Acórdão nº 642/15.0T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nestes autos de Instrução que corre termos no Tribunal Judicial de Santarém – E., I. Local, SCG, J2 - após encerramento do inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra RNHG, imputando-lhe a prática de um crime de injúria agravado, previsto e punido pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, com referência ao art. 132º, n. 2, al. I), do mesmo diploma legal.

A assistente, MJL, aderiu à acusação pública.

A Mmª Juíza lavrou despacho a 11-05-2016 e decidiu rejeitar a acusação por manifestamente infundada ao abrigo do disposto no art. 311º, n. 2, al. a) e n. 3, al. d) do Código de Processo Penal.

Inconformados com o assim decidido vieram o Ministério Público e a assistente interpor recurso, com as seguintes conclusões.

O Ministério Público: 1. A previsão da al. d) do n.º 3 do art. 311.º do Código de Processo Penal que impõe a rejeição da acusação, só contempla os casos em que os factos nela descritos, claramente, notoriamente, não constituem crime.

  1. Do mesmo modo, no âmbito daquele normativo, o Tribunal a quo não pode realizar juízos ou considerações que extrapolem a matéria factual descrita na acusação, uma vez que essa tarefa só pode ser realizada , após a análise da prova, em sede de audiência de discussão e julgamento, 3. Além disso, no presente caso, essa “proibição” é mais acentuada, uma vez que a análise da imputação do crime de injúria agravada - devidamente descrito na acusação - não se circunscreve ou limita à valoração isolada e objetiva das expressões contidas na acusação, exigindo, ainda, uma análise e valoração do circunstancialismo em que as mesmas foram proferidas.

  2. Neste sentido, no caso, não podia o Tribunal ter rejeitado- como rejeitou-, de forma liminar, a acusação por entender, de forma genérica, que o arguido " exerceu o seu direito à crítica, face ao comportamento profissional da Assistente, que reputou de menos correto", já que essa análise é “alheia ao texto acusatório”, donde só poderia ser feita após a produção de prova em sede de julgamento.

  3. Por outro lado, salvo o devido respeito, o Tribunal não desceu ao caso concreto, donde não sopesou e analisou, concretamente, as aludidas expressões imputadas ao arguido na acusação, limitando-se, antes, a citar Jurisprudência que versa sobre situações distintas à dos presentes autos.

  4. Nesta senda e mais importante, constando no despacho acusatório- de fls. 59 a 62- que o arguido, Il.Advogado, no âmbito da sua atividade profissional, enviou uma mensagem escrita à Assistente, também ela Il.Advogada, no qual faz troça da sua inteligência (“não vou elucidá-la sobre a diferença entre uma fotocópia e um original”) e diz-lhe que :” V.Exa coloca interesses económicos à frente da independência e deontologia profissional”, encontra-se, objetivamente, verificado o preenchimento do elemento objetivo do crime de injúria agravado, uma vez que tais palavras são aptas, em concreto, a ofender a honra e consideração moral de uma pessoa digna- Advogado (ou qualquer outro profissional que se rege por um conjunto de normas ético/morais) - colocado na posição da assistente.

  5. Neste sentido, os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de injúria agravada encontram-se devidamente descritos no despacho acusatório – cfr. fls. 59 a 62- e permitem, em abstrato, que o arguido seja condenado, em julgamento, pelo tipo de crime previsto e punido pelo artigo 181.º e 184.º, do Código Penal.

  6. Por todo o exposto, o Tribunal a quo não podia rejeitar a acusação, mormente com o fundamento de que os “factos não integram a prática de crime”, pelo que violou o disposto o disposto nos artigos 311 n.º 1, 2 e 3 alíneas d), todos do Código de Processo Penal e 181.º n.º1 e 184.º, ambos do Código Penal.

Nestes termos, entendemos que o despacho recorrido- de fls. 264 a 273- deve ser revogado e substituído por outro que admita a acusação pública de fls. 59- 62, que imputa, ao arguido RNHG, um crime de injúria agravada, previsto e punido pelo artigo 181 n.º1, e 184.º, ambos Código Penal, por factos cometidos contra a pessoa de MJL, designando-se, em sequência, dia para a realização de audiência e julgamento, em cumprimento do disposto no artigo 312.º, do Código de Processo Penal.

