Acórdão nº 340/14.1GBPSR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 340/14.1GBPSR, da Comarca de Portalegre (Ponte de Sor - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1), em que é arguido A., mediante pertinente sentença, foi decidido condenar o arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 10 euros (num total de 1200 euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 7 meses.

O arguido, inconformado com a decisão condenatória, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “

  1. Deve ser alterado o facto provado 1º, passando o mesmo a ter a seguinte redação: «1.

    No dia 06 de Dezembro de 2016, pelas 21H30, na denominada Estrada de Abrantes, em Ponte de Sor, o arguido seguia apeado, transportando um velocípede à mão».

    B) Consequentemente deve ser eliminado o facto provado 3º.

  2. Provas, e passagens concretas dos depoimentos, que impõem tal alteração e eliminação: (

    1. Depoimento do arguido A., do dia 10/03/2016, das 10:33:44 às 10:42:52, minutos 1:52 a 3:45 e 6:47 a 7:32, ficheiro 20160310103332_968216_2871431.WMA; (b) Depoimento da testemunha LP do dia 10/03/2016, das 10:56:15 às 11:06:46minutos 7:10 e 7:54, do ficheiro 20160310105613_968216_2871431.WMA; (d) Talão de fls. 6; D) Com efeito, a testemunha FP, apesar de afirmar que viu o arguido a conduzir uma bicicleta, que caiu quando a testemunha o ultrapassou, a verdade é que não foi consistente nas suas declarações, nomeadamente no que concerne à hora dos factos.

      E) Sendo certo que esta versão é expressamente contrariada pelas declarações do arguido, que afirmou que, nesse dia e hora, não conduziu o velocípede, que transportava a bicicleta à mão, quando caiu, e ainda pela circunstância de os factos terem ocorrido em pleno mês de Dezembro, quando já estava noite cerrada (é facto notório que às 21H30 de um dia de Dezembro a noite é cerrada), pelo que a visibilidade é diminuta.

      F) Ora, o arguido podia perfeitamente levar a bicicleta à mão e ir aos “ss” e ter-se desequilibrado quando a testemunha por ele passou.

      G) Por outro lado, não pode o tribunal dar como provado que o arguido seguia às 21h30 com uma taxa de álcool no sangue de 2,02gr/l, quando tal percentagem de álcool era a que o mesmo apresentava mais de duas horas depois dos factos, pelas 23h41, já no Centro de Saúde de Ponte de Sor.

      H) Ora, se é facto notório que a taxa de alcoolemia tende a diminuir com o passar das horas, também é facto notório que o álcool presente numa bebida alcoólica só «passa para o sangue cerca de 5 a 15 minutos, se ingerido fora da refeição; 30 a 60 minutos se a passagem é retardada pela presença de alimentos (isto é durante ou após a refeição)» (in http://www.incp.pt/conselhos/sobre-o-alcool).

      I) O que significa, desde logo, duas coisas: o álcool presente nas bebidas alcoólicas ingeridas pelo arguido (que se desconhece quais foram), seguindo a regra do in dubio pro reo, só 1 hora após tal ingestão passa para o sangue.

      J) Ora, desconhecendo-se a que hora o arguido ingeriu tais bebidas, tem de presumir-se, em obediência ao referido princípio do in dubio pro reo, que tal aconteceu imediatamente antes do acidente, pelo que ninguém, nem com recurso a presunções judiciais, pode garantir que, pelas 21H30, hora do acidente, o arguido, se tivesse sido submetido ao teste no ar expirado, acusaria uma qualquer taxa de alcoolemia, ou, acusando-a, que a mesma fosse superior a 1,20gr/l, limite mínimo criminalmente relevante.

      K) No pressuposto de que a impugnação da matéria de facto não deixará de proceder, forçoso será concluir que o arguido não poderá ser condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

      L) Por mera cautela de patrocínio, entende o arguido, para o caso de assim não suceder, que, estando em causa a alegada condução de um velocípede (nem sujeito à obrigação de seguro de circulação obrigatório), tal significa que o perigo causado aos restantes utilizadores da via pública (bem jurídico tutelado pelo crime) é significativamente menor do que se se tratasse de veículo a motor, criador de maior risco, pelo que deverá ser reduzida a pena de multa e a sanção acessória que lhe foi aplicada.

      M) Consequentemente, deve reduzir-se a pena de multa para 100 dias de multa e a sanção acessória para 6 meses, tendo até em conta a profissão do arguido e a necessidade notória que o mesmo tem da carta de condução para o exercício da profissão.

      N) Quanto ao quantitativo diário da pena de multa, atenta a situação económica do arguido e os seus encargos pessoais, constante dos factos provados, considera-se ser mais equitativo a fixação do quantitativo diário da pena de multa em 6,50€ (artigo 47º/2 do CP).

      Q) Decidindo, como decidiu, violou o tribunal recorrido, designadamente, o disposto nos artigos 47º/2, 70º, 71º, 77º, 291º/1, do CP, e o princípio do in dubio pro reo.

      Nestes termos, e porque só assim se fará justiça, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que decida em conformidade com o exposto, absolvendo o arguido do crime que lhe é imputado”.

      A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento.

      Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, aderindo aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público em primeira instância, e concluindo também que o recurso deve ser julgado improcedente.

      Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido.

      Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

      II – FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

      Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente (e acima transcritas), que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, quatro questões, em breve síntese, são suscitadas no presente recurso: 1ª - Impugnação alargada da matéria de facto, porquanto a prova produzida impõe decisão diversa sobre os factos atinentes à condução, não se podendo dar como provado que o arguido “conduzia” o velocípede em causa (devendo dar-se por assente, isso sim, no facto provado sob o nº 1 da sentença revidenda, que “o arguido seguia apeado, transportando o velocípede à mão”, e, consequentemente, devendo ser eliminado o facto provado nº 3).

      1. - Impugnação alargada da matéria de facto, pois que não pode dar-se como provado que o arguido seguia com o seu velocípede, na via pública, pelas 21,30 horas, com uma taxa de álcool no sangue de 2,02 gr/l, quando tal percentagem de alcoolemia era a que o mesmo apresentava mais de duas horas depois dos factos, pelas 23,41 horas.

      2. - Determinação da medida concreta das penas (pena principal e pena acessória).

      3. - Fixação do quantitativo diário da pena de multa.

      2 - A decisão recorrida.

      É do seguinte teor a sentença objecto do recurso (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica): “2.1.

      Factos provados Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: Da acusação pública 1. No dia 06 de dezembro de 2014, pelas 21h30m, na denominada Estrada de Abrantes, em Ponte de Sor, o arguido conduzia um velocípede com uma taxa de álcool no sangue registada de 2,02 g/l e apurada após dedução de erro máximo admissível de 1,92 g/l.

      1. Socorrido, no local, pelos Bombeiros Voluntários de Ponte de Sor e transportado para o Centro de Saúde de Ponte de Sor a fim de receber tratamento médico, foi aí sujeito, pelas 23h41m, ao teste de despistagem de álcool através de ar expirado no Drager, tendo acusado uma TAS de 2,02 g/l e, apurada após dedução de erro máximo admissível, de 1,92 g/l, não tendo pedido exame de contraprova.

      2. O arguido sabia que conduzia com aquela taxa de álcool no sangue, querendo conduzir, o que...

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