Acórdão nº 476/17.8GVSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo comum singular n.º 476/17.8GVCSTR Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, foi proferida sentença a “condenar os arguidos (...) e (...) como co-autores materiais e na forma consumada, um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º 1, al. a) e n.º 2 al. a) do Código Penal, cada um, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a pena de cada um, de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros)”.

Inconformado, recorreu o arguido (...), concluindo: “1ª - A prova directa e indiciária (visionada à luz da regras da experiência comum) produzida em Audiência de Julgamento foi toda ela, ou inócua, ou no sentido do desconhecimento, por parte do aqui recorrente, de que a nota de € 50,00 que entregou à sua "bailarina" era falsa; 2ª - E no entanto, o Tribunal a quo no ponto 9. da sua Fundamentação, declara "provado" que "os arguidos bem sabiam que as notas que usaram como meio de pagamento não eram verdadeiras e tinham proveniência ilegal, por não terem sido emitidas pelo competente banco emissor"; 3ª - Em sede de Motivação da Decisão de Facto, o Tribunal a quo dá coito ao depoimento do militar da GNR, (…), o qual referiu que "o (...) disse que a nota que tinha sido o (...) que lhe entregou e no acto de entrega disse que a nota era falsa. Foi no posto e em conversa informal. Foi antes de o constituir arguido e não estava detido"; 4ª - Tratou-se, semelhante testemunho, como referem uniformemente a jurisprudência e a doutrina, de uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação de direitos sacrossantos do arguido, que se pretendem acautelar; 5ª - O Tribunal a quo - não vislumbramos com que base - considera "facto provado" que o ora recorrente "teve a nota na mão e depois a teria entregue à senhora depois dos serviços sexuais que lhe prestou"; 6ª - Esta asserção, despojada de qualquer base probatória produzida em audiência de discussão e julgamento, contende com as mais elementares regras da experiência comum; 7ª - No que à prova concerne, a testemunha (…), contradiz-se claramente, ao começar por "achar" que "foi com o (...)" e logo após declarar que a pessoa que ficou detida não foi o que foi consigo para o quarto, uma vez que é facto seguro que foi precisamente o ora recorrente, (...) de seu nome, a tal pessoal que "ficou detida"; 8ª - Pior, além de se contradizer a si própria, a testemunha (…) entra também em contradição com a testemunha (...), salvo se aceitássemos que, após tê-lo detido (ainda no bar, como ela assegura e é de elementar razoabilidade...), tivesse, já no posto, o dito militar da GNR levantado a detenção para, de seguida, em "conversa informal", "de pé d'orelha", lhe sacar a estúpida "confissão" do conhecimento da falsidade da nota que entregou à sua senhora "bailarina"; 9ª - A condição de militar da GNR não é idónea, ipso facto, a emprestar maior credibilidade ao depoimento da testemunha (...); 10ª - O que não foi, manifestamente o entendimento do Tribunal a quo ...

11ª - O qual, pela forma como fundamentou o sentido da sua douta decisão, acaba, afinal, por depôr nas mãos (na boca...) de um simples militar da GNR a exclusiva responsabilidade da condenação criminal proferida; 12ª - A detenção é um meio de privação da liberdade, que só pode ser levada a cabo, se não mediante mandado judicial, em flagrante delito por crime punível com pena de prisão; 13ª - No caso em apreço, a detenção do ora recorrente, a ser legal, só poderia ocorrer ao abrigo do disposto no art.º 255.º, n.º 1 do C.P.P.: em pleno "Bar (…)", em (quase) flagrante delito; 14ª - As regras da experiência comum não são de molde, bem pelo contrário, a sustentar a versão veiculada na douta sentença ora em crise em sede de Motivação da Decisão de Facto que o recorrente "teve a nota na mão e depois a teria entregue à senhora depois dos serviços sexuais que lhe prestou"(pag.s 6, última linha e 7 primeira linha); 15ª - Vejam-se a este propósito as declarações prestadas pela testemunha (…) - Rotação 6: 7m e 36 seg.s: Patrono do ora recorrente: "Ele" - o indivíduo que utilizou os seus serviços, não identificado - "entregou-lhe a nota antes ou depois de começarem essa conversa?".

(…): "Antes"; 16ª - As mais elementares regras da experiência comum ensinam que, por completamente irrelevante e inoportuno, não seria de crer que o arguido (...), para mais podendo tê-lo feito antes, dispondo para tal, até, de várias horas, decidisse nas concretas circunstâncias de tempo e lugar (na penumbra, naturalmente ébrios ambos, imediatamente antes de irem satisfazer os seus prazeres lascivos ...), "transmitir que a nota que estava a entregar ao recorrente era falsa"; 17ª - Como ininteligível é também, à luz das regras da experiência comum, a circunstância, largamente comprovada, de o ora recorrente ter permanecido, usufruindo dos serviços sexuais, durante muito mais tempo do que os demais; 18ª - O que, como era de prever, levou a sua detenção; 19ª - Oiçamos, a este propósito, a testemunha (…) - Rotação 6, 8m e 05 seg.s: Patrono do ora recorrente: "Quanto tempo mediou entre terminarem essa conversa e a senhora descer, e este senhor descer?".

