Acórdão nº 1164/17.0T9ABF.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Data14 Julho 2020

A - Relatório Em processo comum com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público acusou os arguidos: (...), pessoa colectiva n. (…) com sede na Rua (…) e (…), imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível nos termos dos artigos 30.° n. 2 do Código Penal, artigo 107.° n. 1 e 2 por referência ao artigo 105.° n. 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n. 15/2001, de 5 de Junho, respondendo a sociedade arguida nos termos do artigo 7.° n. 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

* Por sentença de 24 de Abril de 2019, o Tribunal a quo decidiu declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativamente ao arguido (...) e à sociedade (...) O Digno magistrado do Ministério Público interpôs recurso de tal decisão limitando o seu objecto à absolvição da sociedade arguida, nos seguintes termos: Termos em que deverá ser revogada a decisão proferida por violação do disposto nos artigos 30.° n. 2, 79.°, 118.° n. 1 alínea c) e 119.° n. 1 e n. 2 alínea b), todos do Código Penal, e ainda o disposto nos artigos 5.°, 105.° e 107.° do RGIT, substituindo-a por outra em que a arguida (...), seja condenada pela prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 30º n. 2, do Código Penal, e artigo 107º n. 1 e 2, conjugado com o disposto nos artigos 7º n. 1 e 105. ns. 1 e 2, todos do R.G.I.T.

Tal recurso foi considerado procedente por Decisão Sumária deste Tribunal da Relação de Évora de 18-10-2019 no âmbito do processo Proc. 1.164/17.0T9ABF.E1.

* O Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Local Criminal de Albufeira, J 2 – lavrou nova decisão em 11-02-2020 decidindo: i) Declarar extinto o procedimento criminal movido contra o arguido (...).

ii) Condenar a arguida (…) LDA. pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo um montante global de € 1.080,00 (mil e oitenta euros).

iii) Mais se condena a sociedade arguida (…), LDA. No pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.

iv) Sem custas quanto ao arguido (...).

* Mais decidira o Tribunal declarar improcedentes as questões prévias suscitadas pelos arguidos perante a arguição em contestação de que: - a acusação deveria ser rejeitada por ser manifestamente infundada, pela ausência de narração de factos essenciais, pois que não é feita qualquer referência na acusação ao período em concreto cuja responsabilidade seria do arguido (...), pois que aí se refere de Maio de 2010 a Março de 2017, dando a entender o despacho prévio que a acusação ao arguido (...) se centra no período até ao ano de 2016, pelo que não é clara da acusação, o período pelo qual efectivamente responde o arguido.

- caso assim não se entenda, deverá ser declarada não cumprida a condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, pois que o arguido (...) foi notificado para proceder ao pagamento da totalidade do valor em dívida quando existem indícios nos autos de que só terá sido gerente de direito e de facto até ao ano de 2016, pelo que deveria ter sido notificado apenas para proceder ao pagamento dos valores em dívida até esse ano e não de períodos pelos quais não é efectivamente responsável.

* Nos seguintes termos: «5.

Vieram os arguidos, em sede de contestação, alegar que a acusação deverá ser rejeitada por ser manifestamente infundada, pela ausência de narração de factos essenciais, pois que não é feita qualquer referência na acusação ao período em concreto cuja responsabilidade seria do arguido (...), pois que aí se refere de Maio de 2010 a Março de 2017, dando a entender o despacho prévio que a acusação ao arguido (...) se centra no período até ao ano de 2016, pelo que não é clara da acusação, o período pelo qual efectivamente responde o arguido.

Mais alegam que, caso assim não se entenda, deverá ser declarada não cumprida a condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, pois que o arguido (...) foi notificado para proceder ao pagamento da totalidade do valor em dívida quando existem indícios nos autos de que só terá sido gerente de direito e de facto até ao ano de 2016, pelo que deveria ter sido notificado apenas para proceder ao pagamento dos valores em dívida até esse ano e não de períodos pelos quais não é efectivamente responsável.

Por se entender estarem as questões relacionadas, em termos de solução jurídica, cuidaremos de as apreciar em conjunto.

Ora, para considerar a acusação como manifestamente infundada, sem mais, o Tribunal deve ater-se somente ao teor da mesma, pois que é esta que baliza o objecto do processo e não a qualquer despacho prévio. Assim, independentemente de considerandos prévios feitos pelo Ministério Público, a verdade é que se atribui, na acusação, a responsabilidade do arguido (...) em exclusivo desde 14 de Abril de 2004 a 20 de Agosto de 2012 e uma gerência conjunta até Março de 2017.

