Acórdão nº 32/19.5PTEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução14 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo Singular n.º 32/19.5PTEVR, da Comarca de Évora, foi proferida sentença a absolver o arguido (…) da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, dos artigos 292.°, n.º 1 e 69.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “1. O arguido foi julgado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e, na ausência de confissão e de testemunhos diretos da prática de atos de condução pelo arguido - entendidos estes como os de movimentação do veículo - foi aquele absolvido.

  1. A douta sentença recorrida enferma, porém, de erro notório na apreciação da prova e contradição insanável de fundamentação, vícios previstos no n.º 2, aIs. b) e c) do artigo 410.° do Código de Processo Penal.

  2. Porque BEM considerou fantasiosa e inverosímil a versão do arguido, o Tribunal a quo não a levou em conta mas, num processo de raciocínio contraditório em si mesmo e atentatório das regras da experiência comum, deu como não provado que o mesmo conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação.

  3. Se a narrativa do arguido (...) não convenceu o Tribunal a quo, impunha-se que tivesse dado como provado que o arguido conduzia o veículo nas circunstâncias descritas na acusação; ao invés, em violação das regras de experiência comum e num raciocínio desprovido de lógica, o Tribunal a quo deu como não provado algo que não podia deixar de ter acontecido - a condução do veículo pelo arguido até à sua imobilização no local onde foi encontrado, sentado no lugar do condutor e com o motor ainda em funcionamento.

  4. Verifica-se assim o vício de erro notório na apreciação da prova porquanto da leitura da decisão impugnada, conjugada com as regras da experiência comum, conclui-se que se deu como não provado algo que não podia deixar de ter acontecido.

  5. Ademais, verifica-se ainda existir uma contradição insanável entre a fundamentação da decisão recorrida e a matéria de facto provada e não provada, pois dar como não provado que o arguido não conduzia o veículo e dar como provado que o arguido (...) se encontrava no interior do veículo, no lugar do condutor, com o motor em funcionamento, com uma TAS de álcool de 1,43 de gramas/litro, parqueado na retaguarda do veículo de matrícula (…), que ali se encontrava igualmente parqueado, salientando em sede de fundamentação que a versão do arguido se tratou de uma "narrativa fantasiosa e inverosímil", é manifestamente inconciliável e contraditório entre si porquanto a Mm" Juiz deu por provada, na realidade, tal versão.

  6. Nestes termos, é manifesto que o Tribunal a quo incorreu também no vício enunciado no n. ° 2, al. b), do artigo 410.° do Código de Processo Penal.

  7. Ambos os vícios podem ser ultrapassados com recurso ao texto da decisão recorrida, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (cfr. artigos 426.°, n.º 1 e 431.°, al. b) do Código de Processo Penal).

  8. Entende-se ainda que o Tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento porquanto, com base na prova produzida em audiência, deveria ter julgado PROVADOS os factos e1encados nos pontos da matéria de facto julgada NÃO PROVADA na sentença recorrida.

  9. Para prova de que se verificaram os factos 1 e 2) da factualidade não provada, em cumprimento do disposto no art° 412°, n° 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, indica-se os depoimentos das testemunhas (…) e (…) e a prova documental - auto de notícia e aditamento, talão emitido pelo aparelho Drager e participação do acidente de aviação - nos momentos em que referem que encontraram o arguido sentado no lugar do condutor, a dormir, com o motor em funcionamento (conforme dado por provado) conjugado com as declarações prestadas àquelas testemunhas pelo próprio arguido, que assumiu perante a primeira ter deixado possivelmente o carro mal travado provocando o embate e assumiu perante a segunda ter parado ali o carro e o carro ter descaído - minuto 02:43 a 03:22 do depoimento de (…) e minuto 03:19 a 03:30 do depoimento de (…).

  10. É inequívoco que da conjugação de tais elementos probatórios, apreciados à luz das regras de experiência comum, os factos dados como não provados foram incorretamente julgados porquanto se é certo que as testemunhas não viram o arguido (...) a conduzir o veículo é igualmente certo que o viram no lugar do condutor, com o motor do veículo em funcionamento, abordaram-no, recolheram a sua versão no imediato e relataram-na ao Tribunal, e, estas declarações, conjugadas com as incoerentes e inverosímeis declarações do arguido, impunham ao Tribunal a quo valoração diversa da prova produzida, dando como provados os factos 1 e 2 da matéria não provada.

