Acórdão nº 518/14.8PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Setúbal (J2) do T. Judicial da Comarca de Setúbal, foi acusado e sujeito a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular, JP, natural de Angola, nascido em 20.09.1963, divorciado, operador de máquinas, residente em Setúbal, a quem o MP imputara a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº 1, al. b) e nº 4 do Código Penal e, em concurso efetivo, um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190°, nº 2 do Código Penal.

  1. Constituída assistente, C deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, sendo € 2.500 por dano não patrimonial e €4.298,24 por danos patrimoniais, acrescidos dos juros à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  2. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu: 1. Julgar a acusação parcialmente procedente e em consequência: a) Absolver o arguido, JP, da prática do crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190°, nº 2 do Código Penal, por que vinha acusado; b) Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão; c) Suspender a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido pelo período de 1 (um) ano e 11 (onze) meses, com sujeição a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, com especial incidência na prevenção da violência doméstica, sujeito, entre o mais, a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), aplicado pela DGRS, ao abrigo dos artigos 52°, nº 1, al. b), 53°, nº 1 e 54°, nº 3 do Código Penal; d) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactar, por qualquer meio, com a vítima C, com afastamento da residência e do local de trabalho desta, a um raio de distância não inferior a 500 metros, p. e p. pelo artigo 152°, nºs 4 e 5 do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano e 11 (onze) meses; e) Determinar que a fiscalização do cumprimento da pena acessória descrita na alínea precedente seja controlada pela DGRS através dos meios técnicos adequados de controlo à distância, ao abrigo no disposto no artigo 35° da Lei nº 112/2009, de 16.09 e 152°, nº 5 do Código Penal; 2. Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e em consequência: a) Condenar o demandado, JP, a pagar à demandante, C, a quantia global de € 2.000 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a presente sentença até efetivo e integral pagamento; b) Absolver o demandado do demais peticionado pelo demandante; 4. Inconformado, recorreu o arguido extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem integralmente: «VI - CONCLUSÕES: I - O Tribunal a quo omitiu 85 SMS que a ofendida enviou ao arguido no período compreendido entre Junho de 2013 a Julho de 2015. Matéria apreciada em julgamento e que apenas consta que a assistente remeteu alguns SMS ao arguido, na fundamentação da decisão, violando o previsto nos artigos 124º e 127º do Código Processo Penal.

    II - O tribunal a quo ao considerar provado que o arguido colocou autocolantes no veículo da ofendida com os dizeres “ Devoradora de homens; Só vejo aldrabões; Cabra gorda; Bitch”, mesmo com as testemunhas e a ofendida dizendo que não viram o arguido colocar qualquer autocolante na viatura, violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do Código Processo Penal.

    III – O tribunal a quo ao dar como provado o facto ocorrido no dia 16 de Maio de 2014, em que o companheiro da assistente se encontrava no Parque da Bela Vista e o arguido passou por ele ao telemóvel e começou a falar bem alto, de forma a que aquele ouvisse, dizendo: “estás a ouvir, pá? A C é uma puta! Aquela gaja é uma vaca, faz o serviço todo completo. Sabes que a boca não serve só para falar, serve para aquelas coisas que a nós sabemos! Ela faz o prato completo! Se quiseres podes também tentar que consegues porque a ela vai o bairro todo!”, ao considerar provado este facto, que apenas foi descrito de forma contraditória, pela testemunha e companheiro da assistente AS, na versão que consta da fundamentação, violou entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP.

    IV – O Tribunal ao considerar provado que o arguido em data não determinada, tenha colocado uma fotografia da assistente com a cara riscada, colada na porta do estabelecimento do companheiro da ofendida com a menção “ me liguem.” Não resulta dos depoimentos e da fundamentação que as testemunhas tenham visualizado a fotografia na porta, como também ninguém viu o arguido a colocar a fotografia na porta do estabelecimento. A prova produzida resultou do depoimento da testemunha e da fotografia que o companheiro da assistente AS, tinha em seu poder. Violando entre outros, o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP.

    V- O tribunal a quo ao considerar provado que o arguido continuou a ligar para o telemóvel da ofendida fazendo-o de cabines telefónicas públicas da PT. Na verdade os números de telefone de cabines públicas não constam na lista das chamadas rececionadas no telemóvel da ofendida, solicitadas à Vodafone, e do depoimento das testemunhas ninguém visualizou o arguido a telefonar de cabines públicas, com exceção da ofendida. Violou entre outros, o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP.