Note-se que a defesa alude sempre aos “indícios”, pelo que pode haver discordância quanto ao período temporal balizado, mas isso é uma questão probatória e não formal, que será averiguada nessa sede.

De igual sorte sofre a pretensão da nulidade da notificação para efeitos do artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, pois que os alegados indícios nos autos de que o arguido só terá sido gerente de direito e de facto até ao ano de 2016, são igualmente uma questão probatória.

Acresce que o apuramento do período concreto de gerência de facto do arguido (...) não terá a virtualidade de determinar a insuficiência da acusação ou a nulidade da notificação para efeitos do artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, pois que não há dúvidas que este arguido mantem a qualidade de gerente e é consabido que a notificação deve ser feita a todos os sujeitos processuais que tenham a qualidade de arguido, o que é, evidentemente, o caso do arguido. No que respeita aos períodos em dívida, e ainda que se comprove que não é responsável por todos, tal não tem a virtualidade de afastar a validade da notificação, pois que se vem entendendo “irrelevante a indicação dos concretos valores em dívida ou, pelo menos, que essa indicação seja feita com a menção correcta dos mesmos. Assim, exemplificativamente: “(…) afigura-se-nos que dessa circunstância, ou seja, da existência de uma disparidade entre os valores constantes na notificação efectuada aos arguidos nos termos do artigo 105.º, n.º4, alínea b) do R.G.IT, e os que foram, a final, considerados como relevantes para efeitos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social em causa nestes autos, não é legítimo retirar a consequência preconizada pelos recorrentes - a não verificação da condição objectiva de punibilidade. A ser assim, sempre que da prova produzida resultasse uma redução do valor considerado em dívida na acusação, haveria que concluir no sentido da não verificação da condição objectiva de punibilidade, conclusão que não pode merecer o nosso acolhimento.(…) não se podem escudar os recorrentes, em defesa do não pagamento dos valores que foram considerados como tendo relevância criminal, a circunstância de terem sido notificados para liquidar uma quantia superior que era a que constava da acusação e não se veio a provar.Não há qualquer razão, consequentemente, para não considerar validamente preenchida (…) a condição objectiva de punibilidade em relação às prestações em função das quais os recorrentes foram condenados (…)” (cfr. Ac. TRE de 3 de Novembro de 2015, Proc. N.º 546/12.8IDFAR.E1, in dgsi.pt e neste sentido idem Ac. TRP de 6 de Janeiro de 2010, Proc. N.º 130/03.7IDAVR.P1.) Assim sendo, improcedem as questões prévias suscitadas pelos arguidos.» * A sociedade arguida interpôs recurso da decisão final de 11-02-2020, concluindo: 1. No âmbito do processo supra identificado foi proferida douta sentença de que ora se recorre, no qual a aqui Recorrente estava pronunciada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido no artigo 12.º do RGIT e artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n-º 1, do Código Penal.

  1. O Tribunal a quo concluiu pela verificação da prática do ilícito penal, decidindo: ii) Condenar o arguido (…)LDA. Pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo um montante global de € 1.080,00 (mil e oitenta euros).

  2. No douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, pode ler-se que Daqui decorre, em consequência, que é revogada a decisão recorrida que declarou a prescrição do procedimento criminal e que o tribunal recorrido deverá decidir em conformidade com o direito aplicável, tal como expresso no entendimento acabado de expor.

  3. Ora, o Tribunal da Relação determina o reenvio para novo julgamento.

  4. Dos autos não resulta, pois, qualquer atribuição, após distribuição, ao Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Albufeira.

  5. Resulta, pelo contrário, que foi a mesma Magistrada que proferiu a sentença de que ora se recorre.

  6. Ambas as sentenças – a de 24/04/2019 e a de 11/02/2020 – foram proferidas pela mesma Magistrada.

  7. Em termos práticos, procede-se ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões assinaladas, mas, ressalva-se que o juiz que participou no anterior julgamento encontra-se impedido de proferir nova sentença, nos termos da alínea c), do artigo 40.º, do Código de Processo Penal.

  8. Ou seja, aquilo que se exige é que, e uma vez que não pode o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação, exista uma diferente composição humana, um diferente julgador.

  9. Nesta...

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