Acórdão nº 36/17.2PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 36/17.2PBSTB.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Setúbal (Setúbal, Instância Local, Secção Criminal, J5) correu termos o Proc. Sumário n.º 36/17.2PBSTB, no qual foi julgado o arguido BB (…) pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º 1 al.ª c) ambos do Código Penal, com referência ao artigo 152 do Código da Estrada, tendo - a final - sido absolvido.

--- 2. Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso pretende sindicar a sentença absolutória proferida nos autos, em matéria de facto e de direito.

  1. Quanto à primeira, considera-se que foram incorrectamente julgados os factos elencados na sentença recorrida como factos não provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, com exceção do correspondente ao artigo 5 da acusação, os quais deveriam ter sido julgados como provados.

  2. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou ainda provada, a nosso ver, a seguinte factualidade, relativamente à qual a sentença é omissa: 3.1. Quando submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido, de forma deliberada, soprou para fora da boquilha e de boca aberta, realizando tal procedimento por três vezes consecutivas, após o que foi emitido talão de sopro insuficiente; 3.2. Com essa atitude recusou submeter-se ao referido exame, impossibilitando, na prática, a sua realização, e obstando à concretização do procedimento de fiscalização.

  3. Nesse sentido, indicam-se as seguintes provas que, a nosso ver, impõem decisão diversa da recorrida: 4.1. Documental: auto de notícia de fls. 2 e 3, talão de exame de fls. 7 e certificado de registo criminal de fls. 10 a 15; 4.2. Testemunhal: depoimento da testemunha CC - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento do dia 8.11.2017, a fls. 26 a 28, e ficheiro gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Citius Media Studio", sessão de reprodução n.º 20160217155721_1803390_2871799, do dia 17-02-2016, em particular as seguintes passagens (indicadas com referência aos minutos da gravação): 01:54 a 02:21, 02:36 a 03:15 e 03:20 a 04:22; 4.3. Declarações de arguido - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento do dia 08-01-2017, a fls. 26 a 28, e ficheiro gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Citius Media Studio", sessão de reprodução n.º 20170109163104_3457282_2871800, do dia 08-02-2016, em particular as seguintes passagens (indicadas com referência aos minutos da gravação): 03:15 a 03:53, 03:55 a 04:27, 04:50 a 05:30 e 09:18 a 09:45.

  4. Ao decidir pela não prova e omitir a apreciação dos factos supra elencados, o tribunal a quo, não só ignorou parcialmente o depoimento da testemunha CC, agente autuante, e as próprias declarações do arguido, como também decidiu em sentido contrário ao que consente a experiência de vida e o entendimento do homem comum.

  5. Além do mais, não pode atribuir-se o mesmo valor probatório às declarações de arguido e testemunha, considerando, em abstrato, o estatuto processual do primeiro e a qualidade funcional do segundo e, em concreto, as inconsistências evidenciadas no discurso do arguido, por contraponto com o carácter desenvolto, espontâneo e desinteressado do depoimento do agente autuante, que veio confirmar o teor do auto de notícia e do talão de exame juntos aos autos, detalhando alguns aspetos.

  6. Posto isto, analisada crítica e conjugadamente a prova supra indicada, impõe-se concluir o seguinte: Quando submetido à realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido não alegou qualquer impossibilidade de proceder à sua realização, escudando-se posteriormente, já em julgamento, na circunstância de se encontrar engripado e nervoso.

  7. Por outro lado, o agente autuante foi claro ao afirmar que a realização do teste se inviabilizou em virtude de o arguido ter soprado com a boca aberta e para fora da boquilha, até que, à terceira vez, culminou na impressão do talão de sopro insuficiente.

  8. Nestas circunstâncias, resulta claro que o arguido agiu deliberadamente com o propósito de impedir a concretização do teste quantitativo, tanto mais que o mesmo não evidenciou qualquer dificuldade na realização do primeiro teste e, diretamente perguntado, afirmou não sofrer de qualquer dificuldade respiratória.

  9. A sua atitude representa, assim, uma clara recusa em submeter-se às provas para quantificação da taxa de álcool no sangue, às quais, como cidadão e condutor habilitado, sabia estar obrigado, tal como sabia que a respectiva recusa o faria incorrer na prática de crime de desobediência, a cuja responsabilidade se tenta naturalmente furtar.

