Acórdão nº 161/15.4T9RMZ-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelSÉRGIO CORVACHO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No inquérito nº 161/15.4T9RMZ, que corre termos no MP junto da Comarca de Évora, Instância Local de Reguengos de Monsaraz, distribuído, para o exercício das competências jurisdicionais daquela fase processual, à Secção de Competência Genérica da mesma Instância Local, a Exª Juiz do referido Tribunal proferiu, em 27/10/16, um despacho com o seguinte teor: «Prova digital Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), “caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade, esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto”.

A apreensão pode revestir as formas elencadas no n.º 7 do referido artigo, nomeadamente através de cópia em suporte autónomo, em duplicado, sendo uma delas selada e confiada ao secretário judicial (n.º 8).

Os dados e documentos informáticos apreendidos na sequência da busca realizada no passado dia 25 de outubro de 2016 (cfr. fls. 125), contêm dados íntimos de menores de idade, cuja integridade da esfera privada cumpre salvaguardar. Porém, tendo em conta a natureza dos factos que se investigam nos presentes autos, aqueles dados revelam-se essenciais à investigação e à prova dos factos em causa.

Assim, determino a junção aos autos dos dados e documentos informáticos identificados a fls. 125, através de cópia dos dados, em suporte autónomo, que será junto ao processo, e em duplicado, que será selado e confiado ao secretário judicial (n.º 3, alínea b) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 16.º da lei n.º 109/2009, de 15 de setembro).

Pesquisas e perícia informática Considerando a natureza dos factos sob investigação e as apreensões efetuadas na sequência da busca domiciliária efetuada no passado dia 25 de outubro de 2016, ordeno, ao abrigo do disposto no artigo 151.º, n.ºs 1 a 3 do artigo 178.º, n.º 1 do artigo 179.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal e no artigo 1.º, na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º e nos artigos 15.º a 17.º da já referida Lei do Cibercrime: a) A realização de pesquisa de dados informáticos e perícia ao computador apreendido, à máquina fotográfica apreendida e ao cartão de memória igualmente apreendido, melhor identificados a fls. 110 e 11 (auto de busca e apreensão), a fim de neles se apurar a existência de vídeos e fotografias com crianças e de cariz pornográfico, de se extrair histórico de pesquisas na internet e de sites visitados, partilhas (download e upload) de ficheiros mediante acesso à internet, e-mails enviados e recebidos relacionados com crianças e de conteúdo pornográfico, ou qualquer outra informação memorizada naqueles aparelhos; b) A subsequente transcrição/extração dos conteúdos relevantes que assim forem encontrados.

Prazo: 60 dias.

*** Declarações para memória futura Nos presentes autos, estão em causa factos suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, de crimes de abuso sexual de menores agravado e de pornografia de menores (artigos 171.º, 176.º e 177.º do Código Penal).

Requer a Digna Magistrada do Ministério Público a tomada de declarações à menor BV, para memória futura, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 271.º do Código de Processo Penal, sem a presença do arguido, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 352.º do Código de Processo Penal.

Tratando-se de factos suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, do crime de abuso sexual de menores ou de pornografia de menores, a audição do ofendido tem sempre lugar no decurso do inquérito (n.º 2 do artigo 271.º).

Considerando a idade da menor e a natureza dos factos em causa, e de forma a garantir a espontaneidade e liberdade do depoimento, entende-se que a tomada de declarações deve decorrer na ausência do arguido, representado pelo seu defensor, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 352.º do Código de Processo Penal Assim, para tomada de declarações para memória futura à menor BV, designo o próximo dia 16 de novembro de 2016, pelas 10h00, neste Tribunal.

Providencie pela presença de técnico referido no n.º 4 do artigo 271.º do Código de Processo Penal (a técnica que, na CPCJ de ..., acompanha já a menor).

*** Resultam fortemente indiciados nos autos os factos descritos no requerimento de apresentação do arguido para interrogatório judicial, de fls. 139 a 141, e para os quais remeto na íntegra, com a retificação requerida pela Digna Magistrada do Ministério Público, devendo ler-se, no número 5, “entre oito a dez anos”, e não “entre oito a doze anos”.

