Acórdão nº 287/08.0JELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1.1 - No Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular n.º 287/08.0JELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Competência Genérica do Cartaxo - o arguido, LMVMO, melhor identificado nos autos supra referenciados, foi julgado, tendo sido proferida, a decisão seguinte: “1. Condeno o arguido…, pelo crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 21.° e 25.°, al. a) do Decreto-Lei n." 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão. 2. Condeno o arguido nas custas, nos termos do disposto nos artigos 513.° e 514.°, n." 1 do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, a procuradoria em 1/4 e em 1 % da taxa de justiça, nos termos do Decreto-Lei n." 423/91 de 30 de Outubro. (…)” 1.2 - O arguido, inconformado, com essa sentença, dela recorreu, tempestivamente, apresentando, na sua motivação, as conclusões seguintes: “1 - O Arguido, ora Recorrente, foi condenado por Sentença, proferida em 13 de Novembro de 2009, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º e artigo 25.º, alínea a) do DL 15/93 de 22 de Janeiro

2 - Todavia, o Arguido/Recorrente não pode conformar-se com esta decisão, motivo pelo qual vem interpor o presente Recurso

3 - Analisando o conteúdo da douta Sentença, verifica-se que a mesma padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada em virtude de ter omitido diligências que poderiam revelar-se essenciais para a descoberta de verdade (cfr. consta no artigo 120.º, n.º2 alínea d) e no artigo 410.º, 2 alínea a) ambos do Código de Processo Penal

4 - Entende-se que ao inexistirem, na referida decisão, quaisquer elementos que pudessem expressar as condições pessoais do Arguido e, partindo do princípio de que os mesmos poderiam e deveriam ter sido apreciados, uma vez que a sua relevância se reflete diretamente na formulação de um juízo seguro de condenação e, consequentemente, de determinação exata da mesma, é inevitável concluir que o Tribunal a quo não esgotou, como devia, os poderes de investigação a que está adstrito, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º1 do Código do Processo Penal

5 - Ora, relativamente às circunstâncias pessoais do Arguido, nada foi provado além da informação que consta no seu certificado de registo criminal

6 - Face à ausência do Arguido na data designada para a realização da Audiência de Julgamento (09-11-2009), o Tribunal a quo considerou que o mesmo tinha sido devidamente notificado para a morada constante do TIR e que, atendendo ao crime em causa, a sua presença não se afigurou imprescindível desde o início da referida diligência, tendo sido julgado na ausência

7 - Acontece que a Audiência de Julgamento foi encerrada logo na primeira data e foi designada outra para se proceder à leitura da Sentença

8 - Nos autos nada consta sobre o Arguido nem mesmo foi solicitada a elaboração de qualquer relatório social para aferir quais as condições pessoais do mesmo, designadamente no que respeita a personalidade, o enquadramento familiar, a inserção laboral, a situação económica e financeira, o nível de escolaridade e formação profissional, e a conduta anterior e posterior à prática dos factos

9 - O Tribunal a quo desconhecia, na totalidade, quais seriam as condições pessoais do Arguido e não cuidou de colmatar este “desconhecimento”, apesar de já ter em seu poder a informação de que o mesmo se encontrava em liberdade desde 23-10-2008 (cfr. ofício do Estabelecimento Prisional de Alcoentre de 09-03-2009 – fls. 82)

10 – Salvo o devido respeito, entende-se que, perante a situação concreta, era exigível que o Tribunal a quo tivesse cumprido, na íntegra, os poderes de investigação que lhe competem (cfr. artigo 340.º, n. º1 do Código do Processo Penal)

11 - Contudo, tal não se verificou, tendo o Tribunal a quo encerrado a produção de prova sem ter, pelo menos, tentado obter qualquer informação sobre o Arguido que seria relevante para a boa decisão da causa, especificamente no que respeita a escolha e determinação da medida concreta da pena, em conformidade com o disposto no artigo 71.º do Código Penal

12 - Ora, tendo o Tribunal a quo proferido uma decisão condenatória baseando-se, única e exclusivamente, na informação pessoal do Arguido que constava no certificado de registo criminal do mesmo, junto aos autos, pode tal decisão não só ter prejudicado a averiguação da verdade material, uma vez que não esgotou todas as possibilidades recolher os factos relevantes para a causa, mas também ter influenciado uma eventual ponderação da decisão final

