Acórdão nº 243/18.0GDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Central Criminal, J3 - correu termos o processo comum singular supra numerado contra: (…), atualmente em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Faro, e, (…), a quem foi imputada a prática, em co-autoria, e em concurso efetivo de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.b) do Código Penal, por referência aos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea f) do mesmo código, e de um crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, al.a) e b) do Código Penal, em conjugação com os artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, al.a) e 23.º, n.º 1 do mesmo código.

Imputando ainda apenas ao arguido (...) a prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al.g) do Código Penal.

* (…) constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra (…), pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), sendo € 190.000,00 a título de dano não patrimonial da perda da vida, € 25,000,00 a título danos não patrimoniais sofridos pela vítima no momento antes da morte e € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pela assistente.

* Por acórdão de 20 de Dezembro de 2019 foi decidido:

  1. Absolver o arguido (…) do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al.g) do Código Penal.

  2. Absolver o arguido (…) e a arguida (…) do crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2 al.b) do Código Penal, por referência aos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea f) do mesmo código, e do crime de incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, al.a) e b) do Código Penal, em conjugação com os artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, al.a) e 23.º, n.º 1 do mesmo código.

  3. Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por (…) e, em consequência, absolver os demandados (…) do pedido contra eles deduzido.

  4. Declarar perdidos a favor do Estado os papéis, fósforos, camisa, frasco de álcool, chumbo de pressão de ar, isqueiro, suporte com vela, pin com a letra V, elétrodo e zaragatoas - objetos 1210412, 1210413 e 1210439 -, e ordenar que, após trânsito em julgado se proceda à sua destruição, nos termos do disposto no artigo 156.º, n.º 7 do Código de Processo Penal.

  5. Determinar o mais que é de lei.

    * Inconformado o Digno Procurador da República interpôs recurso, com as seguintes conclusões: 1. Da conjugação de toda a prova produzida conclui-se que os arguidos cometeram os crimes que lhe são imputados; 2. O tribunal deu como provados factos que integram a prática dos crimes de homicídio qualificado, de roubo agravado e incêndio na forma tentada; 3. O tribunal balizou o período temporal em que os factos ocorreram e que o roubo também se consubstanciou aquando do homicídio, assim como o crime de incêndio tentado; 4. O tribunal deu como provado (ponto 3.) que a arguida (...) naquele período (o dos factos – 17 e 18 de setembro de 2018) tinha rendimentos da atividade de prostituição quando, na sua fundamentação, refere apenas essa eventualidade, não resultando do depoimento das testemunhas que isso sucedesse, pelo que, este facto não pode ser dado como provado; 5. Não foi dado como provado, e consta do ponto 1 da acusação, que os arguidos tinham dificuldades financeiras, quando, o próprio tribunal na sua fundamentação refere isso mesmo, pelo que se entende que deve ser aditada esta conclusão aos factos dados como provados sob o ponto 1., tanto mais que se está perante um crime de roubo, crime este que determinou um homicídio e um crime de incêndio tentado; 6. O princípio do in dubio pro reo não pode ser de aplicação automática, deve desde logo existir uma dúvida inultrapassável e terá que assentar nos depoimentos dos arguidos quando estes se afigurem verosímeis e que correspondam a uma realidade quotidiana normal; 7. Ora, para além dos depoimentos dos arguidos ser muito parcial, só responderam a uma questão, ou seja, ser muito reduzido, mesmo assim, o que disseram não pode, nuns casos, por não ser o normal do quotidiano, e noutros pela impossibilidade física resultante de uma perícia; 8. Efetivamente, quando se agarra num objeto, para ele passam as impressões digitais, e se isso não acontece, tem que existir um motivo concreto e objetivo – no caso – o uso de luvas por parte do arguido; 9. Luvas que foram encontradas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima; 10. Também o arguido (...) mentiu quanto à utilização do frasco de álcool, pois que num primeiro momento refere que era para utilizar num corte e pouco depois já refere que era para uma afeta (declarações gravadas); 11. Ora, são duas circunstâncias fáticas tão diferentes que ninguém pode ignorar que ou é uma coisa ou outra, não pode haver confusão; 12. Por outro lado, o frasco de álcool só foi utlizado após os factos – agressão - como resulta de forma inequívoca da fotografia de fls.235, o mesmo estava na cama por cima de manchas de sangue, ou seja, num primeiro momento o frasco teve que se deslocar para ali, usado (e foi – folhas queimadas junto ao corpo da vítima) e foi colocado em cima da cama; 13. E as impressões digitais, se tivesse existido, não poderiam desaparecer, uma vez que o frasco ali ficou por umas horas e foi recolhido pela Polícia Judiciária no dia seguinte; 14. Não tendo sido excluída a possibilidade do arguido ter usado as luvas apreendidas que tinham sangue (conforme exame pericial, na medida em que não foi possível realizar nenhum exame); 15. Acresce, que os arguidos não dormiram/descansaram nessa noite de 17 para 18 de setembro de 2018, conforme consta do exame às comunicações efetuadas; 16. Com enfoque, na persistência que a arguida faz através das 8 mensagens e uma chamada de voz para a testemunha de defesa – (…), entre as 20H42 e as 03H02; 17. Sem esquecer que o arguido (...) continua com esta insistência por três vezes às 07H05, 07H20 e 07H25; 18. Seguramente que não se tratava de sexo, que era o que esta testemunha afirmou em tribunal que de forma esporádica o fazia com a arguida, mas que era ele que contatava; 19. Por isso, o motivo seria outro e muito urgente, coincidente com o homicídio do (…); 20. Sobressai também dos registos das comunicações que os arguidos tiveram duas janelas temporais 22H48 a 02H42 e 02H42 a 05H18 que não contatam entre eles, e que tal está ligado ao local físico onde ambos se encontram – o mesmo; 21. Apesar de se desconhecer a proveniência do dinheiro de que os arguidos eram portadores, está documentado nos autos que os mesmos se deslocaram para Bragança e de terem pago despesas de deslocação (combustíveis e portagens) de alojamento e comida em hotéis; 22. Também está documentado que os arguidos pediam dinheiro emprestado e que passavam por dificuldades económicas, mas que após o roubo do (...) fizerem aquelas despesas que estão devidamente documentadas nos autos – fls.293, 294, 297 e 298; 23. E o dinheiro é impossível de identificar, sendo fácil para os arguidos desfazerem-se da carteira e telemóvel da vítima; 24. A prova tem que ser apreciada de forma global e não facto a facto, pois só a apreciação global permite alcançar o contributo de cada parte para o todo, e não de forma inversa; 25. Ao contrário do que se afirma no acórdão, não existe só o ADN do arguido como motivo de incriminação. Existe, sim, um conjunto de provas, a começar pelo ADN que permite concluir que foi o mesmo que matou, roubou e tentou colocar fogo na casa da vítima (...).