A assistente: 1º No Processo Comum Singular n.º 642/15.0T9STR o Ministério Publico deduziu acusação contra o arguido RNHG, imputando-lhe a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos arts. 181 e 184 do Código penal, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. I), do mesmo diploma legal (cfr. Fls. 59-63). A Assistente, MJL, aderiu à acusação pública (cfr. Fls. 76/77); 2º Remetidos os autos para julgamento, pelo Exm.ª Sr.ª Dr.ª Juiz foi proferido despacho de rejeição da acusação, que aqui se reproduz, alegando em suma que: “A acusação é manifestamente infundada quando, além do mais, os factos não constituírem crime (Cfr. Al. d) do n.º 3 do preceito legal supra citado)… Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no art.º 311, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do Código de processo Penal, decide-se rejeitar a acusação deduzida contra o arguido, por se considerar a mesma manifestamente infundada…” E, em consequência “… Indefere-se liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 78-84.” 3º Da acusação Pública, de Fls. 59-63, imputa o Ministério Publico ao arguido RNHG a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos arts. 181 e 184 do Código penal, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. I), porquanto: “…não pretendo entrar em debates jurídicos, nem tão pouco elucida-la sobre a diferença entre reconhecer uma fotocópia de outra fotocópia e uma fotocópia como sendo igual a um original…” “… porque a Sra. Dra. Coloca interesses económicos à frente da sua independência e da deontologia profissional.” 4º Ou seja, o arguido acusa a assistente de se deixar corromper por dinheiro, colocando dessa forma, em primeiro lugar interesses económicos, em detrimento da sua independência profissional e das normas que a regem profissionalmente.

  1. Qual o profissional digno que não considera tais expressões uma afronta à honra, dignidade e consideração que lhe são devidas? 6º A Aqui assistente, como pessoa e profissional digna que é, considera que tais factos são uma afronta à honra, dignidade e consideração que lhe são devidas, tanto a nível profissional como pessoal.

  2. O arguido teve o nítido propósito de ofender a honra, a dignidade e consideração que são devidas à assistente, o que quis e conseguiu.

  3. Ao fazê-lo, causou profunda humilhação à honra, dignidade e consideração da assistente.

  4. O arguido agiu livre, deliberadamente e conscientemente, com o intuito conseguido de ofender a assistente na sua honra, dignidade e consideração, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, sem nada ter feito para o evitar.

  5. Dispõe o art.º 181, n.º 1, do Código Penal, que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido (…).

  6. Ora, injúria, em termos penais, “é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém” sendo o bem jurídico lesado o da chamada honra subjetiva, ou seja, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal (vd. Leal Henriques e Simas Santos, in, “O Código Penal de 1982”, 2º Vol.).

  7. A lei não exige como elemento do tipo criminal um dano ou uma lesão efetiva da honra e da consideração. Basta, para o efeito, o perigo de que aquele dano possa verificar-se. Trata-se, portanto de um crime de perigo.

  8. Ora considera o tribunal a quo que as declarações escritas pelo arguido “… não são objetivamente injuriosas, mas não sendo do que o exercício do direito de critica pelo arguido, face ao comportamento profissional da assistente que reputou de menos correto. Através de tais expressões, o arguido limitou-se a mostrar o seu desagrado pela forma como a assistente lidou com a situação em apreço, pelo que apenas estão em causa juízos valorativos por ele emitidos, que mais não traduzem do que a mera expressão de uma opinião pessoal, verbalizados em termos que se atêm claramente no direito à critica que a todos assiste… Ora, todas as expressões alegadamente dirigidas pelo arguido à assistente não atingem qualquer valor sociomoral essencial. Com eles, o arguido limitou-se a formular sobre a assistente um juízo acerca da forma como esta lidou com a situação atinente à falta de pagamento de honorários de um antigo cliente seu, que considerou incorreta. Porém, com tais expressões o arguido não pôs em causa as qualidades morais essenciais da assistente nem lhe apontou qualquer defeito de caráter. As qualidades que porventura lhe negou situam-se em plano secundaríssimo, alheio a qualquer ideia de honra ou consideração como pessoa. … O arguido não ultrapassou aqueles limites que justificam a intervenção do direito penal…”; E apresenta a Mmª Juiz jurisprudência que fundamenta a decisão recorrida, que descriminaliza ditas expressões que se aplicam na vivência social, como “sacana”, “és um palhaço”… expressões que são aplicadas até em brincadeiras entre pessoas mais próximas. Ora as expressões proferidas pelo arguido em nada são equiparadas às que deram azo à jurisprudência descrita pelo tribunal a quo. A expressão proferida pelo arguido fere a honra e a consideração da assistente. Além do mais, não tinha o arguido que se “defender” da Assistente usando a expressão difamatória em causa. Porquanto, a Assistente cumpriu todos os preceitos deontológicos que tinha a cumprir na questão em apreço. Contactou o arguido, dando-lhe conhecimento que o cliente em causa a tinha informado que nada devia, pelo contrário, que o arguido é que lhe devia a ele o valor da taxa de justiça, a qual este teve que dispor por duas vezes, uma entregue ao arguido e outra à posteriori, quando o tribunal a...

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