Acórdão nº 710/14.5PBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 710/14.5PBSTR, da Comarca de Santarém (Santarém - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1), em que é arguido M, mediante pertinente sentença, foi decidido condenar o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, al a), e nº 2, e 132º, nº 2, al. a), do Código Penal, na pena de 100 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de 7 euros (num total de 700 euros).

Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o arguido, terminando a correspondente motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O tribunal a quo deu como provado: “no dia 28-09-2014, cerca das 11h50m, na Avenida dos Combatentes, na freguesia e concelho de Santarém, na sequência de uma discussão motivada pelo facto de a menor T. não se decidir quanto à indumentaria a levar para uma cerimónia, o seu progenitor, M., desferiu-lhe uma bofetada no rosto fazendo-a sangrar do nariz”.

  1. A testemunha T, no seu depoimento com início pelas 15 horas e 22 minutos e termo pelas 15 horas e 29 minutos, refere: - “Faltei ao respeito à minha mãe (…)”; - “Sei que faltei ao respeito à minha mãe e ao meu pai (…)”.

  2. No seu depoimento, a mulher do arguido, MA, com início pelas 15 horas e 30 minutos e termo pelas 15 horas e 39 minutos, diz: - “Estávamos em casa e…pronto. Ela já tinha andado assim um bocado…e … que não tinha nada para vestir, com as gavetas cheias, e nós começámos ali uma discussão … que…pronto, ela dizia que aquilo não ficava bem, que não se sentia bem com aquela roupa e eu a dizer que ficava… pronto, e ela descontrolou-se um pouco e eu também, com ela e a conversa prosseguiu até ao carro (…)”; - “Saímos de casa todos para ir para a comunhão, e pronto (…) a seguir passou-se que a T continuou a refilar dentro do carro e depois (não se percebe), começaram a alterar-se mais um pouco e fez com que o meu marido e…pronto, tirá-la do carro e deu-lhe um estalo (…)”.

    Mais tarde, a instância do Meritíssimo Juiz, que perguntou: -“Que asneiras foram essas? Ou já não se recorda?”.

    A mulher do arguido responde: - “Mais ou menos (…) disse, desculpa, peço imensa desculpa, disse merda e disse…pronto, outra palavra (…) fosca-se (…)”.

    Perguntando o Meritíssimo Juiz: - “Foda-se, é?”.

    A testemunha diz: - “É isso mesmo, pronto”.

  3. Conforme referido, o tribunal a quo, fazendo uma valoração racional e crítica da prova, deu como provado que os fatos ocorreram durante uma discussão (ponto 2).

  4. Fazendo essa valoração, mesmo considerando a minuciosidade e cuidado que deve ter na avaliação de depoimento de familiares do arguido, a decisão sobre a matéria de fato também deveria ter dado como provado o que a filha e mulher referiram quanto à razão da discussão e ao comportamento da filha com a mãe na presença do pai (o arguido).

  5. Sendo que esses depoimentos não negam os fatos dados como provados, relatando um fato nuclear essencial para se perceber a dinâmica da discussão e melhor compreender os comportamentos envolvidos, filha, mãe e pai (o arguido), encontrando-se dentro do objeto da prova.

  6. Sendo relevante para a decisão da causa, mesmo não constante da matéria provada.

  7. Deveria, assim, o tribunal a quo dar como provado o seguinte facto: “Na discussão referida no ponto 2 dos factos dados como provados, a menor T. dirigiu à mãe as palavras merda e foda-se”.

  8. A agressão ocorreu na sequência de uma discussão e desentendimento verbal entre a menor T. e sua mãe, tendo aquela dirigido a esta palavras não apropriadas na relação filha/mãe.

  9. Considerando os factos dados como provados e aquele que deverá ser considerado provado, bem como o douto entendimento da doutrina e jurisprudência, a qualificação operada na sentença deverá ser afastada.

  10. Estando-se perante a prática de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do CP, crime semipúblico, deverá ser considerado o requerimento para pôr termo ao processo feito pela menor durante o seu depoimento referido supra - artigo 116º, nº 4 do CP.

  11. Caso assim não se entenda, deverá o recorrido ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP, em pena de multa.

  12. A qual, considerando os factos provados e o determinado no artigo 71º do CP (atendendo-se aos factos provados), deverá ser reduzida para os mínimos legais, reduzindo-se os dias de multa e o seu valor diário, nos termos do artigo 71º do CP.

