Acórdão nº 99/19.6GCPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 99/19.6GCPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 3, submetido a julgamento por acusação do MP, foi a arguida (...) condenada: - Pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, alínea a) do CP na pena parcelar de dois anos e sete meses de prisão; - Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do RJAM, na pena parcelar de cinco meses de prisão; - Em sede de cúmulo jurídico de penas na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de dois anos e nove meses, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio da DGRS, durante o tempo de duração da suspensão, com vista a permitir a reintegração da arguida na sociedade (artigo 53.º, n.ºs 1 e 3 do CP) e que deverá incidir na sua problemática ao alcoolismo.

- Na pena acessória de proibição de estabelecer contactos com a sua filha, (...), pelo período de seis meses.

- No pagamento, ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE, da quantia de 815,71 €, acrescida de juros de mora legais, contados desde a data da prestação de cuidados de saúde, até efetivo e integral pagamento.

O Tribunal a quo declarou, ainda, perdida a favor do Estado a arma apreendida.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição parcial): “1ª – O presente recurso vem interposto da sentença proferida e depositada no dia 26 de Junho de 2020, no âmbito do Processo Comum, Tribunal Singular, n.º 99/19.6GCPTM, que condenou a arguida (...), pela prática um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. d), e 2, al. a), do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, e na pena acessória de proibição de contactos com a vítima por um período de 6 meses, bem como pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. d), por referência ao artigo 3.º, n.º 2, al. g), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, numa pena de 5 meses de prisão.

    Após realização do cúmulo jurídico, foi a arguida condenada numa pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e condicionada a regime de prova da competência da DGRSP.

    1. - Analisada a sentença proferida nos autos, o Ministério Público não se pode conformar com a mesma, por duas ordens de razões.

    2. - Em primeiro lugar, porque a sentença é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que não toma qualquer posição sobre questões de que podia e devia ter conhecido, concretamente quanto às penas acessórias de uso e porte de armas e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, expressamente requeridas pelo Ministério Publico, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, e quanto à indemnização a arbitrar à vítima, nos termos das disposições conjugadas do artigo 21.º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, e do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal; 4ª - Violou, deste modo, a sentença recorrida o disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo certo que o Tribunal dispunha de todos os elementos para se pronunciar quanto a tais questões; 5ª - Na verdade, foram dados como provados os seguintes factos: (…) 6ª – Entende o Ministério Público que, ao determinar as penas concretas a aplicar, o Tribunal a quo não atendeu devidamente às circunstâncias relevantes para tal e foi excessivamente brando e benevolente para com a arguida, quer em termos concretos, quer em termos comparativos e de proporcionalidade, revelando-se as penas principais e acessória injustas, por desajustadas e insuficientes para acautelar as exigências de prevenção e as finalidades da punição.

    3. – Assim, na determinação da medida concreta da pena, refere o Tribunal a quo: «nesta conformidade, as penas concretas a aplicar à arguida serão determinadas, dentro da respectiva moldura penal, fixada no seu tipo incriminador, considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte daquele tipo de crime, deponham a favor ou contra a mesma.

      Assim, e ao abrigo do nº 2 do artigo 71º do CPP, cumpre atender: - contra a arguida - a) O grau de ilicitude: é ainda mediano, quanto a ambos os crimes (sendo de considerar, por um lado, que o crime de violência doméstica se limitou a factos ocorridos num curto período de tempo, embora com um grau de gravidade já mediano, atentos os concretos factos praticados, tendo ainda recorrido, em duas ocasiões, ao uso do bastão, e por outro o facto de, detendo a referida arma, não se limitou a detê-la, antes a tendo usado, ofendendo com a mesma a integridade física da sua filha, por sua vez, pessoa particularmente indefesa); b) carácter doloso: é de intensidade média, em ambos os crimes; c) a arguida tem antecedentes criminais, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, sofrendo pena de prisão, suspensa na sua execução, e praticou os factos no decurso do período da suspensão; d) as consequências dos seus actos: provocou lesões físicas que demandaram, à ofendida, períodos de doença, reveladores da intensidade das ofensas sofridas; - A favor da arguida - e) é primária, quanto a qualquer dos crimes pelos quais vai agora condenada; f) admitiu parte dos factos e pelos mesmos mostrou arrependimento; g) a arguida é alcoólica crónica, tendo cometido os factos sob a sua influência, sendo que o abuso do álcool transforma a arguida em pessoa mais agressiva; h) a arguida está, actualmente, afastada da sua filha.

