Acórdão nº 4048/17.8T9PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | FÁTIMA BERNARDES |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 4048/17.8T9PTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 4, foi submetida a julgamento a arguida (...), melhor identificada nos autos, acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alíneas a) e b), com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal.
1.2. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 29/04/2020, depositado nessa mesma data, decidindo condenar a arguida pela prática de um crime de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
1.3. Inconformada com o decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que decida pela sua absolvição, para tanto, extraindo da motivação do recurso as conclusões que seguidamente se transcrevem: «1º -Veio a Arguida condenada na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Burla qualificada, agravada pelo valor, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º nº 2 a), com referência ao art.º 202º b), todos do Código Penal.
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- Entendeu o douto Tribunal a quo, que após prova produzida e discutida a causa, resultou provada a matéria de facto constante nos 67 pontos do douto Acórdão ora em recurso, em que, se sustenta que a Arguida planeou e concretizou um esquema para enganar terceiros, fazendo-os crer que padecia de doença oncológica, e através do erro criado, os levou a actos de disposição patrimonial em seu benefício, causando prejuízo, tudo, de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
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- Para prova da factualidade subjetiva, o douto Tribunal a quo, atendeu, conforme 2º parágrafo, pág. 13 do douto Acórdão, à matéria de facto objetiva, concatenada com as regras da experiência e teor do relatório da perícia psiquiátrica, entendendo assim, desconsiderar, o relatório médico inicial que diagnosticou a Arguida, ora Recorrente com doença do foro psiquiátrico.
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- Entende a Arguida ora Recorrente, que a Perícia Psiquiátrica Médico-legal, enquanto perícia sobre características psíquicas sobre pessoas que não hajam prestado consentimento, dependem de Despacho de Juiz competente, o que, in casu, ao ser ordenada pelo Digníssimo Procurador, foi violado o disposto no nº 3 do art.º 154º do Código Processo Penal, constituindo a Perícia método proibido de prova e o relatório, prova nula, não podendo ser utilizada nos autos, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 126º do mesmo diploma já citado, nulidade que expressamente se invoca.
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- Para considerar provada a factualidade subjetiva, o douto Tribunal a quo, não se poderia apoiar nas regras de experiência comum, pois estas não se aplicam a debate e avaliação técnica e científica de sintomatologia psiquiátrica rara, nem na Perícia, por constituir método proibido de obtenção de prova, e consequentemente, o seu relatório, como prova nula e proibida, cuja nulidade expressamente se invocou, nem tão pouco, na factualidade objetiva, que sendo isso mesmo, nada concretiza de subjetivo.
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- Face à impossibilidade de se atingir, por tais vias, o preenchimento subjetivo do tipo, importava subsidiariamente, apreciar favoravelmente a prova restante e existente, in casu, e com especial relevo, o relatório médico inicial a fls. 55 e 56 dos autos, cujo diagnóstico atesta que a Arguida, naquela data, em plena coincidência temporal com os factos objeto do processo, padecia de síndrome de Munchhausen.
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- Perante a existência de relatório médico, cujo seu teor, provém de juízo técnico qualificado, sobre matéria subtraída a leigo, ainda que sujeita à luz da livre apreciação da prova, impor-se-ia, face a presunção de inocência e in dúbio pro reu, a dúvida sobre os elementos intelectuais e volitivos, cabendo por isso absolver.
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- A resposta à pergunta “poderia o douto Tribunal “a quo”, face aos elementos carreados para os autos, garantir com a certeza necessária exigida à condenação, que a Arguida, à data dos factos, estava consciente da ilicitude, agindo com culpa na sua conduta?” impunha-se negativa, porquanto, contrariando tal exigência, o douto tribunal a quo errando notoriamente na apreciação da prova e com insuficiência para a decisão da matéria de facto, violou, manifestamente, a presunção de inocência e in dubiu pro reu.
9 - A resposta à pergunta “poderia o douto Tribunal “a quo”, face aos elementos carreados para os autos, garantir com a certeza necessária exigida à condenação, que a Arguida, à data dos factos, não padeceu de síndrome de Munchhausen?” exigia-se também aqui, resposta negativa, porquanto, contrariando tal exigência, o douto tribunal a quo errando notoriamente na apreciação da prova e com insuficiência para a decisão da matéria de facto, violou a presunção de inocência e in dubiu pro reu.