13 - A omissão de diligências, que podiam ter-se revelado essenciais para a descoberta da verdade material e, consequentemente, para a determinação da sanção, ferem a Sentença ora recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto provada (cfr. artigo 410.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal), verificando-se a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 alínea d) do Código de Processo Penal

14 - Como consequência, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida e ordenado o reenvio dos presentes autos para reabertura da Audiência de Julgamento, restrita ao apuramento das condições pessoais do Arguido, ora Recorrente, e à escolha e determinação da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 426.º e 426-A.ª ambos do Código de Processo Penal

NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve ser dado total provimento ao presente Recurso e, consequentemente, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida e ordenado o reenvio dos presentes autos para reabertura da Audiência de Julgamento, restrita à matéria da escolha e determinação da pena, que envolverá o apuramento dos factos relativos às condições pessoais do Arguido, ora Recorrente, assim se habilitando o Tribunal a quo a proferir uma decisão sobre a pena, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!”

1.3 - O Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal “a quo”, apresentou a sua resposta ao recurso, concluindo: “Constituído arguido durante o inquérito e, nessa qualidade interrogado, o arguido prestou Termo de Identidade e Residência (TIR) no dia 18/09/2008, a fls. 28

Estava assim o arguido perfeitamente ciente, desde aquele dia 18/09/2008, que: i) neste Tribunal corria o presente processo; ii) da factualidade que lhe era imputada, iii) das obrigações decorrentes do TIR (desde logo, a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado) e que iv) o incumprimento das referidas obrigações legitimava a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tinha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º do CPP – cf. artigo 196.º do citado código

Designada a data para a realização do julgamento, o arguido foi notificado na morada que tinha indicado no TIR, por prova de depósito – cf. fls. 101 e 105

O arguido não apresentou contestação, não indicou provas e não compareceu no julgamento

Foi julgado na ausência com o acordo de todos os sujeitos processuais, por o Tribunal a quo ter considerado que a sua presença desde o início do julgamento não era imprescindível – cf. acta da audiência de julgamento de fls. 110-111

Finda a produção da prova indicada pela acusação, nada mais tendo sido requerido ou ordenado, nomeadamente a convocação do arguido ou a produção de prova sobre as suas condições pessoais, a discussão foi encerrada com designação de data para a leitura da sentença, tudo na presença e com a anuência da sua ilustre defensora oficiosa

Foi também a sentença lida na ausência do arguido – cf. a acta da audiência de julgamento de fls. 119-120

Na fase processual subsequente, a notificação da sentença ao arguido demorou quase 10 anos

E isto porque: Ao longo de vários anos, pese embora as diligências efectuadas, não foi possível encontrar o arguido e notificá-lo pessoalmente da sentença, até que foi comunicada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros a sua localização em Espanha, cf. fls. 236 – porém, a carta rogatória enviada para o notificar não o encontrou naquela morada, onde aliás ninguém sequer o conhecia, isto é, o arguido mentiu desmesuradamente sobre a sua verdadeira morada - cf. fls. 250 e seguintes

O Tribunal a quo não deixou de continuar a diligenciar pela notificação pessoal da sentença ao arguido, mas sem qualquer resultado, é isso o que resulta de fls. 255 e seguintes

Finalmente, enfatize-se, quase 10 anos depois, a sentença foi notificada ao arguido, mas apenas porque o mesmo foi fiscalizado pelas autoridades espanholas que disso deram notícia ao gabinete SIRENE e não porque se tenha apresentado voluntariamente perante o Tribunal a quo – cf. fls. 312

Feita esta breve síntese das infinitas vicissitudes processuais para localizar o arguido e notificá-lo pessoalmente da sentença proferida nos presentes autos, como se disse supra, …, importa, portanto, concluir (e destacar) que aquando o julgamento o tribunal a quo estava impossibilitado de averiguar as condições pessoais do arguido, não podendo nomeadamente ordenar a realização de relatório social com informações pertinentes recolhidas junto do arguido ou familiares

Naquele momento (julgamento), como vimos, não só a morada indicada no TIR não correspondia à residência do arguido, como ele se desinteressou por completo do julgamento e se ausentou dessa morada, tornando impossível a sua notificação por quase 10 anos

Este facto é de suma importância e não permite, portanto sem mais, as conclusões a que o arguido chegou

Não ignoramos que a jurisprudência maioritária tem afirmado que a omissão na sentença dos factos relevantes para a determinação da pena pode gerar o vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea...

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