  10. Não sendo despiciendo salientar que esta recusa de colaboração por parte do arguido manifestou-se desde o início do procedimento de fiscalização, momento em que, de acordo com as declarações da testemunha CC, o arguido recusou exibir os documentos que lhe foram solicitados e pediu ao agente para «ser seu amigo».

  11. Ao que acresce o facto de registar duas condenações anteriores pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que constitui motivação suficiente para tentar iludir a atividade de fiscalização das autoridades, cujo procedimento não podia ignorar.

  12. No plano do enquadramento jurídico, dúvidas não existem de que o arguido, tendo sido abordado no exercício da condução, se encontrava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, nos termos do artigo 152 n.º 1 al.ª a) do Código da Estrada, e que a recusa deliberada em submeter-se a um tal procedimento o fez incorrer na prática de um crime de desobediência, conforme se dispõe no n.º 3, do mesmo preceito legal.

  13. A deteção e quantificação do teor do álcool no sangue é feita, por imposição legal, por meio de teste no ar expirado - cfr. artigo 1 do RFCIASP.

  14. A realização de exame por via de análise ao sangue não é uma opção na disponibilidade do examinado, já que a lei apenas prevê a sua realização quando não for possível concretizar o teste no ar expirado, nomeadamente, em virtude das condições físicas em que se encontra o examinado ou constatada a incapacidade o mesmo expelir ar em quantidade suficiente - cfr. artigo 1 n.º 3 e 4 n.º 1 do RFCIASP.

  15. No caso dos autos, conforme se viu, o arguido não concretizou o teste no ar expirado unicamente porque não quis e não devido a uma qualquer incapacidade.

  16. Assim, ao pôr em causa a validade do procedimento de fiscalização levado a cabo pelas autoridades, por duvidar do facto de o arguido ter sido elucidado da possibilidade de realizar o exame por via de análise ao sangue, a decisão recorrida interpretou erradamente o preceituado nos artigos 1, 2 e 4 do RFCIASP, que deve ser interpretado nos termos das conclusões supra (em 14 e 15).

  17. Em suma, tendo o arguido desrespeitado uma ordem legal que lhe foi regularmente comunicada pelo agente da autoridade no exercício das suas funções e por si devidamente compreendida, agindo de forma deliberada, com o claro intuito de se furtar ao procedimento de fiscalização e perfeitamente ciente das consequências penais da sua conduta, há que concluir que o mesmo incorreu na prática do crime de desobediência pelo qual vinha acusado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º al.ª c) do Código Penal e 152 do Código da Estrada, pelo qual deverá ser condenado.

  18. Quanto à pena a aplicar, em face dos diversos antecedentes criminais do arguido por crimes relacionados com o exercício da condução, as elevadas exigências de prevenção especial e geral impõem o seu sancionamento, a título principal, em pena de prisão - cfr. artigo 70 do Código Penal.

  19. Pena essa que, ponderadas as circunstâncias previstas no artigo 71 do Código Penal, se deverá situar nos oito meses de prisão, tendo em conta o elevado o grau de ilicitude e o modo de execução dos factos (tentando o arguido iludir a atividade fiscalizadora dos agentes da autoridade, afrontando-os claramente, em jeito de gozo), bem como a intensidade do dolo (direto), a postura assumida pelo arguido em julgamento e os seus antecedentes criminais.

  20. Existindo razões para crer, em face do enquadramento vivencial do arguido e tempo decorrido sobre a prática dos factos que ditaram a última condenação levada ao seu registo criminal, estarem reunidas as condições mínimas com vista a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a um apertado regime de prova, que contemple, nomeadamente, a frequência de programa específico dirigido à consciencialização e prevenção de crimes estradais, nos termos preceituados nos artigos 50 n.ºs 1 e 2 e 53 n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal.

  21. Por fim, quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelas razões acima indicadas, entende-se que a mesma deverá ser fixada em medida não inferior a doze meses.

    --- 3. Respondeu o arguido ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - O Ministério Público recorreu da douta sentença proferida em primeira instância por considerar que aquela retirou uma conclusão incorreta e contrária às regras da lógica e da experiência comum, fazendo, igualmente, uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

    2 - Não obstante de tal consideração, o recorrente reconhece que o tribunal ponderou toda a informação e prova disponível.

    3 - A ponderação feita pelo julgador reflete apenas a prova carreada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

    4 - O recorrente desrespeita os princípios da imediação e oralidade, corretamente aplicados pelo julgador em face da prova produzida.

    5 - As declarações do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento são verosímeis; tais...

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