Acórdão nº 419/16.5GBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo comum singular em referência, oriundo do tribunal judicial da comarca de Faro, foi a arguida MG condenada pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artºs 69º, nº 1, al. a) e 137º, nº 1, ambos do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de um ano, com a condição de a mesma pagar no prazo de seis meses, o montante de € 500,00 ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.

Foi ainda condenada a pagar ao Centro Hospitalar do Algarve o montante indemnizatório de € 379,71, acrescido de juros.

A arguida, inconformada com tal condenação, recorreu, tendo terminado a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida condenou a arguida MG pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível, pelas disposições conjugadas dos arts.º 69.º, n.º1, al. a) e 137.º nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão a qual, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts.º 2º, nº 4, 50º, 51º, nº 1, alínea c) todos do Código Penal, suspendo na sua execução, pelo período de 1 (um) ano, sujeita à condição da arguida, no prazo de seis meses, entregar o montante de € 500,00 (quinhentos euros) ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão devendo comprovar tal nos autos e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano e no pagamento da taxa de justiça, a qual fixo em duas UC’s e, ainda, nas demais custas do processo. E foi julgado totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar do Algarve, E.P.E., pelo que, condeno a arguida/demandada civil a pagar-lhe o montante de € 379,71 (trezentos e setenta e nove euros e setenta e um cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor e que é, actualmente de 4%, vencidos desde a notificação à arguida/demandada civil para contestar o referido pedido de indemnização civil e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

  1. A arguida ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida desde logo porque se considera que estamos perante um vício de insuficiência da matéria dada como provada.

  2. O tribunal “a quo” concluiu que a arguida apesar do encandeamento pela luz solar para além de ter desacelerado a marcha imprimida ao veículo automóvel por si conduzido, não adoptou qualquer outro comportamento por forma a minimizar os efeitos de tal encadeamento solar (v.g. baixar a pala interior do automóvel; usar óculos escuros; adaptar/ajustar a posição da condução), porém tal conclusão não se encontra alicerçada na matéria de facto dada como provada e como não provada.

  3. Dado que nem dos factos dados como provados nem dos factos dados como não provados consta que a arguida baixou a pala do interior do automóvel; usava óculos escuros; adaptou/ajustou a posição da condução.

  4. O que faz com que a matéria de facto provada seja insuficiente para a condenação, situação que é subsumível ao artigo 410.°, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, devendo a sentença recorrida ser revogada por insuficiência da matéria de facto dada como provada.

  5. Sem prescindir, os factos provados n.º s 2, 3, 4 e 5 encontram-se mal julgados e mal apreciados.

  6. O facto provado n.º 4 encontra-se em contradição com os factos dados como provados n.º 6, 9, 10 e 11 pois se resulta do facto provado n.º 4 que atenta a posição e trajetória da arguida à data e hora do embate era suscetível de provocar o encandeamento, não podendo ser dado como provado nos factos 6, 9, 10 e 11 que a arguida conduzia desatenta, de forma descuidada e incauta e que actou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

  7. Aliás, resulta e bem dos factos dados como não provados n.ºs 4 e 9 in fine que a arguida foi encandeada pela luz solar e que nessa sequência desacelerou a marcha imprimida ao veículo por si conduzido.

  8. Ao que acresce que não resulta nem dos factos dados como provados, nem dos factos dados como não provados que a arguida tenha violado o dever de cuidado, ou que tenha procedido com o cuidado a que estava obrigada ou que não tenha usado óculos escuros de sol, baixado a pala, ajeitado o banco de modo a permitir melhor a visibilidade face ao encadeamento súbito e inopinado.

  9. Na esteira daquele que tem sido o entendimento da nossa jurisprudência nomeadamente do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 9110350, datado de 27-02-1991, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário ora se transcreve: “Dizendo-se na sentença que "o arguido encandeou-se com o sol ", tal expressão apresenta-se, no contexto da decisão, como demasiado genérica e não concretiza devidamente o encandeamento e os seus efeitos, interessando averiguar: o momento e intensidade do mesmo, se antes o arguido já tinha avistado o outro veiculo, qual a reacção do arguido perante o encadeamento -se parou, reduziu a velocidade, se guinou para a esquerda ou para a direita -se o encandeamento surgiu de subito e inesperado e o ponto do embate, para o que se anula o julgamento e se determina o reenvio do processo para novo julgamento.”.

