Acórdão nº 4201/19.0T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | JOÃO AMARO |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Por decisão proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a sociedade “S ….., S.A.”, foi condenada numa coima no montante de € 12.000,00 (doze mil euros) pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, p. e p. pela al. e) do nº 2 do artigo 111º do D.L. nº 127/2013, de 30/08
Inconformada com a decisão proferida pela entidade administrativa, a sociedade arguida interpôs recurso para o Juízo de Competência Genérica do Entroncamento (Juiz 2), onde, como “Recurso de Contraordenação”, recebeu o nº4201/19.0T8ENT
Admitido o recurso, realizada a audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, foi mantida integralmente a decisão da autoridade administrativa
* Inconformada com a referida decisão judicial, recorreu a arguida, extraindo da sua motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1.º O volume mensal de consumo de água previsto na Licença Ambiental n.º …./2006 de “1250m3” (vide os pontos 10. e 20. da matéria de factos considerada provada) não corresponde a um limite mensal “máximo” de consumo, nos moldes que foram interpretados pelo Tribunal a quo, como se passa a demonstrar especificadamente
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A jurisprudência do STA é, de resto, pacífica, ao afirmar que “na interpretação do ato administrativo deverão considerar-se, sem prevalência teórica de qualquer deles, os seguintes elementos; a literalidade da manifestação da vontade, as circunstâncias que rodearam a sua prática, o pedido formulado e o tipo legal de ato”
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A Licença Ambiental n.º …./2006 não poderia ter estabelecido qualquer “limite máximo” mensal de consumo no valor de “1250m3”, porque “a literalidade da manifestação da vontade, as circunstâncias que rodearam a sua prática, o pedido formulado e o tipo legal de ato” não permitem tal interpretação deste ato administrativo
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A Licença Ambiental n.º …/2006, junta aos autos de fls. 625 a 684, em concreto na página 5 de 59, no seu ponto 3.1.3.1, refere, sobre a epígrafe “água” que (…) “é autorizada a utilização do domínio hídrico para a captação subterrânea (…), de acordo com as seguintes condições: -profundidade: 30m; potência de bombagem: 2,95 Cv (1 bomba submersível); caudal máximo instantâneo: 2,8 l/s; volume mensal: 1250m3/mês; No primeiro RAA deverá ser incluída a cópia do relatório de pesquisa da captação subterrânea. Caso haja qualquer alteração nas condições acima referidas, deverão ser as mesmas comunicadas ao IA em 3 exemplares” (cfr. ponto 20. da matéria de facto considerada provada)
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O Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto, diploma ao abrigo do qual foi emitida a primeira Licença Ambiental (n.º …/2006) da Arguida, quando ao “conteúdo da licença ambiental” apenas permitia a fixação de “valores limite” relativamente à “emissão para as substâncias poluentes (…) suscetíveis de serem emitidas pela instalação em causa em volume significativo, tendo em conta a sua natureza e potencial de transferência de poluição de um meio físico para outro, concretamente, água, ar e solo” (cfr. a al. a) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto)
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O Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto, quando ao “conteúdo da licença ambiental” e em matéria de proteção das águas subterrânea apenas permitia a mera fixação de “indicações adequadas, na medida do necessário, que garantam a proteção do solo e das águas subterrâneas, o controlo do ruído e medidas sobre a gestão dos resíduos gerados pela instalação” (cfr. a al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto)
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A emissão da Licença Ambiental n.º …/2006 foi requerida pela Arguida ao abrigo do modelo de pedido de licenciamento de atividades económicas aprovado pela Portaria n.º 1047/2001, de 1 de setembro, o qual previa na Tabela 3 da ficha FB1.1. que o requerente indicasse apenas, um “consumo médio mensal (m3/mês)” e não um qualquer “consumo máximo mensal”
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O legislador, em data posterior à publicação do Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto, veio, entretanto, a aprovar a Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água) e, no desenvolvimento desta lei, o Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (regime da utilização dos recursos hídricos)
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O Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, prevê que “a autorização, licença ou concessão constituem títulos de utilização dos recursos hídricos, e são reguladas nos termos da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, e do presente decreto-lei” e com a com a decisão final de atribuição da licença, “é emitido e enviado ao utilizador o título de utilização contendo os respetivos termos, condições e requisitos técnicos, nos termos estabelecidos pela portaria a que se refere a subalínea ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 14.º do referido decreto-lei (cfr. o n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio)