    Termos em que, dando-se provimento ao recurso e alterando-se a matéria de facto impugnada, deve: a) Ser afastada a qualificação operada na sentença; b) Ser considerado o requerimento para pôr termo ao processo feito pela menor durante o seu depoimento referido supra - artigo 116º, nº 4 do CP.

    Caso assim não se entenda: c) Deverá o recorrente ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP, em pena de multa.

    1. A qual, considerando os fatos provados e o determinado no artigo 71º do CP (atendendo-se aos fatos provados), deverá ser reduzida para os mínimos legais, reduzindo-se os dias de multa e o seu valor diário, nos termos do artigo 71º do CP”.

    * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu, pugnando pela confirmação da decisão revidenda, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1. Da conjugação dos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea b) - este a contrario sensu - do C. P. Penal, à luz do princípio da vinculação temática do objeto do processo aos factos constantes da acusação ou da pronúncia, resulta que apenas se impõe ao tribunal dar como assentes ou não assentes factos constantes daquelas peças processuais e, quando muito, da contestação.

  13. O arguido reclama - de modo pouco proficiente, diga-se - que o tribunal dê como provados factos que aproveitam à sua defesa, mas que não constam da acusação, nem de qualquer contestação escrita, visto que o arguido não a apresentou.

  14. Não estando em causa elementos essenciais do tipo de crime e mostrando-se fixado o objeto do processo, não se impunha ao tribunal a quo a consideração de que a agressão perpetrada pelo arguido ocorreu na sequência de uma discussão entre a menor T e sua mãe, durante a qual esta dirigiu àquela expressões não apropriadas, tais como “merda” e “foda-se”, no sentido de dar essa factualidade como provada ou não provada.

  15. Não deixou de ser dado como assente que a conduta do arguido teve lugar “na sequência de uma discussão motivada pelo facto de a menor T. não se decidir quanto à indumentária a levar para uma cerimónia” (ponto 2 dos Factos Provados).

  16. No segmento da matéria de facto questionado pelo recorrente, o tribunal a quo seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, sendo que a prova livre tem também como pressupostos valorativos critérios da experiência comum e de normalidade, critérios esses que foram devidamente observados.

  17. Se o arguido entendia, de harmonia com a sua análise da prova produzida em julgamento, que a factualidade atinente ao dealbar da agressão havia de ser tida em conta na sentença, acrescendo à descrita na acusação, sempre podia e devia ter lançado mão do regime da alteração não substancial de factos - pois é isso, no fundo, que está em causa - previsto no artigo 358º do C. P. Penal.

  18. O arguido podia ter requerido ao tribunal a quo a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, de modo a incluir os que agora quer ver dados como assentes, o que não fez, renunciando, pela segunda vez - já que não apresentou contestação escrita - ao exercício integral das suas garantias de defesa, as quais pretende, neste momento, fazer valer de modo inatendível.

  19. Da leitura da matéria de facto dada como assente resulta claro ser esta perfeitamente suficiente para perfectibilizar o crime de ofensa à integridade física qualificada, revestindo a conduta praticada pelo arguido contra a pessoa de sua filha uma especial censurabilidade, materializada numa “forma de realização do facto especialmente desvaliosa” e decorrente da circunstância de M ter vencido “as contra motivações éticas relacionadas com os laços básicos de parentesco”.

  20. A dosimetria da pena de prisão substituída por multa e a razão diária desta mostram-se ajustadas.

  21. A sentença recorrida não violou quaisquer normas, nem está ferida de qualquer nulidade”.

    Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, concluindo também pela total improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

    Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente (e acima transcritas), as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, quatro questões, em breve síntese, são suscitadas no presente recurso: 1ª - Impugnação alargada da matéria de facto (devendo este tribunal considerar como provado o seguinte facto: “na discussão referida no ponto 2 dos factos dados como provados, a menor T. dirigiu à mãe as palavras merda e foda-se”).

    1. - Qualificação jurídica dos factos (estes consubstanciam a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do CP, e não o cometimento de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, al a), e nº 2, e 132º, nº 2, al. a), do Código Penal).

    2. - Homologação da desistência da queixa apresentada pela ofendida no decurso da audiência de discussão e julgamento (face ao crime praticado - ofensa à integridade física...

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