Acórdão nº 1191/15.1T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMOISÉS SILVA
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1191/15.1T8PTM.E1 Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: CC, SA (ré).

Apelada: BB (autora).

Tribunal Judicial da comarca de Faro, Portimão, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho, J2.

  1. A A. veio intentar ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra a ré e alegou que foi admitida ao serviço da ré em 04 de novembro de 2005, com as funções de “caixeira ajudante de 1.º ano”, tendo tal relação laboral vigorado até 05.05.2014.

    Sucede que, a partir de janeiro de 2007, a ré deixou de remunerar a autora com o subsídio de turno que até então lhe tinha sido pago, reclamando a autora o pagamento, a tal título, da quantia de € 8.891,49.

    Além disso, alega ainda que, desde janeiro de 2010, passou a desempenhar as funções de “encarregada de loja”, pelo que lhe é devido acréscimo remuneratório correspondente à aludida categoria profissional, já que a ré apenas remunerou a autora como “operadora especializada”. Assim, a título de diferenças salariais, reclama da ré o pagamento da quantia de € 11.282,10. Finalmente, alega que a ré, em fevereiro de 2014, decidiu, unilateralmente, transferir a autora da loja da Guia (Algarveshopping), onde a mesma sempre trabalhara, para a loja de Lagos, sendo fitícios os fundamentos invocados para tal transferência, representando a mesma uma diminuição da categoria profissional da autora (dadas as caraterísticas da loja de Lagos), constituindo tal decisão uma forma de forçar o despedimento da autora, a qual veio, efetivamente, a resolver o seu contrato de trabalho, com invocação de justa causa (que a ré não reconheceu), dados os prejuízos que tal alteração do local de trabalho lhe acarretariam).

    Em função disso, pede a autora que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.145,10, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho e, ainda, € 1.069,26, a título de reembolso de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e respetivos proporcionais devidos à data da cessação do contrato.

    Teve lugar a realização da audiência de partes no âmbito da qual não foi possível obter a conciliação.

    Regularmente notificada para contestar, a ré veio fazê-lo, invocando a prescrição do direito da autora, na medida em que a mesma comunicou à ré a sua decisão de resolver o contrato de trabalho com efeitos a 01 de maio de 2014, resultando de mero lapso dos seus serviços a indicação do dia 05 de maio de 2014 constante da documentação remetida à autora.

    Assim, tendo em conta a data em que foi intentada a ação (29.04.2015), bem como a data da citação da ré (06.05.2015), mostrava-se já decorrido mais de um ano desde a cessação do contrato de trabalho, pelo que os créditos invocados pela autora se acharão prescritos.

    Em sede de impugnação, alega a ré que deixou de ser pago à autora subsídio de turno por alteração do CCT que regulava a respetiva relação laboral, sendo certo que, atendendo às componentes remuneratórias que passaram a ser-lhe pagas, não ocorreu nenhuma diminuição da respetiva retribuição, não lhe sendo, por isso, devida a quantia a tal título reclamada.

    Além disso, sustenta que não correspondem à verdade as afirmações produzidas pela autora no que se refere a ter desempenhado as funções de encarregada de loja, não lhe sendo devido qualquer acréscimo remuneratório com tal fundamento.

    Finalmente, alega que inexistiu qualquer motivo válido para a rescisão do contrato de trabalho por parte da autora, representando a sua transferência para a loja de Lagos uma necessidade efetiva da ré, e sendo certo que nunca se recusou a suportar os acréscimos de custos eventualmente causados pela alteração do local de trabalho.

    Conclui pela improcedência da ação (caso não venha a entender-se estar prescrito o direito da autora).

    A autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência da exceção invocada.

    Foi proferido despacho saneador, tendo-se aferido positivamente todos os pressupostos processuais relevantes e relegado o conhecimento da exceção de prescrição para a decisão final, por estar o mesmo dependente da prova produzir.

    Foi dispensada a seleção da matéria de facto.

    Teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento e a matéria de facto foi decidida através de despacho.

    Foi dispensada a realização da audiência prévia.

    De seguida, foi proferida sentença com a seguinte decisão: Em face do supra exposto, decide-se considerar a ação parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provada, e, em consequência:

    1. Declara-se a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho promovida pela autora/trabalhadora BB e condena-se a ré CC, S.A., no pagamento da quantia de € 6.145,57 (seis mil, cento e quarenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de compensação prevista pelo artigo 396.º do Código do Trabalho; B) Condena-se a ré no pagamento à autora, a título de créditos laborais vencidos e não pagos, da quantia de € 1.069,26 (mil e sessenta e nove euros e vinte e seis cêntimos); C) Condena-se, ainda, a ré no pagamento à autora, a título de diferenças salariais relativas aos anos de 2010 (6 meses), 2011, 2013, 2013 e 2014 (1 mês), da quantia de € 9.375,00 (nove mil, trezentos e setenta e cinco euros); D) No mais, improcedem os pedidos formulados.

