Acórdão nº 382/18.8GESLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido MM, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e, remetidos para julgamento, proferiu-se despacho, no Juízo de Competência Genérica de Silves do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que, ao abrigo do art. 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea d), por referência ao art. 1.º, alínea a), ambos do Código de Processo Penal (CPP), rejeitou a acusação e determinou o arquivamento.

Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões: 1º Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho pelo qual foi decidido rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Publico por esta se mostrar manifestamente infundada, ao abrigo do disposto pelo art. 311º, nº2, al. a) e nº 3, al. d), do C.P.P.; 2º Ora, “manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais”.

(Ac. da Relação de Lisboa de 16.05.2006, disponível in www.dgsi.pt); 3º O M.mo Juiz recorrido considerou a acusação manifestamente infundada, por dela não constarem factos que preencham o elemento subjectivo do crime; 4º Discorda-se desse douto despacho porque, conforme resulta dos pontos 5º, 6º e 7º da acusação, dela constam os seguintes factos: a) O arguido quis intimidar a ofendida, o que conseguiu, tendo esta ficado coarctada na sua liberdade de acção; b) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente; c) Bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que a mesma era punida por lei; 5º Não extrair estes factos da acusação é uma conclusão absurda, abusiva, não correspondente com a realidade dos factos, fazendo-se, por essa via, tábua rasa do que ali vem descrito; 6º A acusação não só não é completamente desprovida de factos, de forma clara e evidente, como também se verifica que da mesma constam factos que preenchem, de forma suficiente e bastante, o elemento subjectivo; 7º Destes factos, que constam da acusação, resulta que o arguido representou os factos, e resolveu praticá-los, não restando dúvidas que se encontram alegadas na acusação a vontade e a intenção do arguido de cometer o crime que lhe vem imputado; 8º Por último, temos para nós que cabe ao juiz de julgamento apurar a verdade material dos factos, e não cingir-se a uma visão formal do objecto da acusação; 9º O que o Juiz não pode é antecipar-se ao julgamento, como fez o M.mo Juiz a quo – “o mérito da acusação só em julgamento pode e deve ser apreciado” (Acs. da Rel. Coimbra de 27.04.1994 e de 15.02.1995, in BMJ 436 e 444, págs. 455 e 721, respectivamente); 10º Termos em que, decidindo como decidiu, o M.mo Juiz recorrido violou o disposto pelo art. 311º, nº 2, al. a), e nº 3, al. d), do C.P.P.

Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto despacho ora recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que determine a remessa dos autos para julgamento, com a designação de data para realização da audiência de julgamento.

O recurso foi admitido.

O arguido não apresentou resposta.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a argumentação do recurso e no sentido que o despacho recorrido seja alterado conforme proposto.

Foi observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2.

FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.

Assim, reside em apreciar da alegada violação do art. 311.º do CPP, ao ter sido, pelo despacho recorrido, rejeitada a acusação.

* No que ora releva, consta do despacho recorrido: O Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido MM imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo art. 153.º, n.º 1, do Código Penal.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 153.º do Código Penal, comete o crime de ameaça simples, quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

Trata-se de um tipo de crime que visa proteger a liberdade individual de cada pessoa, punindo comportamentos que possam afectar a liberdade de decisão e de acção individual nas suas mais variadas dimensões, devido à sensação de medo, insegurança e perturbação provocadas na vítima com a dedução das ameaças.

O tipo objectivo do crime consiste, assim, em ameaçar outra pessoa, ou seja, comunicar, por qualquer meio, a resolução de causar um mal futuro, dependente da vontade do autor, que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

Exigindo-se, ainda, que tal ameaça seja adequada a provocar no sujeito passivo medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

No entanto, resulta do disposto no art. 13.º do...

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