(…): "Eu acho que mais ou menos uns 30 minutos".

20ª - Toda esta prova indiciária, nada despicienda, foi pura e simplesmente descurada pelo Tribunal a quo em detrimento da credibilidade absoluta dada ao teor da alegada "conversa informal" referida pelo militar da GNR; 21ª - Cabe, neste passo, indagar qual o valor probatório de uma suposta "confissão" em "conversa informal" no posto da GNR, perante um seu militar, antes de da constituição do detido como arguido; 22ª - Por todos - trata-se, supomos, de jurisprudência praticamente uniforme - citamos o Acórdão desse Tribunal da Relação de Évora, de 4.06.2013 - Proc. n.º 40/11.4GTPTG.E1; 23ª - Debruça-se, precisamente, sobre depoimento indirecto e "conversas informais" e reza, em suma, o seguinte: "(...). Questão diversa diz respeito às chamadas "conversas informais" levadas a cabo pelos OPC na pendência do processo.

Aqui, em função da qualidade do agente policial e dos deveres que lhe incumbem de formalização em actos processuais das declarações do arguido, o legislador estabelece uma barreira de proibição de valoração, a resultante do regime decorrente dos artigos 256.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

É óbvio que essa barreira se concretiza na proibição da sua produção e valoração em audiência de julgamento, mas daí decorre a proibição da sua prática em inquérito.

O que o legislador pretende é instituir a exclusividade de produção (realização) do meio de prova "declarações do arguido" através de uma forma vinculada, taxativa, típica, prevista ao pormenor nos artigos 140.º a 144.º do Código de Processo Penal, com o nome de "interrogatório do arguido", com exclusão de qualquer outra forma.

Há, portanto, uma vinculação formal, uma taxatividade, uma tipicidade nos interrogatórios de argudo, detido ou não.

O meio de prova "declarações do arguido" tem que ser veiculado através de um "interrogatório" previsto nos artigos 140,º a 144.º. O meio de prova "declarações do arguido" não pode ser veiculado por "conversas informais".

Dito de outra forma, o formalismo dos interrogatórios de arguído é uma questão central no próprio valor do meio de prova, uma vinculação à forma querida pelo legislador, produto ou resultado de uma evolução histórica processual que conclui ser este formalismo a melhor forma de acautelar direitos.

Portanto o que se pretende é evitar que as forças policiais consigam introduzir em audiência de julgamento um elemento de prova cujo cumprimento normativo é inexistente e, consequentemente, cuja fiabilidade" - (ou ter-se-á querido dizer: "falibilidade"?) - é patente.

Assim, as "conversas informais" são uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação desses direitos que se pretendem acautelar. E surgem nos processos como forma de tornear a previsão dos art.ºs 140.º a 144.º e 256.º e 357.º do Código de Processo Penal pouco após a entrada em vigor deste código. Ou seja, uma forma de tornear direitos e, assim, negá-los, em nome de uma suposta verdade "descoberta" pelo investigador policial que, dessa forma, pretende determinar o resultado do julgamento. São, portanto, um expediente de má polícia. Um abuso. Uma fraude à lei e ao Direito. E incumbe a qualquer tribunal impedir essa fraude ao Direito.

Daí que as "conversas informais" sejam habitualmente - com pouca ambição - consideradas prova nula, não apreciável em sede de livre apreciação e vedada como base motivacional de facto.

Em nossa opinião devem ser mais (pelo que se acaba de dizer em sede de "tipicidade de interrogatório" de arguido), conduzindo à inexistência do meio de prova declarações do arguido, se estas surgirem através de uma "conversa informal".

Porque, de facto, só a invalidade processual "inexistência" parece ser suficiente para caracterizar a pretensão de produção de um meio de prova em tão flagrante violação das normas de produção desse meio de prova.

Por outro lado, a sua consideração como prova válida conduziria ao abuso policial como sistema, ao descrédito da Justiça e à violação de direitos do arguido em inquérito - "declarações" não controladas (se é que o são pois podem ser simulações ou falsidades) - que se podem reflectir em audiência de julgamento ("Direito ao Silêncio" ali exercido).

(...)".

24ª - Ou seja, as "conversas informais" são uma informalidade afrontosa, fraudulenta, que permite a violação de direitos sacrossantos do arguido, que se pretendem acautelar.

25ª - :O Tribunal 'a quo' violou as normas dos art.ºs 140.º a 144.º; e 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal; 26ª - Postergou, outrossim, elementares regras da experiência comum; 27ª - E ainda, mais gravemente, o princípio da presunção de inocência, visualizado como inderrogável regra sobre a apreciação da prova, traduzido no...

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