    Custas por autora e ré, em função do respetivo decaimento (que se fixa em 39,43/100 para a autora e 60,57/100 para a ré), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à primeira (cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil).

    Tendo presente o disposto nos artigos 129.º n.º 1, alínea f) e n.º 2, 279.º n.º 5 do Código de Trabalho comunique, com cópia, à ACT para os efeitos tidos por convenientes.

  2. Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação, motivado, com as conclusões que se seguem: a. Andou mal o Tribunal a quo ao não considerar provado (pelo menos expressamente) que os factos indicados nos pontos 44, 55 e 56 dos factos provados ocorreram por lapso dos serviços de recursos humanos da R., como esta alegou no artigo 3.º da contestação e no requerimento apresentado na audiência de julgamento de 07.10.2015, nos termos do disposto no artigo 3.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cf. ata a fls. dos autos), devendo acrescentar-se, no início de cada um dos pontos 44, 55 e 56 dos factos provados: “por lapso dos serviços de recursos humanos da R., (…)”; b. Desde logo, tal lapso presume-se em face da matéria provada, designadamente em face dos pontos 21 e 23 dos factos provados: a A. não trabalhou entre 01.02.2014 e a cessação do contrato e rescindiu-o com efeitos a 01.05.2014, pelo que é óbvio que apenas por lapso dos recursos humanos da R. foi indicado na declaração de desemprego e certificado de trabalho 05.05.2014 como data de cessação, sendo também essa a única explicação possível para a R. ter processado, pago à A. e comunicado à Seg. Social a remuneração relativa a 5 dias de maio de 2014; c. Ademais, o lapso em questão resultou inequivocamente demonstrado através do depoimento prestado pela testemunha… na sessão da audiência de julgamento de 05-11-2015 (cf. gravação da sessão de audiência de julgamento de 05-11-2015, entre as 10:52:55 e as 11:26:30, na seguinte passagem: 20m05s a 21m49s).

    1. Como decorre expressamente da lei (artigo 334.º do Código Civil, que assim resultou violado pela sentença sub judice), o abuso de direito exige um excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, sendo pacífico o entendimento de que apenas ocorre abuso de direito nos casos em que se verificam excessos no exercício de direitos verdadeiramente escandalosos e chocantes; e. Especificamente quanto ao venire contra factum proprium (modalidade de abuso de direito potencialmente em causa nos presentes autos), apenas se pode afirmar a sua ocorrência perante contradições verdadeiramente aberrantes e chocantes com comportamentos anteriormente adotados pelo titular do direito (neste sentido, vide Ac. do TRP de 15.03.1988, R. 6699, Col. de Jur., 1988, 2, 200 e Ac. do STJ de 24-01-2002, P. 3947/01, Col. de Jur., 2002, 1, 51); f. Tendo presentes estes ensinamentos, é manifesto que não ocorre abuso de direito da R. ao invocar a data da efetiva cessação do contrato de trabalho (a indicada na declaração rescisória da A.: 01.05.2014) e consequente prescrição dos putativos créditos laborais da A., devendo começar por se enfatizar que foi a A. quem decidiu promover a cessação do contrato, com invocação de justa causa, dizendo expressamente que “rescindo o meu contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 01 de maio de 2014 (inclusive)” - cf. ponto 23 dos factos provados; g. Constitui princípio básico de direito laboral que o trabalhador pode livremente desvincular-se a qualquer momento, com ou sem justa causa, não estando a eficácia dessa decisão dependente de qualquer ato do empregador, o qual não tem a mais pequena hipótese de introduzir qualquer alteração na data em que o trabalhador pretende ver o contrato de trabalho cessado; h. Assim, nunca pode ocorrer abuso de direito do empregador quando este se limita a invocar a data em que o trabalhador decidiu promover a cessação do contrato, pois independentemente de qualquer equívoco que possa ter criado (designadamente ao emitir o certificado de trabalho ou declaração de desemprego), o trabalhador tem a obrigação de saber a data em que ele próprio promoveu a cessação o contrato; i. É que seja o certificado de trabalho, declaração meramente descritiva da passagem do trabalho ao serviço do empregador, quer a declaração da situação de desemprego, que se situa fora do plano da relação laboral strictu sensu, em nada relevam para a determinação do momento da cessação do contrato de trabalho, a qual, sendo da iniciativa do trabalhador lhe cabe em exclusivo a ele; j. Sublinhe-se que é isso que está em causa nos presentes autos: a recorrente ter-se enganado a emitir o certificado de...

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