  10. A verdade é que dos factos dados como provados n.º 4 e 9 resulta que a arguida foi encandeada pelo sol, não tendo sido concretizado mais nenhum facto sobre a postura adoptada.

  11. Sendo o próprio facto dado como provado n.º 9 contraditório poi é referido que a arguida não adoptou qualquer postura que lhe permitisse minimizar os efeitos do encadeamento solar, constando da mesma linha do facto dado como provado n.º 9 que a arguida desacelerou a marcha imprimida ao veículo automóvel por si conduzido, o que significa que a arguida quando inopinadamente foi surpreendida pelo encandeamento solar reduziu a velocidade, tendo adoptado uma postura para minimizar os efeitos desse mesmo encandeamento.

  12. O que faz com que estejamos assim perante um vício de contradição insanável da matéria de facto dada como provada, isto é, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente entre si e ainda, com os factos dados como não provados e com a fundamentação da decisão.

  13. O que faz com que para além de uma contradição insanável entre os factos provados, conforme dispõe o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do C.P.P.

  14. Pelo que se pode concluir que os factos dados como provados n.ºs 4, 6, 9 e 10 se encontram incorrectamente julgados por serem contraditórios entre si e estão os mesmos em contradição com a decisão proferida, conforme dispõe o artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) do Código de Processo Penal.

  15. O erro em questão, quando resulta da decisão recorrida, constitui vício que implica a anulação daquela e o reenvio do processo para novo julgamento.

  16. Tendo igualmente sido violados os princípios da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal e o princípio in dúbio pro reo previsto no artigo 32.º da nossa constituição.

  17. Ao que acresce que o tribunal “a quo” ao julgar que se verificou o tipo de culpa negligente violou o vertido no artigo 15.º do Código Penal e bem assim a nossa jurisprudência dominante.

  18. Pese embora se considere do supra exposto que o tribunal “a quo” se alicerçou factos que não foram provados nem discutidos, conforme supra já melhor referenciamos, e que a arguida não violou norma, regra de cuidado ou criou um risco juridicamente proibido.

  19. Andou mal o tribunal “ a quo” ao julgar que se verificou o tipo de culpa negligente em virtude de a arguida não ter procedido com o cuidado devido a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz.

  20. Pois no presente caso concreto não estamos perante a violação de nenhum dever objectivo de cuidado, nem perante a produção de um resultado danoso que a agente pudesse ou devesse prever, nem o resultado desvalioso se pode imputar à violação do dever de cuidado por parte da arguida, aqui recorrente.

  21. Aliás resulta da nossa jurisprudência que se um condutor de um veículo é encandeado pelo sol imediatamente antes da eclosão do acidente, deixando de avistar o espaço visível à sua frente, não lhe é exigível que reduza a velocidade ou faça parar o veículo, citamos a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 20/09.0TBAVV.G1, datado de 06-01-2011, disponível em www.dgsi.pt.

  22. E o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1068, datado de 1611-1988, disponível na Col. Jur., ano XIII-1988, tomo V, pág. 95, cujo sumário ora se transcreve: “I – A negligência grosseira – art. 136.º, n.º 2 do C.P. – consiste em não se tomarem as precauções aconselhadas pela previsão mais elementar, ou em adoptar uma conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza.

    II – Não revela negligência grosseira a conduta do agente condutor de automóvel que, por encandeamento solar e brilho da estrada, e por falta de cuidado, colide com ciclista circulando no mesmo sentido, ao ultrapassá-lo.”.

  23. Impõe-se ainda subjectivar o dever de cuidado, estabelecendo um nexo psicológico entre o agente e o facto que é consequência da violação do dever de diligência.

  24. Mas para tal - para aferir essa possibilidade de previsão - importa determinar qual o cuidado especifico que a arguida não cumpriu, que podia ter cumprido e era adequado a evitar o resultado.

  25. Ora no caso em apreço, dos factos provados, sabe-se apenas que a arguida se encandeou com a luz solar e que reduziu a velocidade daí resultando a morte da vítima que seguia na estrada com o velocípede, sem capacete e sem colete reflector ou qualquer elemento sinalizador.

  26. No entanto não é seguro, sem mais, que dai possa extrair-se a ilação de que a arguida, aqui Recorrente procedeu culposamente.

  27. Ficando desde...

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