Acórdão nº 4771/17.7T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução10 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido MM, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de propagação de doença, p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP).

CC deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de €32.757,09, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação para contestar até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos como consequência directa e necessária da actuação do arguido.

O arguido não apresentou contestação, mas arrolou uma testemunha.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se: - julgar a acusação parcialmente provada e procedente e, em consequência: - absolver o arguido da prática do crime de propagação de doença, p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a), do CP; - alterando a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144.º, alínea c), do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de 4 anos e 6 meses, subordinada a regime de prova, orientado para a consciencialização do mal do crime e ao cumprimento pelo arguido das seguintes obrigações: - manter ocupação laboral; - depositar à ordem dos autos a quantia global de €10.000 (dez mil euros) no período da suspensão por conta da indemnização devida a CC, comprovando trimestralmente o depósito da quantia mínima de €400 (quatrocentos euros) e justificando eventuais incumprimentos até ao termo do trimestre respectivo; - manter-se contactável pelo Tribunal e pelos técnicos da DGRSP durante o período da suspensão e fornecer as informações e documentos que lhe sejam exigidos; - sujeitar-se a acompanhamento por parte dos técnicos da DGRSP e aderir ao plano de reinserção social que vier a ser elaborado e homologado.

- julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC parcialmente provado e procedente e, em consequência: - condenar o demandado MM a pagar-lhe a quantia de €2.666,67 (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros legais desde a notificação para contestar até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais, absolvendo-o do demais peticionado a este título; - condenar o demandado MM a pagar-lhe a quantia de €30.000 (trinta mil euros), acrescida de juros moratórios desde a decisão até efectivo e integral pagamento a título de danos não patrimoniais.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: I. A matéria de facto dada como provada e constante do ponto 4., 5., 6., e 32 dos factos provados mostra-se incorrectamente julgada.

  1. Face à prova produzida, designadamente pelo conteúdo do relatório social (fls 282 e 283 dos autos) e pelas declarações prestadas pelo arguido, e pela testemunha Dra. AP, gravadas respectivamente no Ficheiro áudio 20190326142143_4011875_2870889 e no Ficheiro áudio Ficheiro áudio 20190411142419_4011875_2870889, já transcritas, a referida matéria de facto impugnada deve: a. O ponto 4. da matéria de facto deve ser alterado e do mesmo deve passar a constar que “No período compreendido entre o mês de dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, em diversas ocasiões e normalmente com periodicidade bi-semanal o arguido manteve relações de cópula completa com CC”; b. O ponto 5. da matéria de facto deve ser dado como não provado; c. O ponto 6. da matéria de facto deve ser dado como não provado; d. A matéria do ponto 32. da matéria de facto dos factos provado deve ser dada como não provada e substituída pela seguinte matéria provada: “O arguido mostrou-se colaborante, dando um relato coerente e aparentemente honesto do seu historial de vida. Mostrou-se emocionalmente sensível e com capacidade para viver as emoções dos outros. Assumiu crenças adequadas quanto a comportamento socialmente desajustados bem como juízo critico dos bens jurídicos em causa no âmbito do presente processo. Revelou especial censura quanto ao crime de propagação de doença insistindo nos cuidados que devem ser tomados em situações semelhantes à sua”.

  2. Face à alteração da matéria de facto que deve ser dada como provada e não provada não se mostra preenchido o qualquer tipo legal de crime pelo que o arguido deve ser absolvido.

  3. Mesmo que a matéria de facto não devesse ser alterada, não se verifica a existência de dolo eventual na transmissão do vírus HIV através de contactos sexuais não protegidos por pessoa infectada.

  4. Não existindo dolo eventual e muito menos dolo directo, não se mostra preenchido o tipo legal de crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. no artigo 144, al. c) do Código Penal pelo que sempre dele deveria o recorrente ter sido absolvido.

  5. O recorrente não cometeu qualquer facto ilícito passível de indemnização pelo que deve ser absolvido do pedido de indemnização civil.

  6. Mesmo que o recorrente tivesse cometido o ilícito de que vem acusado os danos não patrimoniais sofridos pela demandante não justificam o valor indemnizatório arbitrado, devendo, em termos de equidade, ser fixados, atento o disposto nos artigos 494º e 496, n.º 4 do Código Civil, em montante de cerca de 7.500€.

  7. A pena aplicada de 4 anos e 6 meses, atento o grau de culpa e a gravidade da situação, bem como as demais circunstâncias a que alude o artigo 71º do Código Penal, mostra-se excessiva, devendo ser reduzida para pena não superior a 2 anos e 6 meses.

  8. As condições impostas para a suspensão da execução da pena de prisão mostram-se feridas de irrazoabilidade por serem impossíveis de cumprir pelo arguido, razão pela qual devem ser revogadas.

  9. Mostram-se violadas pela douta sentença recorrida, entre outras, as disposições do artigo 144º, al c), 71º, 50º e 51º, todos do Código Penal, bem como os artigos 494º e 496, n.º 4 do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a douta sentença revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 144º, al. C) do Código Penal de que vinha acusado e do pedido de indemnização civil contra si formulado.

E caso assim se não entenda, sempre a pena a aplicar ao arguido deverá ser reduzida para 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução sem sujeição ao pagamento das quantias indemnizatórias e dever de manutenção de trabalho, bem como a redução da indeminização cível por danos não patrimoniais para o montante de cerca de 7.500€, com o que se fará a costumada JUSTIÇA! O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”; 2. O tribunal apreciou e valorou correctamente as provas produzidas e examinadas em audiência à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal; 3. Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, e 32.

  1. Os factos objetivos resultaram das declarações da ofendida CC que foram sinceras e corroboradas pelas declarações da Drª AP, médica do arguido, CM e AB e dos documentos juntos a fls. 318, 329, 353 a 355 e 381.

  2. Em contraponto, as declarações do arguido foram contrariadas, desde logo, pelas prova documental e as declarações da sua médica assistente.

  3. O ponto 6 e 32 dos factos provados resultam da postura do arguido e da prova dos factos objectivos do ponto 1 a 5 considerados como provados pela Tribunal.

  4. A convicção a que doutamente chegou o julgador escorou-se na prova efectivamente produzida em julgamento, cujo raciocínio, ou iter mental, foi completo e devidamente justificado e exteriorizado com clareza na sentença.

  5. A pena é justa, adequada, não excede a medida da culpa nem é impossível o arguido incumpri-la, tendo em conta que o arguido aufere cerca de 750 euros mensais, não tem encargos com habitação e apenas suporta pensão de alimentos no valor mensal de 250 euros.

  6. Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais.

    Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª “a quo” na douta sentença sindicada, julgando o recurso interposto pelo recorrente improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.

    Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido da improcedência do recurso.

    Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  7. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995, Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48, e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

    Assim, delimitando-o, reside em apreciar: A) - da impugnação da matéria de facto; B) - da consequente absolvição; C) - da medida da pena; D) - da absolvição/redução da indemnização.

    Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida: Factos provados: Com relevo para a decisão da causa, resultaram...

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