Acórdão nº 2469/18.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

J… e M… instauraram a presente acção sob a forma de processo comum, contra C… – Cooperativa Agrícola de …, CRL, pedindo a sua condenação: A. A pagar-lhes as quotas-partes a que têm direito nas Reservas Não Obrigatórias Repartíveis, nas respetivas proporções, concretamente: - 23.315,00 € (vinte e três mil, trezentos e quinze euros) para o autor; e, - 11.886,00 € (onze mil, oitocentos e oitenta e seis euros) para a autora; B. Os juros estatutários a que tiverem direito; e C. Os juros moratórios vencidos desde as datas de exclusão dos autores como cooperadores, até à propositura da acção, calculados à taxa legal, nos montantes de 2.312,30 € (dois mil, trezentos e doze euros e trinta cêntimos) e 1.178,80 € (mil, cento e setenta e oito euros e oitenta cêntimos), respectivamente para o autor e autora, bem como os juros vincendos até ao integral pagamento das quotas-partes das referidas reservas.

Em fundamento da deduzida pretensão, alegaram, em suma, que a Ré deliberou a sua exclusão como cooperadores, restituindo-lhes apenas as quotas-partes do capital inicial investido, não tendo calculado e restituído, por referência à data da exclusão, as quotas-partes dos valores reservados e pertencentes aos cooperadores excluídos, o que deveria ter feito de harmonia com o n.º 6 do artigo 26.º, conjugado com os nºs 1 e 2 do artigo 89.º ambos do Código Cooperativo em vigor – Lei n.º 119/2015, de 31/08[3].

  1. Regularmente citada, a ré contestou, defendendo que os autores não têm direito ao recebimento do que reclamam, e deduziu pedido reconvencional, impetrando a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 55.974,07 € (cinquenta e cinco mil, novecentos e setenta e quatro euros e sete cêntimos), e da autora a pagar-lhe a quantia de 27.987,00 € (vinte e sete mil, novecentos e oitenta e sete euros), pelos prejuízos que lhe foram causados pela respectiva conduta, ao deixarem de fazer entregas de citrinos à cooperativa durante 10 (dez) anos, vendendo-os a terceiros.

  2. Os autores contestaram o deduzido pedido reconvencional, pugnando pela sua improcedência.

  3. Admitida a reconvenção, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e elencados os temas da prova, procedeu-se ao julgamento da causa, tendo seguidamente sido proferida sentença julgando improcedentes os pedidos formulados pelos Autores, e o pedido reconvencional deduzido pela R., com a consequente absolvição desta e daqueles, respectivamente.

  4. Inconformados, os Autores apelaram, formulando as seguintes conclusões: «1ª – A Apelada, C… – Cooperativa Agrícola de …, CRL., é uma cooperativa agrícola de citricultores, com sede em Faro (ponto nº 1 da p.i).

    1. – A legislação em vigor é o Código Cooperativo aprovado pela Lei nº 119/2015 de 31/08, que entrou em vigor em 30/09/2015 (ponto 8 da p.i).

    2. – Os AA/Apelantes eram sócios cooperadores da Apelada sendo titulares, o 1º de 528 títulos de capital no valor nominal de 244.800$00 (1.221,06 €) e a 2ªde 288 títulos de capital no valor nominal de 124.800$00 (62,50 €) (ponto 3 da p.i).

    3. – Os Apelantes foram excluídos de cooperadores conjuntamente com mais 43 outros, por deliberação da Assembleia Geral de 23/01/2016 (ponto 4 da p.i).

    4. – Os Apelantes, em 27/04/2016, solicitaram à Apelada por carta, o reembolso dos valores nominais dos seus títulos de capital, acrescidos das quotas-partes das Reservas não obrigatórias repartíveis, constituídas, no caso concreto, pelas contas contabilísticas “Resultados Transitados”, “Excedentes de Reavaliação” e “Outras Variações de Capital Próprio”, constante da Situação Líquida ou Capital Próprio do Balanço de 2015, ou seja o Balanço anterior à data da exclusão por força do artigo 89º nº 1 e 2 do Cód. Coop. (ponto 6 da p.i.).

    5. – Em 21/04/2017 a R./Apelada reembolsou os valores nominais dos títulos atrás referidos, apenas pelos seus valores nominais, não o tendo feito em relação às quotas-partes das Reservas não obrigatórias repartíveis, nos termos do nº 2 do artigo 89º (ponto 7 e 8 da p.i).

    6. – A exclusão não é um confisco e os cooperadores excluídos não podem ser confiscados da quota-parte do Valor Patrimonial que a Apelada acumulou ao longo de anos, pelo facto de terem o seu capital aplicado na sociedade cooperativa, como em qualquer outra sociedade, e que legitimamente lhes pertence.

    7. – Tal “confisco” significaria uma dupla penalização (a acrescer à exclusão), nunca abordada em momento algum.

    8. – O valor patrimonial é representado no balanço da Cooperativa pela Situação Líquida ou Capital Próprio e que é constituída pelo Capital Social mais Reservas (lato sensu), obrigatórias e não obrigatórias.

