Acórdão nº 59/16.9GFEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelSÉRGIO CORVACHO
Data da Resolução23 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 59/16.9GFEVR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, por sentença proferida em 6/11/2018, foi decidido: Julgar procedente à acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência: a) Condenar o arguido pela prática em autoria material e de forma consumada de um (1) crime de tráfico de pessoas, previsto e punível pelo artigo 160.°, n.º 1, alínea d), do Código Penal, com a aplicação do disposto no art, 16.°, nº 3 do Código de Processo Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execucão subordinada ao dever de entregar a quantia pecuniária de €1.500.00 (mil e quinhentos euros) à Cercidiana, durante o período de suspensão da pena de prisão, com comprovação nos autos do pagamento de metade no primeiro ano após o trânsito em julgado desta decisão e o remanescente até ao final do período de suspensão da execução da pena de prisão. b) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado por JLGM contra AFVF e, em consequência, condenar o demandado no pagamento da quantia de €2.700 (dois mil e setecentos euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde da presente decisão, pelos danos morais, e da quantia a liquidar em execução de sentença até ao montante máximo de €6.000,00 (seis mil euros) que vence juros desde a data de notificação do pedido de indemnização civil, pelos danos patrimoniais sofridos. c) Absolver o demandado do pagamento do demais peticionado no pedido de indemnização civil

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1. O ofendido JLGM nasceu em 28 de Junho de 1976 e sofre de perturbação do desenvolvimento intelectual/deficiência intelectual de grau moderado. 2. Tal deficiência intelectual envolve uma acentuada limitação das capacidades do ofendido de interpretar pistas, tomar decisões e percepcionar situações de risco, sendo como tal, uma pessoa vulnerável e que pode ser facilmente manipulado ou influenciado. 3. Devido a essa condição, correu termos o Processo n.º ……, Secção Civil - JL de Évora, Acção Especial de Interdição por Anomalia Psíquica, na qual foi decretada a inabilitação por anomalia psíquica de JLGM com a data de início da inabilitação reportada a 28/06/1976. 4. O arguido AFVF, familiar (primo) do ofendido, conhecia desde sempre a sua frágil condição mental. 5. Desde data não concretamente apurada mas certamente desde há cerca de dois anos e até Março de 2017, e por várias vezes, o arguido foi buscar o ofendido à porta da Junta de Freguesia de ……………………., local de trabalho deste como cantoneiro de limpezas e, através de promessa de retribuição pecuniária correspondente ou de bebidas alcoólicas, pedia-lhe que realizasse trabalhos rurais na quinta de sua propriedade denominada "Quinta do…………." sita em ……………….. 6. Nomeadamente, em data não concretamente apurada, o arguido, mais do que uma vez por semana, foi buscar o ofendido à porta da Junta de Freguesia de ………………e levou-o para trabalhar na sua quinta do ………….. 7. Nessas ocasiões, o ofendido acedeu sempre a realizar tais trabalhos rurais, como carregar às costas sacas de azeitonas e apanhar ervas. 8. Pela maior parte dos trabalhos realizados pelo ofendido na quinta do arguido, este, por vezes, entregava-lhe a quantia monetária de €5,00, outras vezes, pagava-lhe em bebidas alcoólicas, conhecendo a tendência do ofendido para o seu consumo exagerado. 9. Ainda em algumas dessas ocasiões, o ofendido, abordado pelo arguido, chegou a dizer-lhe que "não queria ir trabalhar com ele", ao que o arguido respondia "anda, anda, anda", logrando sempre transportar o ofendido até à sua quinta para a realização dos mencionados trabalhos rurais. 10. O arguido conhecia a incapacidade psíquica do ofendido e resolveu tirar partido dessa incapacidade e explorar de forma lucrativa o trabalho do ofendido que decorreu na quinta do ……………, incrementando os seus proveitos financeiros, o que conseguiu à custa do trabalho não remunerado ou pago, algumas vezes em quantias monetárias correspondentes a €5,00 (cinco euros), que lhe prestava o ofendido. 11. Bem sabendo que, devido à sua incapacidade psíquica e situação de especial vulnerabilidade, ao ofendido não reataria outra escolha real e aceitável que não a de sujeitar-se aquele abuso por parte do arguido. 12. Ao actuar como descrito, o arguido agiu sempre com o propósito concretizado de obter vantagens económicas à custa do trabalho braçal do ofendido, constrangendo-o e aliciando-o, com promessa de retribuição ou de bebidas alcoólicas, a realizar trabalhos rurais nas suas quintas, aproveitando-se da incapacidade psíquica do ofendido e revelando não possuir qualquer respeito pelo ofendido enquanto pessoa e ser humano, violando os mais elementares princípios e deveres de respeito pela vida humana e pela vida em sociedade. 13. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e penalmente punível. Condições pessoais e económicas e antecedentes criminais 14. O arguido não tem os antecedentes criminais. 15. O arguido é aposentado recebendo a título de reforma o valor mensal de €300,00 (trezentos euros). 16. O arguido é casado e a sua esposa é igualmente aposentada com valor de reforma de €300,00 (trezentos euros). 17. O arguido apenas teve um filho a quem chega a pedir ajuda financeira para os seus encargos. 18. O arguido vive em casa própria e tem a escolaridade correspondente à 4.a classe. Pedido de indemnização civil 19. Por várias vezes, depois de executar tais trabalhos para o demandado, queixava-se o ofendido de dores nas costas. 20. Foi encontrado com uma corda ao pescoço e em estado de hipotermia. 21. O demandado sabia que a sua conduta era adequada a causar-lhe sofrimento mágoa e a sentir-se alvo de grande injustiça. 22. Como consequência da actuação do demandado sofreu o ofendido sofrimento físico, mágoa e injustiça. 23. Se o demandado lhe tivesse pago os trabalhos realizados, o ofendido teria auferido quantia não concretamente apurada. *** A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados: a) Os trabalhos rurais são realizados na quinta de sua propriedade denominada "Monte………………", sita em ……………….. b) Em 7) o ofendido realizava trabalhos como carregar às costas sacas de ração para animais e tratar dos animais. c) Tais trabalhos rurais implicavam para o ofendido elevado desgaste físico, sendo considerado "trabalhos árduos". d) Ainda em algumas dessas ocasiões, o ofendido, abordado pelo arguido, chegou a dizer-lhe que "não é um tractor'. e) O ofendido JM em consequência da conduta do demandado, várias vezes teve de ser transportado à urgência hospitalar na sequência da prática de trabalhos pesados em benefício do arguido. f) O ofendido JM referiu que "estava farto de trabalhar para o …….. como um preto escravo". g) E este estado de exploração do trabalho sem a contrapartida ou com o pagamento de quantias irrisórias, levou mesmo o ofendido a pretender pôr termo à vida

Da referida sentença o arguido e demandado civil AFVF veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido, pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de tráfico de pessoas, na pena de quatro anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao dever de entregar a quantia pecuniária de de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) à Cercidiana, durante o período de suspensão da pena de prisão (nos termos melhor explicitados na douta sentença, sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo...

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