Acórdão nº 837/16.9T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMÁRIO SERRANO
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 837/16.9T8OLH.E1-2ª (2017) Apelação-1ª (2013 – NCPC) (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: No presente procedimento cautelar, instaurado por «(…) Investments Limited» contra (…) e «(…) Limited», a correr termos na Secção de Comércio da Instância Central de Olhão da Comarca de Faro, foi pela requerente invocada a sua qualidade de sócia, juntamente com a 2ª requerida e em partes iguais, da sociedade «(…) – Sociedade Algarvia de Empreendimentos (...), Lda.», que tem por objecto a exploração de actividade hoteleira e similares, e cuja gerência tem pertencido em exclusivo ao 1º requerido, e alegada a prática por este de um conjunto de factos que integrariam a violação grave dos seus deveres de gerente e constituem justa causa de suspensão ou destituição do cargo, ao abrigo dos artos 257º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e 1055º, nº 2, do NCPC, designadamente utilizando receitas dessa sociedade em benefício próprio e dispondo ou preparando a disposição de bens pertencentes a essa sociedade – e, nessa base, «como preliminar de acção de destituição do cargo de gerente ainda a intentar», formulou pedido de decretamento, sem audiência da parte contrária, de providência cautelar em termos de suspensão do cargo de gerente em relação ao 1º requerido e de nomeação como gerente provisória da actual detentora da totalidade das acções da requerente (…).

Ordenada a produção de prova sem audiência da parte contrária (conforme despacho de fls. 142, datado de 27/9/2016, em que, depois de aludir ao artº 1055º, nº 2, do NCPC, se designou data para produção de prova, com a simples menção «sem prévia citação da parte contrária»), veio o tribunal de 1ª instância a realizar o respectivo julgamento (cfr. acta de fls. 155-159) e a proferir decisão (a fls. 175-191, datada de 30/10/2016), no sentido da procedência do procedimento cautelar, decretando o seguinte: a) suspensão do 1º requerido do cargo de gerente da «(…), Lda.»; e b) nomeação provisória de (…) para o cargo de gerente dessa sociedade.

Depois de citados os requeridos, deduziram estes oposição, no sentido da improcedência da providência cautelar requerida, alegando, no essencial, que o 1º requerido sempre exerceu de modo diligente e zeloso as funções de gerência de que estava incumbido e que são falsos os factos alegados pela requerente, a impor o levantamento da providência decretada, e suscitando, antes do mais, uma nulidade insanável decorrente da omissão de apreciação sobre o pedido de não-audiência prévia dos requeridos, por violação do princípio do contraditório, que, em matéria de procedimento cautelar, impõe como regra a audição da parte contrária, sendo excepcional a dispensa dessa audição e apenas quando a mesma puser em risco o fim da providência, a demonstrar fundamentadamente pelo tribunal, vício esse que determinará a nulidade de todos os actos praticados após o requerimento inicial, incluindo a sentença que deferiu a peticionada providência.

Após a segunda produção de prova (cfr. acta de fls. 391-398), foi proferida nova decisão (cfr. fls. 399-404), que principiou pela apreciação da nulidade arguida pelos requeridos, a qual veio a ser deferida, com a consequente declaração de nulidade do despacho de 27/9/2016 (cfr. fls. 142) e de todo o processado posterior, incluindo a decisão determinativa da providência, mais ordenando a comunicação da decisão ao registo comercial.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: a pretensão da requerente deve ser caracterizada como inserida num procedimento cautelar não especificado (dos artos 362º e ss. do NCPC), e não em incidente de acção especial de suspensão ou destituição de titular de órgão social (do artº 1055º, nº 2, do NCPC), conforme foi expresso pela requerente e reconhecido na sentença de fls. 175-191; no procedimento cautelar comum o juiz deve, em princípio, ouvir o requerido, o que só não sucederá se a audiência puser em risco sério o fim ou eficácia da providência, conforme artº 366º, nº 1, do NCPC; no caso presente, houve exclusão do contraditório na fase inicial, mas sem que houvesse qualquer fundamentação de tal decisão, a qual se imporia por força do artº 154º do NCPC, não bastando uma mera adesão (implícita) à pretensão da requerente nesse sentido, como decorre desse mesmo preceito; desse modo, ocorre nulidade do despacho de 27/9/2016, por preterição de formalidade imposta por lei, ao abrigo do artº 195º, nº 1, do NCPC, e daí decorre a nulidade de todos os actos praticados posteriormente, incluindo a própria decisão determinativa da providência, nos termos do artº 195º, nº 2, do NCPC.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a requerente, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da decisão prolatada em 03.01.2017, a qual veio declarar nulo por falta de fundamentação o despacho de 27 de setembro de 2016, proferido pela Mm.ª Juíza a quo, e todo o processado posterior, incluindo a decisão de 30 de outubro de 2016, que decretou a suspensão do Recorrido, (…), do cargo de gerente da sociedade comercial em apreço e nomeou provisoriamente para o cargo de gerente da referida sociedade a senhora (…).

  1. A decisão ora sob apreciação padece de errada interpretação e aplicação do Direito.

  2. A decisão emerge de uma básica e inicial petição de princípio e que consiste na circunstância de não se poder entender e, de facto, concluir do petitório da Requerente que a mesma lançou mão de um procedimento cautelar comum, mas pelo contrário do procedimento cautelar (não especificado) mas previsto no n.º 2 do art.º 1055.º do CPC. Para tal bastará atentar no intróito do respectivo requerimento inicial, no qual vem expressamente plasmado, para além do mais, que (…) “(…) Investments Limited, (…), vem, nos termos e para os efeitos do art.º 1055.º do Código de Processo Civil (CPC) e por referência a quanto disposto no art.º 257.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), intentar e fazer seguir contra (…) Procedimento Cautelar de Suspensão de Cargo de Gerente (…)” e ainda, no mesmo petitório, mas mais adiante, em sede de Direito, quando a Requerente expressamente refere, para além do mais, que “(…) O presente pedido de suspensão insere-se no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, regulado actualmente no 1055.º do CPC, com referência ao art.º 257.º, n.º 4, do CSC, o qual prevê, esta última disposição, a possibilidade de qualquer sócio requerer em tribunal a suspensão e a destituição do gerente de sociedade por quotas em caso de existência de justa causa para tal. (…) A suspensão de gerente é, pois, um procedimento cautelar, com semelhanças evidentes com o procedimento cautelar comum não especificado do CPC (…)”.

  3. A essa mesma conclusão se chega da leitura do despacho...

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