Acórdão nº 322/19.7PBELV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | ISABEL DUARTE |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório 1 - Na sequência da sua detenção e subsequente primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no âmbito do Proc. N.º 322/19.7PBELV, do tribunal Judicial da Comarca de Portalegre - Instância Local de Elvas - foi proferida decisão, em 20/07/2019, que, entre o mais, decidiu: - Dar como indiciada a matéria de facto constante da promoção do Ministério Público; - Que a conduta do arguido, PASG, não constitui crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º nº1 do Código Penal; - Que dos factos apresentados em relação ao arguido, não se verifica perigo grave de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas – previsto no artigo 204º c) do Código de Processo Penal; - Que não se justificava a aplicação, ao arguido, da obrigação de apresentações periódicas, bissemanais, no posto policial mais próximo da área da sua residência, sujeitando-o, apenas, a Termo Identidade e Residência. 2 - O MºPº, inconformado, interpôs recurso dessa decisão, apresentando, na sua motivação de recurso as seguintes conclusões: “1. Em relação à matéria de direito, pretende-se impugnar a decisão do Tribunal que considerou que conduta do arguido, não constitui crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347º n.º 1 do Código Penal 2. E a decisão do despacho que considerou que, tendo-se dado como indiciada a matéria de facto constante da promoção do Ministério Público, da mesma não se verifica perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas –previsto no artigo 204º c) do Código de Processo Penal
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Salvo melhor entendimento, a grande maioria da jurisprudência portuguesa considera que as “condutas de resistência activa”, atingem já o patamar de violência previsto por este tipo de crime
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Considerando que a conduta do arguido se assume claramente como um “acto de resistência activa” porque consubstanciado numa agressão física de relevo (note-se que, contrariamente ao entendido pela Mma. Juiz a quo, consideramos que uma mordidela - com danos evidenciados no inquérito para o agente da Polícia de Segurança Pública - e um soco na face, perpetrados por um homem adulto e bem constituído, são actos de violência graves e não ligeiros ou de menor importância), dirigida directamente a obstar à prática de acto funcional por parte de um agente da Polícia de Segurança Pública
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Tal conduta claramente revela-se idónea a lesar o bem jurídico protegido pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao entender de forma contrária
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Perante a factualidade dada como indiciada pelo Tribunal a quo, não podemos deixar de considerar evidente a verificação de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública
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Tal conclusão é retirada do facto de os factos terem ocorrido em localidade de pequena dimensão e situada em zona predominantemente rural, perante pequeno grupo parte da população local
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Por outro lado, considerando que o arguido atacou os mecanismos desenvolvidos pelo Estado tendo em vista manter a ordem e tranquilidade públicas e evitar a necessidade por parte dos cidadãos de recorrer à “justiça popular”, é nosso entendimento que tal actuação gerou necessariamente o perigo previsto na alínea c) do artigo 204º do Código de Processo Penal
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Não existe qualquer confusão ou desconhecimento por parte do Ministério Público no que à finalidade legal da aplicação de medidas de coacção, sendo que é nosso entendimento, conforme supra explanado, que a preservação da autoridade de órgão de polícia criminal se encontra, face às descritas circunstâncias concretas, intimamente ligada com o acautelamento do perigo grave para a ordem e tranquilidade públicas, sendo acautelado o segundo através da protecção do primeiro
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Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao considerar inexistente grave perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas
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Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada por outra que dê como indiciada a prática pelo arguido de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º n.º 1, do Código Penal e a existência de perigo grave de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, previsto pelo artigo 204º c) do Código de Processo Penal, e em consequência, aplicar ao arguido, medida de apresentações periódicas bi-semanais junto do posto policial da sua área de residência, por se considerar a mesma adequada, necessária e proporcional às exigências que se fazem sentir no caso concreto, tudo nos termos dos artigos 191º, 193º, 204º c) e 198º nº1 do Código de Processo Penal, pois só assim se fará justiça!”
3 - O arguido, após ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 411º n.º 6, do C.P.P., apresentou a sua resposta, concluindo: “I.Para o preenchimento do tipo legal de Resistência e coação sobre funcionário previsto no art. 347.º do C. Penal, relevam as características do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções, de modo que, para o preenchimento do tipo legal, é necessário um comportamento particularmente grave e adequado a dificultar ou impossibilitar a actuação do funcionário em causa; II. No presente caso, o comportamento pretensamente adoptado pelo Arguido, não foi idóneo ou adequado a impedir a atuação dos agentes da autoridade nem a dificultou de forma significativa, tanto que, o Arguido acabou por ser efectivamente detido
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Deste modo, muito bem decidiu o Tribunal a quo em não julgar indiciada a prática pelo Arguido de um crime de resistência e coação sob funcionário
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As medidas de coacção visam satisfazer exigências cautelares, processuais, que resultem da concreta verificação dos perigos previstos, no art. 204º al. a), b) e c) do CPP, devendo sempre serem respeitados os princípios da legalidade (artigos 29.º, n.º 1, da CRP, e 191.º do CPP), excecionalidade e necessidade (artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP, e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, nº 2, da Constituição. V.Ora, a pretensa conduta do Arguido não acarretou constrangimentos de maior, o Arguido é uma pessoa jovem e tem apenas uma condenação por factos ocorridos há mais de três anos
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Deste modo e salvo o devido respeito, nada na pretensa conduta ou forma de actuação do Arguido permite concluir pela existência de um previsível comportamento futuro do Arguido que exija a aplicação de uma medida mais grave que o termo de identidade e residência pela existência de um perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas
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Pelo que, o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, deve ser integralmente mantido, não merecendo qualquer reparo e consequente, ser o recurso improcedente
Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o douto despacho recorrido ser mantido integralmente, assim fazendo V. Exas. a devida e esperada, JUSTIÇA.”
4 - O Mmo. Juiz “a quo” ordenou a subida dos autos a este tribunal de recurso para ulterior tramitação. 5 - O Digno Procurador-Geral Adjunto, junto deste tribunal, emitiu douto parecer, concluindo: “QUANTO AO MÉRITO: Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a posição do Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à correcta e muito bem fundamentada argumentação oferecida pelo Dº Procurador-Adjunto, Dr. JSA, que alega exaustivamente, com sabedoria e rigor na sua Motivação e Conclusões do Recurso interposto da douta Decisão instrutória decorrente do 1º Interrogatório de Arguido Detido respeitante ao arguido PASG
Assim, sem necessidade de outros considerandos, por se mostrarem despiciendos, É PARECER do Ministério Público que o Recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado totalmente procedente.” 6 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, C.P.P
7 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II - Fundamentação 2.1 - O teor do despacho recorrido, na parte que importa, é o seguinte: “Julgo válida a detenção do arguido, porque efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 255.°, n. º 1, al. a), e 256º, n.º 1, do Cód. Proe. Penal, não tendo decorrido o prazo a que alude o artigo 254º, n. º 1, al. a), do mesmo diploma legal. O arguido no exercício do seu direito legal, optou por não prestar declarações. Não obstante não ter, assim, sido possível obter do arguido a sua versão dos factos, os factos indicados na promoção que antecede resultam fortemente indiciados dos elementos já juntos aos autos, nomeadamente dos indicados pelo M.P. na mesma peça processual. E tais factos consubstanciam a prática pelo arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º e 145º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao disposto...
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