    9. - É o reembolso das quotas-partes destas Reservas não obrigatórias, constituídas no caso concreto pelas contas com os títulos contabilísticos “Resultados Transitados”, “Excedentes de Reavaliação” e “Outras Variações no Capital Próprio”, todas com a natureza de Reservas, cuja existência é comprovada pelo Balanço de 2015 junto aos autos, que constitui a razão do pedido dos AA., 11ª - E cujos montantes são, respectivamente, 587.633,38 €, 559.951,06 € e 447.462,54 €, tudo num total de 1.595.047,54 €, o que representa o valor patrimonial repartível por todos os cooperantes, excluídos ou não.

    10. - Determinado o valor da correlação entre este montante e os valores nominais dos títulos de que os Apelantes eram possuidores, temos para cada um deles, conforme os cálculos apresentados nos pontos 13 e 14 desta peça, 23.315,00 € para o 1º A e 11.886,00 € para a 2ª A. e, 13ª – Eram estes valores acrescidos dos juros moratórios que constituíam o pedido da acção proposta no Tribunal a quo, pois os AA. ora apelantes nunca pediram o reembolso dos excedentes a que se refere o artigo 100º do Código Cooperativo.

    11. - Os AA, basearam-se desde sempre nos artigos 89º, nºs 1 e 2 por remissão do nº 6 do artigo 26º do Código Cooperativo, relativamente à exclusão de cooperantes. O nº 2 do artigo 89º é necessariamente complemento do nº 1.

    12. - Já o Código Cooperativo anterior, nos seus artigos 36º nºs 3 e 4, por remissão do nº 9 do artigo 37º se pautava pelo mesmo entendimento – atribuir o direito ao sócio excluído, do montante das Reservas não obrigatórias repartíveis (acréscimos da situação liquida sejam quais forem as suas origens ou os títulos das sua contas contabilísticas).

    13. - Ainda que assim não se entendesse, poder-se-á ainda recorrer ao direito supletivo previsto no artº 9º do Cód. Coop. (novo e anterior), ao artigo 235º nº 1 da al. a) do Código das Sociedades Comerciais, com sucessivas remissões para os artigos 241º nº 2, 105º nº 2 do mesmo Código, 17ª - E, ainda, recorrer, por analogia, ao que estabelecem os artigos 86º nº 5 e 88º do Código Coop., relativamente à demissão voluntária e ao óbito do cooperador, 18ª - E, também, ao Parecer da “C… – Cooperativa … para a Economia Social que consta dos autos (apresentado nos mesmos em 6/12/2019), que é muito claro no seu ponto 1º, ao dizer que os sócios excluídos têm direito às Reservas não obrigatórias repartíveis.

    14. - São também importantes as anotações constantes dos § 1 e 2 da nota 6 ao artigo 26º do Código Cooperativo anotado, a pág. 159, de Deolinda Meira e Maria Elisabete Ramos e já referidas nos pontos 12 e 27 desta peça, segundo as quais a exclusão não é um confisco e a não atribuição das quotas-partes nas reservas em causa constitui uma sanção adicional à exclusão e uma quebra com o regime estabelecido no C. Coop. de 1980.

    15. – Constitui fundamento do recurso a contradição entre a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julga a acção improcedente e o relatório da sentença na rubrica “Do direito ao reembolso” (3º parágr. da 5ª folha desta rubrica), que reconhece e confirma que os AA. têm direito às reservas não obrigatórias repartíveis e a não valoração, como prova documental, do ponto 1 do parecer da CASES.

    16. – Os AA. não causaram qualquer prejuízo nem perdas à R., conforme foi provado na audiência de julgamento, pelo que não há lugar a qualquer compensação pelos AA. à Apelada.

    17. – A douta sentença violou o disposto nos artºs 26º nº 6 e 89º nºs 1 e 2 do actual Cód. Coop. e, supletivamente, os artºs 235º nº 1 al. a), com sucessivas remissões para os artigos 241º, nº 2 e 105º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, aplicáveis com base no artº 9º do Cód. Cooperativo.

    18. – Os AA. têm direito a receber as respectivas quotas-partes nas reservas não obrigatórias repartíveis nos montantes de 23.315,00 € para o A. J… e 11.886,00 € para a A. M…, bem como os juros moratórios pedidos, já vencidos desde a data da exclusão e os vincendos até integral pagamento das correspondentes quotas partes nas reservas pedidas, a calcular à taxa legal».

  5. A Ré contra-alegou, usando da faculdade que o artigo 636.º, n.º 2, do CPC, lhe concede, impugnando parcialmente os pontos 14 e 29 da matéria de facto, que considera deverem ser modificados nos termos por si propostos, e pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

  6. Observados os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, vistos os autos, as únicas questões que importa apreciar no presente recurso, consistem em saber se deve ser modificada a matéria de facto nos termos preconizados pela Apelada; e se os Apelantes, na sequência da sua exclusão da cooperativa, têm ou não direito às reservas não obrigatórias repartíveis, calculadas de...

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