Acórdão nº 2556/11.3TBSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | FLORBELA MOREIRA LANÇA |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.
Relatório Nos presentes autos de reclamação de créditos, por apenso à execução em que é exequente H…, SA, mas que foi inicialmente proposta por C …, e em que são executados M… e outros, na qual foi penhorado o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º … da freguesia da Marateca, inscrito na matriz sob o artigo …, Secção L, veio Carlos Manuel Fernandes Marçalo reclamar a verificação e graduação dos seu crédito.
Fundamentou a sua pretensão alegando que, por sentença judicial, o executado ficou judicialmente obrigado a pagar-lhe a quantia de € 80.000,00, decorrente da celebração de um contrato promessa de compra e venda que o reclamado incumpriu, tendo-lhe sido reconhecido a ele, reclamante, o direito de retenção sobre o imóvel penhorado, Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 866.º, n.º 1do VCPC.
A exequente opôs-se, alegando que a sentença judicial não lhe é oponível e, bem assim, impugnando o crédito e a verificação dos requisitos do direito de retenção invocados pelo reclamante.
Concluiu pugnando pela improcedência da reclamação.
Em requerimento autónomo, a exequente requereu que o Tribunal profira decisão sobre a caducidade da AP 2281 de 2012/11/22, referente ao registo de uma ação (sendo o pedido o seguinte: «Caso a resolução do contrato -promessa de compra e venda celebrado em 18 de Outubro de 2008 e entrega das quantias devidas aos Autores pelos Réus não venham a ser decretadas, requer-se que seja decretada a execução específica do contrato-promessa celebrado entre os Autores, C… e mulher E…, e os Réus M… e marido Ma…, transferindo para os Autores a titularidade da parte rústica do imóvel – Art.º … Secção L - livre de quaisquer ónus ou encargos»), por violação do disposto no art.º 8º, nºs. 2 e 3 do Código do Registo Predial, ordenando o seu levantamento oficioso junto da conservatória do registo predial.
Considerando que a verificação do crédito impugnado estava dependente da produção de prova, determinou-se que os autos seguissem os termos do processo sumário posteriores aos articulados, nos termos do art.º 868º, n.º 1 do VCPC.
Foi fixado o valor da causa, dispensada a realização de audiência preliminar e proferido saneador tabelar, dispensando-se a seleção da factualidade assente e a organização da base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento, sendo que, como resulta da acta da diligência, não foi ouvida qualquer testemunha, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a reclamação apresentada e, consequentemente, não reconheceu o crédito reclamado.
O reclamante não se conformando com a sentença prolatada, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “A.
A sentença recorrida incorreu numa clara contradição na apreciação da prova produzida nos presentes autos de processo; B.
O caso julgado do titulo executivo – sentença judicial, não pode ser revertido judicial, a não ser por processo de revisão de sentença; C.
O tribunal “a quo” violou tal dispositivo substantivo, que tem como consequência a nulidade da presente sentença proferida nos presentes autos; D.
Existe o crédito reclamado e direito de retenção preenche os pressupostos formais e substantivos.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada, por nula, determinando-se a sua reformulação em conformidade com a prova produzida, assim se fazendo Justiça!” O credor hipotecário apresentou resposta às alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
II.
Objecto do Recurso Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), por uma ordem de precedência lógica, inventariam-se as seguintes questões solvendas: - Da alegada nulidade da sentença; - Da invocada contradição na valoração da prova produzida; - Erro de julgamento por violação do caso julgado.
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Fundamentação 1.
De Facto Na sentença recorrida foram julgados: Provados os seguintes factos: 1. Nos autos de execução foi penhorado o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º … da freguesia da Marateca, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, e na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção L, propriedade do executado, penhora essa registada em 02.07.2013.
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Por sentença proferida no processo ordinário com o n.º 6939/12.3TBSTB (transitada em julgado em 25.06.2013), no qual foram autores C… e E…, e em que foram réus M… e Ma…, decidiu-se o seguinte: “Nos termos que se deixam expostos, julgo a acção procedente e, em consequência: - Condeno o RR. a entregar aos AA. a quantia de 80.000,00€ (…); - Declaro que os AA. gozam de direito de retenção sobre o prédio rústico descrito na conservatória do registo predial de Palmela sob o n.º …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção L, freguesia de Marateca, Palmela, composto por vinha, com a área de 24.907,50 m2” – documento de fls. 23-27.