Assim, indiciam fortemente os autos a prática, pelo arguido, de três crimes de abuso sexual de menores agravado, previstos e punidos nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 171.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal, de dois crimes de abuso sexual de menores agravado, previstos e punidos nos termos conjugados do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 171.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal, de três crimes de pornografia de menores agravado, previstos e punidos nos termos conjugados do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 176.º e na alínea a) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 177.º do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 86.º, por referência ao n.º 3 do artigo 3.º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

Tais factos resultam fortemente indiciados tendo em conta o relatório de sinalização da Associação “Chão dos Meninos”, de fls. 24 a 29, a certidão do assento de nascimento de BV de fls. 15, os autos de inquirição de fls. 54 a 60, 62 a 65, 73 a 75, a cota de fls. 66, o certificado de registo criminal, de fls. 90 e 91, a certidão do assento de casamento do arguido, de fls. 92, o auto de busca e apreensão, de fls. 109 a 111, a reportagem fotográfica, de fls. 112 a 123, o auto de exame direto, de fls. 124, o termo de fls. 125, a informação policial, de fls. 126 a 128, a análise preliminar ao conteúdo das fotografias e vídeos existentes no computador pessoal do arguido, bem como pesquisas e sites visitados no mesmo computador, aposto em envelope confidencial na contracapa (incluindo CD), cuja junção foi admitida nos termos de despacho que antecede, bem como a informação sobre o registo de armas de fogo, de fls. 149 e 150.

Com efeito, a prova acima elencada, permite concluir, com elevado grau de firmeza, pela indiciação dos factos descritos. Assim, e desde logo, nas declarações tomadas à menor (fls. 62 a 66) denota-se o constrangimento da menor e a sua resistência e pudor em prestar declarações, tendo acabado, como que em desabafo, por revelar alguns dos factos acima descritos.

O Tribunal atentou, também, na análise preliminar ao conteúdo das fotografias e vídeos existentes no computador pessoal do arguido, bem como pesquisas e sites visitados no mesmo computador. É visível, e sem prejuízo do que a perícia informática venha a acrescentar, que o arguido possuía, armazenado no seu computador pessoal – sendo certo que este afirmou viver sozinho –, fotografias e vídeos de conteúdo pornográfico envolvendo menores de idade, nomeadamente com diversas crianças exibindo e manipulando os órgãos genitais, alguns desses vídeos filmados no interior da residência do arguido (como se constata da análise do relatório fotográfico de fls. 112 a 123 e da confrontação com o teor dos vídeos em causa).

As declarações do arguido não mereceram credibilidade. O arguido prestou declarações de forma incoerente e imprecisa. Foi contraditório quanto ao seu domínio das tecnologias da informação: por um lado, afirmando que não sabia mexer em computadores, por outro lado, afirmando que apenas utilizava o computador para ver vídeos (policiais e de cowboys), na internet, utilização esta que, como decorrer das regras da normalidade do acontecer, exige alguma destreza na utilização de meios informáticos. Por outro lado, tanto afirmava que não sabia utilizar o computador, como afirmava que aí guardava fotografias (suas, do campo e de animais), em pasta própria, que identificou (como “Lavado”), e que utilizava para consumir pornografia. Também quanto às pesquisas que efetuava para consumo de pornografia foi contraditório e inconstante nas respostas fornecidas. Acresce que, quando perguntado sobre os vídeos guardados no seu computador, apresentou uma explicação muito pouco credível, relativa a dois fins de semana em que uma prostituta, acompanhada de três menores, terá passado em casa do arguido, tendo sido esses a realizar os vídeos em causa.

No que respeita aos factos que, em concreto, dizem respeito à menor já identificada nos autos, limitou-se a negar a respetiva prática. No entanto, atendendo ao modo titubeante como as declarações foram prestadas, e atendendo ao descrédito das declarações quanto aos outros aspetos já acima mencionado, a negação da prática dos factos não abala o juízo de forte indiciação que se faz neste momento.

Considerando os factos fortemente indiciados, importa, desde logo, salientar a respetiva gravidade.

Com efeito, os crimes contra a autodeterminação sexual de menores são percecionados como muito graves, na nossa sociedade, gerando grande alarme social e comoção geral e a consequente perturbação da paz e tranquilidade públicas.

Acresce que foi já identificada, em concreto, pelo menos uma vítima, cuja autodeterminação e integridade sexual se encontra já, inevitável e perenemente, afetada, com prejuízo para o seu desenvolvimento global e para a construção e afirmação da sua personalidade.

Acresce que se revela fortemente indiciado estarem em causa diversos menores, com quem o arguido terá privado ou contactado, ainda que...

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