Acórdão nº 3066/15.5T8LLE-E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 3066/15.5T8LLE.

Inst. Local – J2 Comarca de Faro ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I.

Relatório AA, BB e CC, DD e marido, EE e FF intentaram a presente ação declarativa constitutivo-condenatória, sob a forma de processo comum, contra GG e mulher, HH, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com os RR. e, consequentemente, a sua condenação no despejo imediato do locado e a condenação dos mesmos no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no valor global de € 6.389,10 (seis mil, trezentos e oitenta e nove euros e dez cêntimos) bem como das rendas vincendas até entrega efetiva do locado.

Para tanto alegaram, em síntese, serem proprietários de um prédio urbano, cujo gozo foi cedido aos RR. para instalação de um estabelecimento de pensão e restaurante, que a renda tem sido actualizada, datando a última actualização de Agosto de 2014 e que os RR., desde aquela data, procederam apenas ao pagamento de parte da renda devida.

Citados, os RR contestaram, alegando que os AA. não procederam a uma válida atualização da renda, em Agosto de 2014, porquanto não atenderam à circunstância de funcionar no arrendado um estabelecimento comercial explorado por empresa que se deverá classificar de microentidade.

Mais alegaram, que sempre procederam ao pagamento das rendas devidas, pelo que entendem não terem os AA. direito a que se declare a resolução do contrato.

Foi designada data para a realização de audiência prévia na qual foi dado conhecimento às partes que o tribunal considerava que os autos possuíam os elementos suficientes para conhecer do mérito, tendo sido dada a palavra aos I. mandatários para alegações.

Foi proferida sentença, julgando-se a acção totalmente procedente.

Inconformados com a decisão proferida, os RR. dela interpuseram recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto na sequência do douto despacho saneador/sentença que, tendo conhecido do mérito da causa, julgou procedente a acção interposta pelos AA/Recorridos.

  1. Assim, foi declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os primitivos proprietários do imóvel supra-identificado, devendo os RR/Recorrentes desocupá-lo e pagar o valor das rendas alegadamente em falta.

  2. Sucede que mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu.

  3. Com efeito, ao declarar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na alegada falta de pagamento de rendas, o tribunal a quo não analisou correctamente a questão, uma vez que não teve em conta que no imóvel objecto do presente litígio funciona uma "microentidade", tal como a mesma vem definida no artigo 51°, n.º 4, do NRAU.

  4. Provando-se, como se provou, a situação de "microentidade", o contrato só ficaria submetido ao NRAU "mediante acordo das partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da recepção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário, nos termos do n.° 4 do artigo 54°".

  5. No caso em apreço, é manifesto que não houve acordo das partes no que respeita à transição do primitivo contrato para as normas do NRAU.

  6. Assim, por força da disposição legal supra-citada, o contrato permanece inalterado, só podendo submeter-se às novas normas do Regime do Arrendamento Urbano no prazo de cinco a contar da recepção, pelos AA/Recorridos, da resposta do primeiro R/Recorrente, dada por si e em representação da sua Mulher.

  7. Por estas razões, deverá proferir-se douto Acórdão que, revogando a decisão recorrida, julgue a acção improcedente com as consequências a isso inerentes.

  8. Por outro lado, caso não se sufrague este entendimento, sempre se dirá que a douta sentença recorrida poderá padecer do vício da nulidade, uma vez que não se pronuncia, ou fá-lo muito genericamente, das razões invocadas pelos RR/Recorrentes em sede de contestação (artigo 615°, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil).

  9. Por fim, caso se entenda que aos AA/Recorridos é lícita a resolução do contrato, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, tal situação configura um manifesto abuso do direito.

  10. Na verdade, os RR/Recorrentes habitam no imóvel dado de arrendamento, facto que já sucedia com os primitivos proprietários.

  11. E habitam lá com a expressa anuência dos ora AA/Recorridos.

  12. Logo, se forem despejados, ficarão, desde logo, sem um lar onde morar, mas também ficarão sem o seu único meio de subsistência, uma vez que a exploração do estabelecimento de restauração constitui o parco rendimento do casal.

  13. O próprio direito à habitação tem consagração constitucional - artigo 65° da Constituição da República Portuguesa.

  14. Logo, também por esta razão, se justifica que o presente recurso seja julgado procedente, com as legais consequências.

    TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADA A DOUTA DECISÃO PROFERIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DÊ POR PROVADA A SITUAÇÃO DE "MICROENTIDADE" INVOCADA PELOS RR/RECORRENTES, CONSIDERANDO-SE QUE O CONTRATO DE ARRENDAMENTO SE MANTÉM INALTERADO E EM VIGOR.

    CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERÁ SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE CONSIDERE QUE A PRETENSÃO DOS AA/ECORRIDOS CONFIGURA UM ABUSO DO DIREITO, UMA VEZ QUE A EFECTIVAR-SE O DESPEJO, FICARÃO OS RR/RECORRENTES SEM A CASA DE HABITAÇÃO E SEM O SEU ÚNICO MEIO DE SUBSISTÊNCIA.