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Na sentença referida no ponto anterior deu-se por provado que os AA. celebraram com os RR. um contrato promessa relativo ao imóvel, tendo pago 80.000,00€ de sinal, quantia que corresponde à totalidade do preço acordado, que com a assinatura do contrato foi entregue o imóvel, e que os RR. não compareceram na data marcada para a escritura, apesar de notificados para o efeito – documento de fls. 23-27.
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Acha-se registada, a favor da exequente, uma hipoteca constituída sobre o prédio referido em 1., para garantia do pagamento do crédito exequendo, hipoteca essa que se encontra definitivamente registada desde 17.12.2008 – certidão predial junta aos autos com o requerimento de 14.01.2019.
E Não Provados 1. Foi celebrado um contrato-promessa entre o reclamante e o reclamado.
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Foi efectuado o pagamento da quantia de € 80.000,00, quantia essa que corresponde ao valor do preço da venda prometida.
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O imóvel foi entregue com a assinatura do contrato-promessa.
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O Direito 1.ª questão (...) 2.ª questão (…) 3.ª questão Importa notar que, atendendo à data da entrada em juízo da presente reclamação de créditos, é-lhe aplicável o VCPC, ou seja, o CPC na versão anterior à data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (cfr. n.º 4 do art.º 6.º da citada Lei).
“(…) [D]eflui dos n.
os 1 e 2 do artigo 788.º do Código de Processo Civil [865.º do VCPC], que a dedução de reclamação de créditos em processo executivo assenta num requisito de ordem material – a titularidade de um crédito dotado de garantia real sobre bens penhorados, o que se coaduna perfeitamente com a finalidade da convocação dos credores na fisionomia actual da lei adjectiva civil - a expurgação de ónus e encargos que onerem os bens que haverão de ser vendidos, adjudicados ou entregues (n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil). É ainda necessário, porém, que o crédito reclamando seja titulado, i.e. que esteja contido num título exequível (…).”[1].
Na presente reclamação de créditos o ora apelante invocou a existência de sentença judicial transitada em julgado, cuja certidão juntou aos autos, que condenou o executado a pagar-lhe a quantia de € 80 000,00 e lhe reconheceu o direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda, que aí se teve como definitivamente incumprido, o imóvel penhorado na acção executiva de que esta reclamação constitui apenso.
O direito de retenção, previsto nos art.ºs. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido.
Por todo o tempo em que permanecer o estado de insatisfação deste seu crédito, o detentor pode, legitimamente, recusar-se a largar mão da coisa.
O direito de retenção emerge, assim, dos seguintes pressupostos: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efectuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - debitum cum re junctum[2].
A doutrina tem vindo a caracterizar o direito de retenção como “(…) um direito a se, que não se integra no direito de crédito como um seu atributo ou faculdade, antes lhe acresce como uma prerrogativa complementar que, por claras razões de justiça e equidade, a lei concede ao credor para robustecer a sua posição”[3].
Trata-se, no dizer de Galvão Telles[4], de um verdadeiro direito real, um direito absoluto, a todos oponível e que reveste uma dupla natureza, apresentando-se, por um lado, como uma garantia real indirecta, ou seja, como um meio de coerção ao cumprimento da obrigação, na medida em que o devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado entretanto proprietário do objecto, sabe que não pode exigir o mesmo senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido, sentindo-se, assim, compelido a efectuar o pagamento.
E, por outro lado, apresenta a fisionomia de uma garantia real directa[5], permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes.
“Nesta mesma linha de entendimento, afirmou o Acórdão do STJ, de 04.10.2005 (processo nº 05A2158, acessível em www.dgsi.pt), tratar-se de “um direito real de garantia - que não de gozo - , em virtude do qual o credor fica com o poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo da própria natureza da obrigação, representa uma garantia direta e especialmente concedida pela lei.
Assim, desde que o credor tenha...
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