      Em face de tudo quanto fica exposto e devidamente ponderado, afigura-se adequado punir a prática do crime de violência doméstica, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, e a prática do crime de detenção de arma proibida, na pena parcelar de 5 (cinco) meses de prisão».

    4. – Ora, analisando a fundamentação da determinação concreta da medida da pena constante da douta sentença, sobressai desde logo a ausência de qualquer referência, quer às exigências de prevenção geral, quer às exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir; 9ª - por outro lado e apesar de mencionar a maioria das circunstâncias relevantes para a determinação concreta da pena – nomeadamente as que constam do artigo 71.º do Código penal -, não lhes dá a devida importância nem extrai as consequências que as mesmas necessariamente impõem; 10ª - Desde logo porque as exigências de prevenção geral do crime de violência doméstica se revelam muito elevadas, atentas as consequências sociais e as proporções que o flagelo do fenómeno da violência doméstica tem vindo a assumir na sociedade actual, e que muitas vezes acaba por terminar na morte das vítimas (…), o mesmo se aplicando ao crime de detenção de arma proibida, sendo neste caso as necessidades de prevenção geral elevadas, considerando a perigosidade das condutas tipificadas pelo mesmo e a gravidade das consequências que pode advir da utilização de armas, bem como o inerente alarme social que tal provoca.

    5. - Por outro lado, no caso dos autos, há que salientar a gravidade da ilicitude da conduta da arguida, que é elevada (e não mediana, como refere a sentença) - que agrediu a sua própria filha que, como refere o próprio Tribunal, «apesar de ter 31 anos de idade, sofre de debilidade mental, padece de epilepsia e ambiopia grave, pelo que depende do auxílio de terceiros na condução da sua vida», e que o fez, não com as mãos ou os pés, mas com um bastão artesanal (semelhante a um bastão policial) de que se muniu – e a culpa da arguida, que também se revela elevada, assumindo a modalidade de dolo directo, que é muito intenso (e não mediano, como refere o Tribunal) - uma vez que a arguida quis praticar aqueles factos, agindo com absoluto desprezo pela saúde e integridade física da sua filha e pela sua condição de pessoa particularmente indefesa -, conhecedora que era, necessariamente, da potencialidade do bastão utilizado para praticar os factos e que a mesma detinha na sua residência, sendo certo que não se tratou de uma conduta isolada, um acto irreflectido e impulsivo, pois ficou provado que a arguida usou o bastão para agredir a sua filha em mais do que uma ocasião.

    6. - Por último, há que salientar evidentemente as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, quer pelo percurso de vida da arguida, pela sua postura perante os factos - que apenas reconheceu parcialmente - mas também e sobretudo pela circunstância de ter cometido os factos em pleno decurso da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada, por um ilícito criminal da mesma natureza mas de menor gravidade.

    7. - Assim e considerando as molduras penais abstractamente aplicáveis aos crimes em apreço e o teor da própria fundamentação para a determinação da medida concreta da pena, não podemos concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que fixou uma pena muito próxima do mínimo legal (2 anos), quando os factos foram praticados apenas 7 meses depois da sentença proferida no proc. n.º 105/17.9GCPTM, onde a arguida foi condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, numa pena de prisão suspensa na sua execução, e desatendendo a todas as outras circunstâncias supra mencionadas e às quais a medida concreta da pena deve sempre atender – a culpa com que a arguida actuou, a gravidade das circunstâncias, as necessidades de prevenção geral e especial e as finalidades da punição.

    8. - Ora, sendo a pena a aplicar à arguida pela prática do crime de violência doméstica de 2 a 5 anos, deveria o Tribunal ter condenado a arguida, pelo menos, em 3 anos e 6 meses de prisão, sob pena...

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