Acórdão nº 39/14.9GDSTC-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | CARLOS BERGUETE COELHO |
Data da Resolução | 02 de Maio de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.
RELATÓRIO Nos autos de inquérito com o número em epígrafe, o arguido, entre outros, A, na sequência da sua detenção e do seu interrogatório judicial, foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Inconformado com o despacho que determinou essa medida, proferido na Instância Central de Setúbal (Secção de Instrução Criminal), o arguido interpôs recurso, formulando, após convite ao abrigo do art. 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), as conclusões: 1- Em sede de Primeiro Interrogatório, foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, considerando o Douto Tribunal fortemente indiciada a prática, pelo arguido, de 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º, 204º, nº1, alíneas f) e h) e um deles do nº 2, alínea e) do C. Penal, e por entender verificados os perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
2- Os factos em causa foram alegada e indiciariamente praticados por outrem, que não o arguido e que se faziam transportar em viatura, propriedade de sociedade W, gerida de facto pelo arguido ora recorrente, 3- Encontrando-se o arguido ora requerente indiciado da sua prática (por factos praticados por interposta pessoa) em resultado de declarações prestadas por co-arguido no processo que disse trabalhar na sociedade gerida de facto pelo arguido A, agindo a mando deste.
4- O arguido recorrente desconhece e nada teve a ver com os factos alegadamente praticados pelos seus trabalhadores e que ora lhe são a ser imputados.
5 - os factos em causa não se encontram sustentados em quaisquer elementos de prova indiciária bastante, 6 - Por outro lado, não se poderá considerar, relativamente ao arguido recorrente, o alegado receio de continuação da atividade criminosa, pois que, os factos por cuja prática o arguido está indiciado nada têm que ver com os factos pelos quais o arguido recorrente foi condenado e pelos quais se encontrava, no momento da sua detenção, em cumprimento de pena de Obrigação de Permanência na Habitação (crime de condução sob o efeito do álcool).
7 - Pena essa que o arguido sempre cumpriu escrupulosamente e ao longo de um ano.
8 - Verificando-se ainda que, pese embora o extenso número de condenações sofridas anteriormente pelo arguido, as mesmas prendem-se essencialmente com factos praticados no âmbito da condução, de natureza distinta e que nada têm a ver com os factos em causa nos presentes autos.
9 - a medida de coacção aplicada ao arguido, é, salvo o devido respeito, excessiva, desadequada e desproporcional face às necessidades cautelares que no caso concreto importa prevenir, 10 - Muito embora se compreenda a preocupação do Douto Tribunal em restituir alguma tranquilidade às populações inquietas com a prática frequente deste tipo de ilícito criminal, a verdade porém, é que tal raciocínio não justifica por si só que todos os suspeitos em geral e o ora arguido em concreto, devam ficar em prisão preventiva. O alarme social é relevante em todos os casos e deve ser atendido pelos nossos Tribunais, mas não de forma cega, não de forma a permitir a prisão preventiva de um suspeito sem que haja uma forte probabilidade do mesmo ser o autor do crime em causa e de que venha a ser condenado por tal crime. O princípio da presunção de inocência assim o impõe. Admitir o contrário seria permitir a condenação prévia a um julgamento justo, seria permitir a reclusão de um possível inocente, o que é de todo contrário aos mais elementares princípios do direito.
11 - Para esta medida ser aplicada é necessário, sobretudo, e antes do mais, que se verifiquem fortes indícios contra esses suspeitos, o que não se verifica no caso do arguido recorrente aqui em causa.
12 - Usar a prisão preventiva apenas como forma de dissuadir à prática de determinado crime (aos suspeitos e demais população) é legalmente proibida e potencialmente perigosa numa democracia.
13 - A manutenção do arguido em prisão preventiva trará imediatamente prejuízos irreparáveis na vida do mesmo, nomeadamente porque põe em causa toda a atividade da sociedade que dirige e, consequentemente, afeta o rendimento disponível e necessário ao sustento do seu agregado familiar composto por 3 filhos e companheira.
14 - Salvo o devido respeito, o Douto Tribunal fez uma incorrecta apreciação dos factos e violou o disposto nos artºs 27º, 28º e 32º da Constituição da República Portuguesa e artºs 193º, 202º nº1, al. a) e 204º alínea c) do CPP, 15 - deve ser revogado o Douto Despacho que decidiu pela aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, ordenando-se a libertação imediata do arguido recorrente.
16 - Mesmo a entender-se ser de aplicar medida de coacção ao arguido, sempre a mesma deverá ser não privativa da liberdade, designadamente a obrigação de apresentações periódicas e/ou mediante o pagamento de uma caução, nos termos do disposto nos artºs 197º e 198º, ambos do CPP, por se considerarem estas medidas de coacção suficientes, adequadas e proporcionais ao caso concreto.
17 - Mas, ainda que assim não se entenda (e a entender-se ser uma medida de privação de liberdade a mais adequada, e não qualquer outra medida não privativa da liberdade) ainda assim sempre seria de aplicar a medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação sujeito a vigilância eletrónica nos termos do disposto nos artºs 193º, nº3 e 201ºdo CPP.
Termos em que: a)- deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Despacho que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, substituindo-o por outro que aplique medida de coação não privativa da liberdade, designadamente mediante o pagamento de uma caução cujo valor V. Ex.a com um douto critério entenderá fixar, nos termos do artº 197º do Código de Processo Penal.
Ou quando assim se não entender, o que só por mera hipótese se admite, b)- a substituição por medida de execução menos gravosa, como é o caso da Obrigação de Permanência na Habitação sujeito a vigilância eletrónica nos termos do disposto nos artºs 193º, nº3 e 201ºdo CPP.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: A) O recorrente arguido encontra-se indiciado pela prática de dois crimes de furto qualificado; B) Os factos foram praticados utilizando um veículo propriedade de uma sociedade da qual o recorrente é gerente de facto, por três pessoas que trabalham sob as suas ordens, S admitiu ter praticado os factos por ordem do recorrente, afirmou que a cortiça furtada deveria ter sido descarregada nas instalações da referida sociedade e em Outubro de 2016, o recorrente admitiu telefonicamente a autoria dos factos tranquilizando S ao dizer que iria obter a desistência de queixa nem que tivesse que pagar a cortiça; C) As declarações de S não são um elemento de prova frágil encontrando suporte nas escutas telefónicas; D)...
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