  11. E em decorrência disto, teriam que considerar-se provados os factos 3 e 4 da factualidade não provada, já que estes concretizam a descrição da conduta típica do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sob a perspetiva do elemento subjetivo, o qual, face à factualidade objetiva e à negação da mesma pelo arguido, não poderá deixar de se ter por verificado, tendo presente o ac. RE de 7.1.2014 (publicado in www.dgsi.pt), do qual resulta que "Como se afirma no Ac. STJ de 30-6-1999 (rel. Martins Ramires), www.dgsi.pt., "os elementos de natureza subjectiva relativos ao crime, porque fazem parte da "vida interior", quando os arguidos não se disponham a abrir-se perante o tribunal, só podem ser apercebidos e dados como provados por ilações, retiradas de outros factos materiais provados, em conformidade com as regras da experiência" - impondo-se assim que a Mma Juiz mais uma vez lançasse mão do princípio da livre apreciação da prova, por conjugação da factualidade objetiva dada por provada com as regras da experiência comum, e concluísse pela verificação do elemento subjetivo do crime imputado ao arguido.

  12. Ainda que à luz das regras da experiência comum não se concluísse e não se conclua nos termos supra expostos, importaria e importará considerar que não existindo prova directa de que o arguido conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, existe uma quantidade de indícios ou indicadores graves de que o arguido conduzia o veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,43 gramas/litro.

  13. No caso sub judice, face à prova directa produzida em audiência e à prova documental enxertada nos autos, não pode oferecer dúvidas que o arguido no dia, hora e local referidos na acusação era portador de uma TAS de 1,43 gramas/litro resultante da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas por parte daquele; encontrava-se sentado no lugar do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula (…), manteve o veículo imobilizado e com o motor em funcionamento imediatamente na rectaguarda do veículo de matrícula (…), que ali já se encontrava parqueado e na parte traseira do qual se encontrava embatido com a respectiva parte frontal, tendo causado danos naquele; permaneceu a dormir no interior do veículo até à chegada do agente da PSP.

  14. Em consequência da existência de uma quantidade de indícios ou indicadores graves, isto é, sérios, importantes, fortes, precisos e todos concordantes, coincidentes e direccionados segundo resultado comum e consequente - o de que os factos se passaram como a acusação os descreve, e portanto, se deviam ter dado como assentes pelo Tribunal a quo, tanto mais que creditados por prova de caráter direto em que assume especial relevância as conversações mantidas pelas testemunhas (…) e (…) com o arguido (mencionadas na conclusão 10) - o Tribunal Recorrido não podia ter concluído pela dúvida sobre o facto de o arguido ter conduzido o veículo, agindo de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que lhe estava vedada a condução de veículos, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, sob o efeito do álcool e ciente de que, naquele momento, se encontrava diminuído na sua capacidade de exercer a condução, o que fez, como quis e logrou concretizar, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  15. Do confronto entre a factualidade não provada e a prova supra indicada, resulta que o Tribunal a quo teria de ter decidido de modo diverso, dando como provada a matéria que consta do elenco dos factos não provados, e consequentemente, condenar o arguido pelo crime que lhe vinha imputado.

  16. Todavia, sem conceder, caso assim não se entenda sempre terá que se considerar que a prova produzida em audiência impunha que, pelo menos, se desse por provado que o arguido colocou o motor do veículo em funcionamento e assim o manteve - melhor dizendo: que no dia 03 de Setembro de 2019, cerca das 08:00h, na zona de estacionamento sita do lado direito da artéria situada na Rua (…), imediatamente na rectaguarda do veículo de matrícula (…), que ali já se encontrava parqueado, o arguido ligou o motor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula (…) e manteve-o em funcionamento.

  17. Tal factualidade decorre das próprias declarações do arguido - desde o minuto 03:46 a 03:52 - pelo que, consequentemente, competia à Mm" Juiz proceder a uma alteração não substancial de factos, dispensando-se a comunicação da mesma uma vez que decorreu das palavras do próprio arguido (art. 358°, n° 2 do CPP).

  18. Consequentemente, e dando-se tal facto como provado bem como a factualidade dada por não provada nos factos 3 e 4 - pelo mesmo processo de raciocínio já exposto em 12. na medida em que tratamos do elemento subjetivo - impunha-se concluir que essa conduta do arguido enquadra a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.°, n." 1 e 69.°, n.º 1, alínea a) ambos do Código Penal porquanto, sendo a condução um acto complexo que comporta várias operações para manter o carro em circulação, e tendo o arguido ligado o motor do veículo, mantendo-o em funcionamento, executou um acto próprio do exercício de condução, apto a permitir a condução do veículo...

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