Acórdão nº 409/17.0T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução25 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

DECISÃO SUMÁRIA – arts. 417º, nº 6, al. b), 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2, do CPP.

  1. Nos autos de inquérito n.º 409/17.0T9EVR, da Comarca de Évora, em que são arguidos JL e JS, foi proferido despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito por dispensa de pena, relativamente a crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143.º, n.º 1 do CP.

    Inconformado com o decidido, recorreu JS, enquanto assistente, concluindo da forma seguinte: “a) O assistente tem legitimidade e pode impugnar por via de recurso o despacho de concordância com o arquivamento, proferido pelo Juiz de Instrução, por falta dos pressupostos do art. 280, nº 1 do CPP; b) Como se alegou no pedido cível e consta da prova produzida e dos exames médicos juntos aos autos, o arguido JL agrediu o assistente com diversos socos e murros na cara e na cabeça, impedindo-o de se defender e batendo-lhe violentamente, tendo na mão um molho de chaves, deixando-o incapacitado e de rosto transfigurado durante cerca de 20 dias, sujeito a internamento hospitalar e a mudanças de pensos bi-diárias no Centro de Saúde, com grandes padecimentos; c) A culpa do arguido JL é elevada, o dano que provocou não foi reparado e razões sérias de prevenção opõem-se à dispensa de pena, por falta dos pressupostos do art. 74 do CP; d) A integridade física das pessoas individualmente consideradas é um bem constitucionalmente protegido, fundamento radical da paz e da civilidade, mormente quando não se reconduz a simples empurrões ou toques inopinados mas a violência extrema, que afeta a segurança e a saúde - como nos autos; e) O douto despacho de concordância não atende aos pressupostos do art. 74 do CP, nem os pondera, pelo que viola o disposto no art. 280 do CPP e deve ser revogado.” O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo: “I- Em nosso entendimento é irrepreensível o despacho da Mma Juiz de Instrução que manifestou a concordância com o arquivamento dos autos por dispensa de pena.

    II- Estavam reunidos os pressupostos do art.º 280.º do Código de Processo Penal.

    III- Resultou do inquérito que o aqui recorrente e JL se envolveram, mutuamente, em agressões físicas, no dia 25/08/2015, entre as 16H00 e as 16H15, na Praça da República, em Viana do Alentejo.

    IV- Resultaram indícios suficientes da prática, por cada um dos arguidos, JL e JS, de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º do C.P..

    V- Contudo, apesar de não existirem dúvidas que os arguidos se envolveram em agressões mútuas, das quais resultaram lesões para ambos os arguidos, a verdade é que não foi possível apurar quem iniciou a contenda.

    VI- As testemunhas inquiridas em sede de inquérito foram unânimes em referir que não sabem quem deu início à contenda e qual o motivo da mesma.

    VII- Igualmente se entende, que de acordo com o regime estabelecido no Código Penal, para o arquivamento em caso de dispensa de pena, este despacho é irrecorrível.

    VIII- Com efeito, o art. 280º do Cód. de Proc. Penal, sob a epígrafe «arquivamento em caso de dispensa da pena», dispõe da seguinte forma: «1 - Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.

    2 - Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.

    3 - A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação» (sublinhado nosso).

    IX- Ora, se a decisão de arquivamento, que foi proferida pelo Ministério Público, é insusceptível de recurso X- Logo, por maioria de razão, o despacho de concordância da Mma Juiz de Instrução Criminal, também o será.

    XI- Com efeito, conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 19 de Junho de 2013, «a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução no arquivamento do processo é (…) irrecorrível, como se depreende dos artºs 399º e 400º do CPP», continuando mais adiante nos seguintes termos: «posto que não cabe recurso dos despachos proferidos pelo Mº Público (…), a única possibilidade de fiscalização ao dispor do assistente, caso entenda que não se verificam em concreto os pressupostos e requisitos materiais que determinaram o arquivamento do inquérito com dispensa de pena, seria a reclamação hierárquica» (in www.dgsi.pt – Proc. 765/11.4GDVFR.P1).

    XII- Em idêntico sentido já decidiu também o Tribunal da Relação de Coimbra em decisão sumária datada de 22 de Janeiro 2014: «O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um ato não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do artº. 280º, nº 1 do C. Processo Penal; Não sendo um ato decisório do juiz, o despacho de concordância não é recorrível» (in www.dgsi.pt – Proc. 148/13.1GCVIS.C1).

    XIII- E bem se compreende que assim seja.

    XIV- É que a decisão de arquivamento não cabe ao juiz, mas sim ao Ministério Público, havendo meios próprios para reagir às decisões do Ministério Público que se entenda serem infundadas.

    XV- Nomeadamente a já referida intervenção hierárquica.” Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer acompanhando a resposta do Ministério Público em 1ª instância.

  2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: “Resulta das diligências de prova realizadas em inquérito que JL e JS se envolveram, mutuamente, em agressões físicas, no dia 25/08/2015, entre as 16H00 e as 16H45, na Praça da República, em Viana do Alentejo.

    No despacho de fls. 215 e ss., o Ministério Público conclui pela existência de indícios suficientes da prática, por cada um dos arguidos, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.

    Pugna, todavia, pela aplicação ao caso vertente de dispensa de pena, já que os arguidos se envolveram mutuamente em agressões físicas e não foi possível apurar conveniente quem iniciou a contenda.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, desde que obtida a concordância do Juiz de Instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo quando se verificarem os pressupostos para a dispensa de pena.

    No que concerne ao crime de ofensa à integridade física simples, preceitua o artigo 143.º, n.º3 do Código Penal que: “O tribunal pode dispensar de pena quando: a) tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.” Tendo presente a factualidade carreada para os autos em sede de inquérito - a que é feita referência no despacho acima mencionado - conclui-se que se verificam os requisitos constantes do artigo 143.º, n.º 3 alínea a) do Código Penal.

    A ilicitude dos factos e a culpa dos agentes não assume particular gravidade, as lesões não são significativas e, de acordo com os autos, não existem razões de prevenção geral e especial que obstem à aplicação do instituto.

    Deste modo, e por entender que se encontram reunidos os pressupostos necessários à dispensa de pena, manifesto a minha concordância com o despacho do Ministério Público, no sentido de se proceder ao arquivamento do presente procedimento criminal, por dispensa de pena.

    Devolvam-se os autos ao DIAP.” 3.

    Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à sindicância do despacho judicial de manifestação de concordância com o arquivamento do inquérito por dispensa de pena, relativamente aos arguidos JL e JS, e a crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.º, n.º 1 do CP.

    Desta decisão interpôs recurso JS, mas enquanto (ou na posição de) assistente, cumprindo determinar se tem legitimidade para interpor recurso do despacho que pretende ver alterado.

    A questão da recorribilidade do despacho de manifestação de concordância proferido pelo juiz de instrução no inquérito surge como prévia e prejudicial ao conhecimento do objecto do recurso. E ela tem merecido tratamento divergente por parte da jurisprudência, existindo vários acórdãos nos dois sentidos.

    Assim, e por todos, sufragando a posição da recorribilidade pode ler-se o acórdão desta Relação de Évora, de 15.10.2013 (Rel. Sérgio Corvacho), que passa a transcrever-se na parte mais relevante aqui, na exaustão do alinhamento dos argumentos que a sustentam.

    “O art. 280º do CPP, no qual se fundamentou o arquivamento propugnado pelo MP e ao qual o Exmº Juiz de...

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