VII- Sendo que, embora autónomo, o requerimento de abertura de instrução não pode ser desentranhado do restante articulado processual.
VIII- A pura rejeição do requerimento por falta de identificação da arguida traduz-se num formalismo exacerbado em detrimento da procura da justiça e verdade material, conduzindo a uma efetiva sonegação da justiça.
IX- O recorrente, nos art.º 7.º a 13.º do seu requerimento, explana sucintamente os factos que deram origem ao preenchimento do elemento objetivo do tipo legal que julga indiciariamente preenchido (art.º 205.º do Código Penal); juntando elementos probatórios documentais, que fazem parte integrante do RAI, e cuja leitura explica cabalmente a forma de atuação da denunciada.
X- Nos art.º artº 14.º 15.º descreve a norma incriminadora a que julga subsumirem-se os facto supra descritos, fazendo a necessária imputação legal e XI- Nos art.º art.º 15.º parte final e art.º 16.º descreve os elementos subjetivos do tipo.
XII. Constando, assim do RAI todos os elementos necessários, quer de facto quer de direito, para que à denunciada possa vir a ser aplicada uma pena( art.º 283, n.º 2, al. b), resultando claro o objeto da instrução bem como os meios de prova e diligências que se pretende vir a realizadas.
XIII- Não sendo assim entendido, sempre o Tribunal "a quo" deveria ter proferido despacho que conduzisse ao aperfeiçoamento do RAI nas concretas situações relativas à cabal identificação da arguida e concretização dos elementos objetivos do tipo previsto no art.º 205.º do C.P.
XIV- Ao não o fazer, o tribunal ora recorrido fez uma errónea interpretação dos art.º dos art.º nº 287º n° 1, nº2 e nº 3° e art.º 283° nº3, todos do Código de Processo Penal, bem como dos AUJ do STJ n.º n.º 7/2005 de 12 maio e n.º 1/2015, de 20 de Novembro de 2014, XV- Devendo a decisão ora recorrida ser revogada, admitindo-se a Instrução requerida, ou, ser substituída por outra que formule convite ao aperfeiçoamento, para que do Requerimento da abertura de instrução passe a constar a identificação da arguida e a concretização dos elementos objetivos do tipo.
O recurso foi admitido.
Apenas foi apresentada resposta pelo MºPº, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, concluindo como segue: 1° - Inconformado com o douto despacho que rejeitou o seu requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal, veio o Assistente dele recorrer por considerar que o Mmo. Juiz a quo violou o disposto nos artigos 283° e 287° do Código de Processo Penal e alega que o requerimento de abertura de instrução preenche os requisitos legais e, mesmo que assim não se entenda, sempre deveria ter sido o Assistente convidado a aperfeiçoar tal requerimento.
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- De acordo com o disposto nos artigos 287°, n.º 2 e 283°, n° 1, n.º2 e n.º 3 do Código de Processo Penal, tal como o despacho de acusação, o requerimento de abertura de instrução deve conter as indicações tendentes à identificação do arguido, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, ou seja, deve narrar factos concretos que integrem o tipo de crime imputado, a indicação das disposições legais aplicáveis e a indicação dos meios de prova produzida e a produzir.
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- Tal exigência legal torna-se ainda mais premente quando, como é o caso em apreço, a instrução é requerida na sequência de um despacho de arquivamento do inquérito, uma vez que são os factos narrados pelo Assistente, e apenas esses, que irão servir de base de trabalho na realização das diligências de instrução e fundamentar, a final, uma decisão judicial de pronúncia ou não pronúncia da arguida.
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- A ser admitida a realização da instrução com base no requerimento apresentado pelo ora recorrente - sem indicação da identidade da arguida e sem narração de factos que permitam imputar-lha a prática de crime - um eventual despacho de pronúncia proferido a final configuraria uma verdadeira Acusação proferida por um Juiz de Instrução com base única e exclusivamente nos elementos de facto recolhidos em sede de inquérito, o que é legalmente inadmissível uma vez que o Ministério Público é o titular da acção penal.
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- No nosso sistema processual penal o requerimento de abertura de instrução configura uma verdadeira acusação e, tal como esta, deverá obedecer aos requisitos estatuídos no art.º 283° do Código de Processo Penal que no seu n° 1 começa logo por exigir tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente.
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- Pela simples leitura do requerimento apresentado pelo recorrente é evidente que falta desde logo a indicação de quem foi o agente do crime, não preenchendo o primeiro requisito para o despacho de acusação exigido pelo art.º 283°, nº 1 do Código de Processo Penal.
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- E nem se diga que o Juiz de Instrução pode socorrer-se dos elementos constantes do inquérito quanto à identificação do autor do crime pois se assim fosse seria inútil a exigência plasmada na Lei quando a própria proíbe a prática de actos inúteis.
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- Mas além disso o requerimento de abertura de instrução também não obedece aos requisitos elencados nas diversas alíneas do art.º 283°, nº...
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