10 - Face à prova carreada nos autos, o segmento decisório quanto à formação da motivação e decisão de facto, vertido no 2º parágrafo da 13ª página do douto Acórdão, deverá, para assim se sanar o erro notório na apreciação da prova, conter a seguinte redação “ Para prova da factualidade subjetiva, o tribunal atendeu à factualidade objetiva dada como provada concatenada com as regras de experiência e com o teor do relatório médico psiquiátrica a fls. 55 e 56 dos autos, de onde resulta que a arguida, padecendo de Síndrome de Munchhausen, agiu por forças compulsivas não domináveis, estando subtraída a sua liberdade de se determinar de acordo com o objetivamente licito, não podendo assim, ser responsável criminalmente por actos cuja culpa não lhe pode ser imputada ou censurada” 11 - Por força da proibição de valoração de prova nula, acrescido da valoração da prova favorável existente a fls. 55 e 56 dos autos, no qual à Arguida ora Recorrente, é diagnosticada com doença do foro Psiquiátrico, o douto Tribunal a quo, não poderia dar por provados, no que à factualidade subjetiva respeita, a matéria de facto dos pontos 4, 5, 6, 7, 21, 23, 30, 34, 40, 42, 43, 44, 47, 48, 51, 55, 56, 57, 61, 63 e 64 do douto Acórdão ora em Recurso.
12 - Cabendo, em consequência, retirar da respectiva matéria de facto, toda factualidade provada que concretiza a culpa e consciência da ilicitude da Arguida ora Recorrente.
13 - Sem prescindir, ainda que se entendesse por legal e atendível, o que só à cautela e hipoteticamente se concede, a Perícia Psiquiátrica Médico-legal foi, conforme 1ª página, último parágrafo do relatório Pericial, “efectuada (numa perspectiva médico-forense, tanto quanto possível)”, ao que acresce, o pedido do Sr. Perito, para realização de perícias complementares, nomeadamente, perícia psicológica e psicopatológica, cujo Digníssimo Magistrado do Ministério Publico, titular do Inquérito, entendeu por desnecessários, nunca vindo a Arguida a os realizar, estando mais uma vez, quartada a possibilidade de resultado favorável à Arguida ora Recorrente.
4 - O douto Tribunal a quo, erradamente, e com prejuízo para a verdade, omitiu dos pontos 47 e 48 da matéria de facto provada, que foi naquela Unidade Hospitalar que, apesar de afastada doença oncológica, a Arguida ora Recorrente foi diagnosticada com doença do foro Psiquiátrico, aliás, conforme prova documental existente nos autos desde sempre, a fls. 55 e 56, devendo em consequência ser alterada, também aí, a redação em conformidade.
15 - Entende a Arguida ora Recorrente, sustentada no disposto do art. 355 nº 1 do CPP, que faltam factos que permitissem concluir como no douto Acórdão ora em Recurso, não bastando as aparências, ou o declarado pelos Ofendidos (…) noutras fase processuais, ao crivo da prova não e pleno contraditório, para dar como provada a factualidade objetiva e subjetiva vertidas nos pontos 12, 13, 14 e 15 do douto Acórdão, assim, por não produzida qualquer prova, em audiência, no sentido de se apurar para que fim, com que intuito, motivados por que razão, (…), procederam a transferências de Dinheiro para a conta da Arguida ora Recorrente, devendo aquela matéria de facto ser considerada não provada.
16 - Apuradas que foram, as quantias entregues pelo casal britânico mencionado em conclusão anterior, aquelas fixaram-se no valor de €14.404,46 (catorze mil, quatrocentos e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), o que, por não provado, nos termos do ponto anterior, implicam subtração ao valor de €22.739,46 (vinte e dois mil, setecentos e nove euros e quarenta e seis cêntimos) constante no ponto 60 da Matéria de facto provada no douto Acórdão, devendo assim ser alterado em conformidade a corresponde redação.
17 - Operada a aritmética de subtração, deverá o ponto 60 da matéria de facto provada do douto Acórdão, conter a seguinte redação “Estimando-se num montante global nunca inferior a € 8.335,00 (oito mil, trezentos e trinta e cinco euros), modificação esta, que implicará, salvo melhor entendimento, a alteração da qualificação jurídica, por desgravação do tipo, passando a factualidade objetiva a ser punível nos termos do nº1 do art.º 218º do Código Penal.
18 - Sem prescindir da inocência e absolvição, a medida da pena, depende e relaciona-se com a culpa, que se insiste, ser desconhecida, porém entendendo-se diversamente, nunca a pena da Arguida deveria depender do espirito solidário dos Ofendidos, porquanto, tal qual prova produzida, a Arguida nunca pediu 5, 10 ou 15, pelo que, aferindo-se pela conduta dolosa, a sua quantificação no enriquecimento, permanece desconhecida, o que operada a presunção de inocência e in dúbio pro reu, importaria, a permanência no tipo simples, previsto e punido nos termos do art. 217º nº 1 do Código...
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