Acórdão nº 253/18.8GBSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum com intervenção de tribunal singular nº 253/18.8GBSLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Silves, Juiz 2, submetido a julgamento por acusação do M.P., foi o arguido (...), condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p.p. pelos Artsº 292 nsº1 e 2 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena global de € 510,00 (quinhentos e dez euros) e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): a)Foi o arguido (...) condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p.p. pelos Artigos 292.º n.ºs 1 e 2, e 69.º, n.º 1 al. a), do C. Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena global de € 510,00 (quinhentos e dez euros), como também na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 03 (três) meses e 15 (quinze) dias (art. 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal; b) Entende o arguido, ora recorrente, que a prova produzida foi mal valorada pelo Juiz a quo; c) Uma vez que não foi feita qualquer prova de que o recorrente não se encontraria em condições de conduzir com segurança, por se encontrar sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo; d) Tendo sido o recorrente transportado para o hospital e efectuado recolha de sangue para realização de exame, o mesmo deu um resultado inferior a 50ng/ml, valor de referência no Quadro 2 anexa à Portaria 902-B/2007, de 13 de Abril; e) Conforme consta no art.º16 da mencionada Portaria supra, os resultados serão considerados positivos quando os valores obtidos forem iguais ou superiores ás concentrações indicadas no Quadro 2, ou seja, superior a 50ng/ml; f) Dita o princípio in dubio pro reo que a prova tem de ser sempre valorada a favor do arguido; g) Não tendo sido produzida qualquer outra prova para além da supra mencionada contra o ora recorrente, o mesmo deveria ter sido absolvido sem mais; h) Violou, assim, salvo outro entendimento, o tribunal a quo o art.º 16.º da Portaria 902-B/2007, de 13 de Abril, bem como o art.º 40º do Código Penal, 127º do Código de Processo Penal e art.º 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá o douto acórdão, ora recorrido, ser revogado e substituído por outro que absolva o ora arguido do crime que vem acusado.

C – Resposta ao Recurso O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, tendo concluído da seguinte forma (transcrição): - O arguido foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelos arts. 292º, nºs 1 e 2, e 69º, nº 1, al. a) do CP, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena global de € 510,00 (quinhentos e dez euros).

- São elementos integradores do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópica: a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada; que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica; que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e que o agente tenha atuado pelo menos com negligência.

- Ou seja, não basta a presença de estupefaciente, substância psicotrópica ou produto com efeito análogo no corpo, sendo necessário que a mesma influencie e torne o condutor incapaz de conduzir com segurança, sendo este um facto a apurar, tal como sucedeu quando o Tribunal a quo deu como provados os pontos 5. a 8. e referiu que “da conclusão pericial de fls. 34, al. g) (…) pode assim extrair-se, por dedução cientificamente firmada, que a influência de substâncias psicotrópicas em que o arguido se encontrava diminuiu a sua destreza na condução, afectando o seu sentido de orientação e retardando os seus reflexos, facto que foi determinante para a produção do acidente, em consequência do factor de risco acrescido”.

- Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24.05.2016, no âmbito do processo nº 20/12.2PTBJA.E1, disponível in www.dgsi.pt, a prova de que o condutor se encontrava em estado de influenciado por substâncias psicotrópicas terá de ser feita por algum dos meios médico-periciais respetivamente previstos nos arts. 12.º e 13.º do Regulamento anexo à Lei n.º 18/07 de 17/5, sendo admissível lançar mão do segundo apenas quando a produção do primeiro se mostrar inviável, mas a demonstração de que o mesmo não está em condições de conduzir com segurança operar-se-á mediante a consideração de todo acervo probatório, pericial ou não.

- Conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Évora, datado de 11.07.2013, no âmbito do processo nº 109/11.5GCSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt, “não se pode fazer depender a verificação da falta de condições de segurança para a condução decorrentes do consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas de um elemento científico ou pericial que, em concreto, confirme que o agente, naquela determinada ocasião, não se encontrava na posse da totalidade das suas aptidões ou capacidades para o exercício da condução. Essa exigência, de demonstração cirúrgica, de que o condutor tinha esta ou aquela função diminuída, em função do consumo daquele tipo de produto ou substância, só assim se podendo concluir que não podia conduzir com segurança, seria, na prática, quase irrealizável, ou pelo menos, faria recair a demonstração do crime naquilo a que comummente se denomina por prova diabólica”.

- Continua o citado aresto “Não se fala aqui de estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre a condução sob o efeito de drogas no sangue e o acidente ocorrido, mas apenas de se consignar uma verdade que parece ser pouco discutível: a de que quem conduz influenciado sob o efeito de tais substâncias está a colocar em perigo, não só a sua vida e integridade física, mas também, a vida e a integridade física de todos aqueles com quem se cruza na estrada. Se assim não fosse seria incompreensível a inserção sistemática efetuada pelo legislador no que respeita ao crime em referência”.

- Ora, se a prova da influência do consumo de estupefacientes sobre o condutor terá de resultar de perícia médica, já a demonstração de que tal consumo o impedia de conduzir com segurança pode e deve, ser logrado, com todos os elementos de prova que o julgador disponha, numa valoração probatória responsável, ponderando o caso concreto e apoiando-se, como em toda a atividade jurisdicional, no conhecimento adquirido por via das regras de experiência, da razoabilidade das coisas e da normalidade da vida.

- O princípio in dubio pro reo, sendo corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (art. 32º, n.º 2, CRP), constitui princípio probatório, dirigido à apreciação dos factos objeto de um processo penal e impõe que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos imputados ao arguido, o tribunal deve decidir a favor deste.

- O tribunal decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção (cfr. art. 127º do CPP), regendo, pois, o princípio da livre apreciação da prova, o qual significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal.

- No caso em apreço, salvo melhor opinião, não há qualquer dúvida razoável e insanável: a circunstância de ter resultado apurado que o arguido embateu no veículo conduzido por (…) (que, segundo declarações da mesma, não se recorda do momento do embate, nem dos dias seguintes, tendo ficado com amnésia, na sequência do embate), numa reta com boa visibilidade, quando conduzia um veículo automóvel sob a influência de estupefacientes, apresentando, após a sua verificação, um grande nervosismo (conforme referem os Militares da GNR inquiridos), aliado à quantidade de estupefaciente já aludida, é suficientemente demonstrativo, em face da experiência comum e da normalidade das coisas, de que o mesmo não se encontrava em condições de efetuar uma condução segura.

- Mais acresce que o relatório pericial de fls. 34, esclarece, sem margem para dúvidas, qual o nível da interferência na condução da presença de 33ng/ml de 11-Nor-9-Carboxi-D9-Tetrahidrocanabinol (THC-COOH); 1,4ng/ml de D9-Tetrahidrocanabinol (THC) e 0,6ng/ml de 11-Hidroxi-D9-Tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) no sangue.

- O art. 10º da Lei nº 18/2007 de 17/5 (que aprova o regulamento de fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas) estabelece que “A detecção de substâncias psicotrópicas inclui um exame prévio de rastreio e, caso o seu resultado seja positivo, um exame de confirmação, definidos em regulamentação”. Quanto ao primeiro, que se destina apenas a indicar a presença de substâncias daquela natureza, é efectuado “através de testes rápidos a realizar em...

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