    Vejamos: - O ADN do arguido na garrafa de álcool; - Que só pode ter sido colocado nesse dia; - A falta de impressões digitais (pois que a ausência de uma prova que devia existir e não existe, é em si mesmo uma prova); - A existência de umas luvas com sangue a cerca de 180 metros de casa da vítima; - O facto de o arguido não ter dormido; - As suas comunicações com a arguida e a testemunha (...); - A brutalidade da agressão física na vítima (todas as fotografias, em particular de fls. 44, 45 e 238 a 242) que demonstra o emprego de força física considerável; - As dificuldades financeiras existentes antes que desapareceram após os factos; - O conhecimento que a arguida (...) tinha da vítima, da sua casa e dos seus bens; - E por isso, a facilidade em que tinha que a vítima lhe abrisse a porta à noite.

    Em suma, da conjugação de todos estes elementos – prova, é possível afirmar que a condenação do arguido não assenta só e em exclusivo na determinação do seu ADN.

    1. Da conjugação destes motivos, tendo em conta o já explanado, não deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo de forma automática e sem espírito critico, dado que o pouco que os arguidos declararam em tribunal não adequa a uma realidade quotidiana normal, sendo mesmo impossível de acontecer no que toca à inexistência de impressões digitais na garrafa de álcool. E sendo omissos na grande parte dos factos; 27. Assim, a valoração de toda a prova não pode assentar nas declarações muito pontuais dos arguidos, que, apesar de muito curtas, são falsas; 28. Nestes termos, otribunal violouoprincípioda livre apreciaçãoda prova insertonoartigo 127º do Código de Processo Penal; 29. Igualmenteo tribunal violou o disposto nos artigos 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea g), 210º, nºs. 1 e 2, alínea b) com referência à alínea f) do nº2 do artigo 204º e nº1 do artigo 203º, artigo 272º, nº1, alíneas a) e b) e artigo 22º, nº1, e 2º, alínea a) e 23º, todos do Código Penal; 30. E deste modo deve: - Ser acrescentado no acórdão sob o ponto 1. que os arguidos tinham dificuldades financeiras; - Deve ser retirado os factos dados como provados sob o ponto 3; E ainda; Deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos (...) e (...) pelos crimes que...

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