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A Portaria n.º 1450/2007, de 12 de novembro, que fixa as regras do regime de utilização dos recursos hídricos ao abrigo do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, determina que o “pedido” de “título de utilização” deve indicar o regime de exploração previsto, com indicação do “caudal máximo instantâneo” e do “volume mensal máximo” (vide o n.º 1 da Portaria n.º 1450/2007, de 12 de novembro, e o n.º 3 do Capitulo 2 do Anexo I à referida Portaria)
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A Portaria n.º 1450/2007, de 12 de novembro, que fixa as regras do regime de utilização dos recursos hídricos ao abrigo do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, determina que o próprio “título de utilização” deve indicar o regime de exploração previsto, com indicação do “caudal máximo instantâneo” e do “volume mensal máximo” (vide o n.º 4 da Portaria n.º 1450/2007, de 12 de novembro, e o n.º 2 do Capitulo 2 do Anexo II à referida Portaria)
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O Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, pelos motivos acima expostos, comina com a prática de uma contraordenação muito grave o “incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título”, nomeadamente o incumprimento das obrigações em matéria de “caudal máximo instantâneo” e de “volume mensal máximo” (cfr. a al. c) do n.º 3 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio)
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O legislador, entretanto, revogou o Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 173/2008, de 26 de agosto, que aprovou o novo regime jurídico da prevenção e controlo integrados da poluição, diploma esse posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, que aprovou o novíssimo regime jurídico da prevenção e controlo integrados da poluição, que, atualmente, ainda se mantém em vigor
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O Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, estabelece no seu n.º 1 do artigo 25.º que “os títulos de utilização de recursos hídricos (TURH) necessários à exploração da instalação são anexados à LA e mantêm-se em vigor como títulos autónomos e independentes da referida licença, regendo-se pelas normas constantes do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, que estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos, alterado pelos Decretos-Leis nºs 391-A/2007, de 21 de dezembro, 93/2008, de 4 de junho, 107/2009, de 15 de maio, 245/2009, de 22 de setembro, e 82/2010, de 2 de julho, e pelas Leis nºs 44/2012, de 24 de agosto, e 58/2005, de 29 de dezembro”
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A segunda Licença Ambiental n.º …/…../2015 da Arguida já foi emitida ao abrigo do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e, por esse motivo, tem como “parte integrante a Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos – Captação de água Subterrânea n.º AO15446.2014.RH5, a qual dispõe de um “volume máximo mensal” de 3000 m3 (cfr. o ponto 16. da matéria de facto considerada provada e a segunda Licença Ambiental n.º 42/0.1/2015 a fls. 58 e segs. do processo de contraordenação n.º CO/000339/15)
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O pequeno percurso histórico da legislação aplicável, que percorremos até agora, explica de forma clara e evidente o porquê da primeira Licença Ambiental n.º …./2006, da Arguida emitida ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/2000, de 21 de agosto, não estabelecer um “volume máximo mensal” e o porquê da segunda Licença Ambiental n.º …/…/2015 da Arguida estabelecer um “volume máximo mensal – mês de maior consumo (m3): 3000”, bem como, o equívoco interpretativo levado a cabo pela testemunha “MASC”, o qual concluiu erradamente que o “valor mensal” previsto na primeira licença “é um valor limite máximo” (cfr. página 10 da sentença recorrida)
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O Tribunal a quo, por sua vez, acompanhou “anacronicamente” o equívoco interpretativo da testemunha “MASC”, colocou os “óculos” expressos na legislação em vigor nos dias de hoje, facultados por tal testemunha, e olhou para o conteúdo de uma licença emitida ao abrigo de legislação anterior descurando por completo “as circunstâncias que rodearam a sua prática, o pedido formulado e o tipo legal de ato” (chama-se a isso, “anacronismo”: “olhar o passado com os olhos do presente”)
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O Tribunal a quo na interpretação da Licença Ambiental n.º …/2006 não deveria ter descurado a “literalidade” expressa na letra da licença, “as circunstâncias que rodearam a sua prática”, nomeadamente, a legislação ao abrigo da qual tal licença tinha sido emitida, “o tipo legal de ato” (o conteúdo definido legalmente para a licença ambiental à data da sua prática) na qual não se previa que da mesma constasse um “volume máximo mensal”, e a circunstância da Arguida, no pedido que antecedeu a sua emissão, apenas ter indicado um “consumo médio mensal (m3/mês)”
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A testemunha CAPPM, apesar de não ser jurista, tentou explicar ao Tribunal a quo que não fazia sentido algum que a primeira licença ambiental tivesse fixado um “limite máximo ao consumo” porque “ao preencher um formulário PCIC” apenas tinha dado um valor de consumo mensal médio estimado; “que, desde o início que comunicaram valores superiores”, sem que nada tenha sido dito pelas entidades competentes; e que...
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