    VI – O tribunal a quo deu como provado que junto ao local de trabalho e da residência da assistente o arguido ter pintado com tinta de spray a menção “ CRIS” sendo que o “ I “ na parte inferior tinha dois círculos, a simular um pénis. Conforme resultou dos depoimentos das testemunhas e da ofendida, que ninguém viu o arguido a pintar e assim como também não trata a ofendida por “CRIS” apesar do tribunal a quo fundamentar em erro na douta sentença, que a testemunha AS “ Garantiu que não conhece ninguém que trata a assistente por “Cris” (à exceção do arguido).” Mais uma vez o tribunal baseou a sua convicção apenas no depoimento da ofendida e erradamente no depoimento do companheiro. Violando o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP.

    VII - O facto ocorrido no dia 11 de Abril de 2015, pelas 21:30 horas, D. atravessava a estrada, na Rua Gonçalo Pinheiro, nesta cidade de Setúbal, avistou um carro vir na sua direção acelerando, correu para o passeio e viu que era o arguido que conduzia o carro. Conforme foi descrito pela irmã estavam a jogar à bola no meio da estrada, que tem movimento de carros, porque tem um infantário e uma escola primária na rua, o que é censurável é o facto dos miúdos jogarem futebol na estrada e não facto do arguido passar de carro na estrada. Violando o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP.

    VIII - Que no dia 9 de julho de 2015, R, estava na baixa de Setúbal, acompanhada com umas amigas quando o arguido se aproximou daquela dizendo “ Olá R” e permaneceu no local onde estava a menor, até que exasperada se dirigiu ao arguido para que o mesmo a deixasse em paz. Resulta deste facto que apesar da testemunha afirmar que nunca esteve sozinha com o arguido, nenhuma testemunha tem conhecimento direto destes factos, que no entendimento do arguido não são ilícitos, atendendo que se limita a cumprimentar a jovem.

    IX – Resulta ainda que o arguido no dia 30 de Outubro de 2015 pelas 20:20 horas, a assistente e o companheiro saíram da residência sita na Av. ---, e quando desciam a escada que dá acesso à estrada cruzaram-se aí com o arguido e agrediram o arguido, dizendo que o arguido tinha dito à ofendida “ minha grande puta”.

    Desta contenda resultou para o arguido ofensas à integridade física com incapacidade de 12 dias de trabalho. Este facto foi dado como provado na versão reduzida que consta na fundamentação, com base apenas no depoimento dos agressores. Pelo que se considera tal facto incorretamente julgado.

    X - O tribunal a quo deu como provado, que no dia 17 de Janeiro de 2016 o arguido tocou à campainha da residência da ofendida C, que se encontrava com amigas na Avenida … e que elas também assistiram, pelo que foi ao terraço com uma delas que a acompanhou. CC, vem dizer que não conhece e que nunca viu a face do arguido e que foram à porta do apartamento e só viu umas pernas de homem a subir a escada para o terraço e que não viu o rosto da pessoa pelo que não pode afirmar que foi o arguido. Este facto foi incorretamente julgado, porque os depoimentos são contraditórios, pelo que violou também o princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º do CPP.

    XI - Sem prescindir do supra alegado e admitindo por hipótese académica como provados os factos em que assentou a sentença objeto do recurso constatamos, claramente, que o recorrente não praticou o crime de violência doméstica, p.p. pelo artigo 152º do C.P. porquanto não resulta que a ofendida tenha uma posição de relação de “subordinação existencial” ou seja, numa posição de inferioridade e/ou dependência com o recorrente elemento fundamental do preenchimento daquele tipo de crime, as injúrias foram recíprocas e proferidas num contexto de troca de sms, sem violência física ou ofensiva do ponto de vista da dignidade da pessoa humana.

    XII - - O crime de violência doméstica não pode ser cometido com reciprocidade e sobretudo, quando a única vitima da agressão física é o Recorrente.

    XIII – Pelo exposto o tribunal não interpretou, nem aplicou corretamente o artigo 152.º, n.º 1 alínea b) e nº 4 do Código Penal, à subsunção daqueles factos.

    XIV – Em suma não restam dúvidas...

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