    ASSIM DECIDINDO, COMO SE ESPERA QUE SE DECIDA, FARÃO V. EXAS. A HABITUAL, COSTUMADA E ESPERADA JUSTIÇA!” Os recorridos não contra-alegaram.

    Providenciados os vistos por meios electrónicos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    Objecto do Recurso Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões (art.ºs 608.º, nº 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), inventariam-se, nessa conformidade e por uma ordem de precedência lógica, as seguintes questões solvendas: . nulidade da sentença apelada por excesso de pronúncia; . errada aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 51.º do NRAU; . abuso do direito de resolução do contrato de arrendamento.

    III.

    Fundamentação 1.

    De Facto Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1.1.

    Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número .../19850328, da freguesia de São Clemente, concelho de Loulé, o prédio urbano sito na Avenida …, em Loulé, composto de rés do chão com dois armazéns e primeiro andar com terraço, nove divisões e quintal, inscrito na matriz predial sob o artigo …, da referida freguesia de São Clemente, concelho de Loulé e o prédio urbano sito na Rua …, em Loulé, composto de rés do chão com um compartimento e de primeiro andar, com oito compartimentos e corredor, inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de São Clemente, concelho de Loulé.

    1.2. Sobre o prédio inscrito em 1.1. incide inscrição de propriedade a favor dos ora Autores, na proporção de um terço, em comum e sem determinação de parte ou direito para os Autores AA, BB e CC, de um terço para os Autores DD e marido, EE e de um terço para o Autor FF, por herança de MM e mulher, NN.

    1.3. MM e mulher, NN em meados de 1969 e como senhorios e proprietários dos prédios referidos em 1.1 deram de arrendamento o primeiro andar de ambos esses prédios aos ora Réus e com os números de polícia 40 da Avenida … e n.º 21 da Rua … a fim de os Réus os destinarem à instalação de um estabelecimento de pensão de restauração.

    1.4. Os primitivos senhorios MM e mulher, NN, faleceram em 19 de Janeiro de 1973 e em 11 de novembro de 1995, respectivamente, tendo-lhes sucedido os seus descendentes, ora Autores.

    1.5. JJ faleceu em 12 de Maio de 1999, no estado de casado com LL e em comunhão geral de bens e sucedendo-lhe a sua viúva LL e o filho de ambos, JJ, casado em comunhão de adquiridos com a ora Autora AA.

    1.6. JJ faleceu, em 22 de Dezembro de 1999, no estado de casado em comunhão de adquiridos com a ora Autora AA, tendo-lhe sucedido a ora Autora AA e os filhos de ambos, ora Autores BB e CC.

    1.7. LL faleceu, em 13 de Abril de 2013, no estado de viúva de JJ, e sucedeu-lhe os ora Autores AA, BB e CC.

    1.8. Os Autores, por carta datada de 26 de Junho de 2014 comunicaram aos ora Réus "Na qualidade de proprietários e senhorios do 1.º andar do prédio sito na Rua … e do 1.º andar do prédio sito na Rua …, ambos da freguesia de S. Clemente, concelho de Loulé, inscritos na matriz sob os Art.ºs … e …, e de que V. Ex.ª é arrendatário por contrato de arrendamento celebrado em data anterior ao Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro. Vimos nos termos do art.º 50.°, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, comunicar a V. Ex.ª a nossa intenção de proceder à tramitação para o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano) e bem assim à atualização da renda, no que respeita ao contrato de arrendamento supra referido e referente ao primeiro andar dos prédios urbanos inscrito na matriz sob os Art.ºs … e …, da freguesia de S. Clemente, do concelho de Loulé. As nossas propostas são as seguintes: O valor da nova renda mensal passe para o montante de €700,00 (setecentos euros) por mês, a partir de 01/08/2014, inclusive. O contrato de arrendamento passe para o tipo de contrato a prazo certo e com a duração de dois anos e renovando-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração. O valor do locado do 1.º andar do prédio urbano art.º … - já avaliado nos termos do art.º. 38.° e segs. do CIMI - é de 47.260,00 € (quarenta e sete mil duzentos e sessenta euros). O valor do locado do 1.º andar do prédio urbano art.º … - já avaliado nos termos do are 38.° e segs. do CIMI - é de 78.740,00 (setenta e oito mil, setecentos e quarenta euros). ( ... )" 1.9. O Réu marido respondeu à carta referida em 1.8. através de carta datada de 28 de Julho de 2014 com o seguinte teor: "Tenho presente a vossa carta datada de 26.06.14 e por mim recepcionada em 02.07.14 e que se refere à actualização da renda mensal dos prédios de que V. Exª. são proprietários e senhorios. Nos termos do disposto no artigo...

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