Acórdão nº 402/10.4GCBNV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de recurso independente em separado do Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J3 da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Santarém, em que são arguidos A., B. e “A… – Imobiliários, Ld.ª”, decidiu a Senhora Juíza, ao abrigo do art.º 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, indeferir a arguição de nulidades processuais cometidas no inquérito invocadas pela arguida "A…- Imobiliária, Lda." e receber a acusação, designando dia para julgamento.

B. A omissão de constituição da Recorrente como arguida e da sua inquirição nessa qualidade, em sede de inquérito, assim como a omissão de notificação àquela e à sua Ilustre Advogada constituída nos autos, dos despachos de arquivamento e de acusação, deveram-se unicamente a vários erros e culpa grosseira e indesculpável, exclusivamente imputáveis ao titular do inquérito.

C. Para a concretização da constituição da Recorrente como arguida e para a sua inquirição nessa qualidade existiam, nos autos, todos os elementos necessários, a saber: Certidão Comercial Permanente da Recorrente com registo actualizado da sede social da mesma, identificação e residência do seu legal representante e identificação e domicílio profissional da Ilustre Advogada por ela constituída no Processo.

D. A omissão de constituição da Recorrente como arguida determinou a ausência do arguido (e) do seu defensor (a actos) em que a lei exige a respectiva comparência e consubstancia efectiva falta de inquérito, na medida em que contra aquela foi deduzida uma acusação, sem que lhe fosse antes permitido intervir no Processo como arguida, se pronunciar sobre e contribuir constitutivamente para co-determinar o objecto do inquérito e se defender, exercendo os direitos que a lei, nomeadamente no artigo 61.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, lhe reconhece.

E. A omissão de constituição da Recorrente como arguida e da sua inquirição nessa qualidade são impeditivas do exercício do contraditório e do direito de defesa à mesma reconhecidos legal e constitucionalmente e ocasionaram evidente prejuízo para a realização integral da justiça, dando causa às nulidades insanáveis previstas nas alíneas c) e d) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.

F. Ao decidir no sentido que consta do douto despacho impugnado, entendendo que as nulidades de omissão de consituição da Recorrente como arguida e de interrogatório nessa qualidade deviam ser consideradas sanáveis, incorreu o Tribunal de 1ª Instância em erro de julgamento por violação e / ou errada e inadequada interpretação e omissão de aplicação do disposto no artigo 119.º, alíneas c) e d) do Código de Processo Penal e ainda por violação e / ou errada e inadequada interpretação e aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do mesmo Código; G. Tendo ainda incorrido em violação do direito fundamental de acesso ao Direito consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República, em violação do princípio do devido processo legal, reconhecido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República e em violação das garantias de defesa dos arguidos, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República, o que resulta da impossibilidade da Recorrente, totalmente inimputável a esta e provocada por erro grosseiro e indesculpável do Ministério Público, de ter intervindo na fase de inquérito, de ter estado presente em todos os actos processuais que directamente lhe disseram respeito, de ter oferecido provas e requerido as diligências que se lhe afigurassem necessárias, de ter exercido eficazmente o seu direito de defesa e de ter contribuído para a descoberta da verdade.

Sem prescindir; H. A constituição como arguido constitui acto legalmente obrigatório a praticar na fase de inquérito, sob pena de nulidade por insuficiência de tal fase processual.

I. A omissão de constituição como arguida da Recorrente sempre configuraria, pelo menos, a nulidade sanável prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

J. O interrogatório do arguido, nessa qualidade, constitui acto legalmente obrigatório a praticar na fase de inquérito, sob pena de nulidade por insuficiência de tal fase processual.

K. A falta de interrogatório da Recorrente na qualidade de arguida, em sede de inquérito, sendo possível (como manifestamente era) a sua notificação, também constituiria sempre, pelo menos, a nulidade sanável prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.

L. A nulidade de omissão de notificação à Ilustre Advogada constituída nos autos, pela Recorrente, do despacho de arquivamento é subsumível na previsão do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

M. A nulidade de omissão de notificação à Recorrente do despacho de arquivamento é subsumível na previsão do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

N. O despacho acusatório se reveste de tal importância para o arguido que o mesmo deve ser notificado ao seu Defensor e também ao próprio arguido.

O. A nulidade de omissão de notificação à Ilustre Advogada constituída nos autos, pela Recorrente, do despacho de acusação é subsumível na previsão do artigo 119.º, alíneas c) e d) do Código de Processo Penal, isto porque tal omissão teve como consequência uma flagrante violação do direito de defesa da Recorrente consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República, decorrente da violação do direito da Recorrente, de escolher a sua Mandatária judicial, legalmente consagrado no artigo 61.º, n.º 1, alínea e) da lei penal adjectiva.

P. A nulidade de omissão de notificação à Recorrente do despacho de acusação - nas circunstâncias concretas em que tal omissão se verificou, portanto, devido à flagrante, grosseira e indesculpável preterição, pelo titular do inquérito, de actos legalmente obrigatórios, para cuja prática regular existiam nos autos e ao seu dispor todos os elementos necessários e sem que pudesse (ou possa) ser assacada à Recorrente qualquer responsabilidade na dita omissão de notificação - constitui nulidade insanável, subsumível na previsão do artigo 119.º, alíneas c) e d) do Código de Processo Penal, já que a omissão em causa impediu o exercício, pela Recorrente, do direito de defesa, o mais elementar e essencial dos direitos dos arguidos, com consagração constitucional e legal.

Q. Constituindo o contraditório um direito inviolável, é inadmissível que a sua violação ostensiva, através da omissão de notificação da acusação ao arguido, constitua uma nulidade sanável ou uma simples irregularidade processual.

R. A omissão de notificação da acusação ao arguido, sendo possível tal notificação, dizendo respeito à própria substância dos direitos constitucionais, constituindo uma omissão de fundo constitucional, revela-se uma violação da lei processual muito mais grave que aquelas às quais se reportam as nulidades insanáveis expressamente previstas na lei processual penal.

S. As nulidades previstas na lei são simples vícios processuais. Para além delas, existem inúmeras situações em que os actos ou omissões processuais podem ser nulos, e assim acontece, em especial, quando são afectados direitos e garantias constitucionalmente consagrados.

T. Integrando a ausência do defensor a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, n.º 1, alínea c), a ausência do próprio arguido, afinal, aquele em nome de quem os direitos são proclamados, também tem que integrar este tipo de nulidade.

U. Constituindo a ausência dos assistentes ou das partes civis, por falta de notificação, uma nulidade relativa, e atendendo à maior gravidade da ausência dos arguidos, face à necessidade de maior protecção de direitos, tem todo o sentido que a sua ausência por razões que se lhe não possam imputar, seja cominada com nulidade mais severa.

V. Se a ausência do Ministério Público é qualificada como nulidade insanável, o mesmo tem que se reconhecer para a ausência dos arguidos.

W. Por maioria de razão, a não notificação da acusação ao arguido, quando possível, e sobretudo quando tal falta lhe não é imputável, tem que ser entendida como ferida de nulidade insanável.

X. O Tribunal de 1ª Instância ao considerar como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT