Acórdão nº 1123/17.2PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA FERNANDA PALMA
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No Processo Comum Singular nº 1123/17.2PCSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal, J5, da Comarca de Setúbal, por sentença de 28-05-2019, foram absolvidos os arguidos MFCS, MJSR e FAAC, ids. a fls. 172, da prática de um crime de coação, p. e p. pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal. Inconformada com o decidido, recorreu a assistente, RHAJR, nos termos da sua motivação constante de fls. 181 a 191, pugnando pela condenação dos arguidos, ou caso assim não seja entendido, pelo cumprimento do estabelecido no artigo 358º do Código de Processo Penal, e concluindo nos seguintes termos: a) - No caso sub judice, a Assistente teve de, contra a sua vontade, deixar de um momento para o outro a casa que habitava, visto os Arguidos a terem “despejado” e retirado todos os seus bens, assim como as chaves de acesso à casa, sendo assim constrangida e coagida, por acção conjugada dos Arguidos, a suportar essa sua expulsão da casa onde habitava, não tendo em consequência, qualquer liberdade de acção, sendo obrigada a suportar tal ilícito “despejo”, sem qualquer possibilidades de resistir, ante a complexidade física (os arguido homens deverão ter cerca de l,80m de altura e o Arguido MR cerca de 95 kg de peso) e actuação conjunta dos Arguidos ( a Assistente terá cerca de 50 kg e l,50m de altura), o que se consubstancia quer numa violência física ( retirada dos bens e chaves de acesso à casa e “agarrão” que provocou equimose arroxeada no braço esquerdo), quer numa violência psíquica, concretizada esta última no domínio não consentido da vontade da Assistente em continuar na casa que naquela altura habitava, o que originou que de um momento para o outro tivesse sido expulsa da “sua” própria casa em que dormia e tinha o seu centro de vida, sem saber para onde iria sequer naquela noite pernoitar e, depois, residir

b) - E de uma violência extrema, quer no âmbito físico quer no âmbito psíquico e até moral, retirar alguém (no caso, a Assistente) e seus bens da sua própria residência e confiscar-lhe a chave de acesso à mesma, contra a sua vontade e sem legitimação judicial, ou outra, para o fazer

c) - Assim, os factos dados como provados são os necessários e suficientes para se considerar provada a consumação do crime de coacção com a consequente condenação dos Arguidos

d) - Ao não o fazer, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 127° do CPP e ainda o vertido no art° 154° nº 1 do C. Penal, restringindo alguns dos seus elementos incriminadores, nomeadamente, restringindo o conceito de violência ao seu aspecto físico desconsiderando a sua vertente psíquica, quando deveria ter interpretado tal preceito no sentido de considerar a existência de violência psíquica e, assim, ter procedido à condenação dos Arguidos pelo crime de que vinham acusados

e) - É inquestionável que os Arguidos sabiam que actuavam de forma a obrigar e forçar que a Assistente abandonasse a sua própria residência, mesmo esta não o querendo fazer e contra a sua vontade expressa a ponto de pedir e gritar por socorro, não podendo os Arguidos desconhecerem que essa sua conduta era proibida e contrária à lei mas, ainda assim, prestaram-se e executaram os actos necessário a coagir a Assistente a adoptar condutas por ela não desejadas

f) Conclui-se assim, ao contrário do afirmado na douta Sentença recorrida, que resultaram demostrados os elementos objectivo e subjectivo do crime de coacção

g) - Da reapreciação da prova testemunhal gravada em julgamento, nos termos acima expostos, tem de se concluir que deverão ser eliminados dos factos não provados, os constantes das alíneas H. e I. e, acrescidos aos factos provados o seguinte: “ 22. Ao actuar do modo descrito quiseram os arguidos, juntamente e com partilhando o mesmo objectivo, utilizar violência contra RHR para desse modo a forçarem a abandonar o imóvel em que à data residia juntamente com a arguida, o que fizeram

  1. Sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida por lei e, ainda assim, actuaram do modo descrito. “

    H - Ao não acolher da aqueles factos como provados, a douta Sentença recorrida apreciou de forma errada a prova produzida, existindo um erro de julgamento, existindo um erro notório na apreciação da prova que, obviamente, redunda numa insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada [ art° 410° n° 2 - a) e c) do CPP. ]

    I - O princípio da livre apreciação da prova “ ... não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamento

    ( ... a apreciação da prova que faz, reconduz-se a critérios objectivos, controláveis através da motivação. A sua convicção, que o levará a decidir de certa maneira e não de outra embora pessoal, é objectiváveis (Henriques Eiras in Processo Penal Elementar - Quid Juris, 2003 - 4a edição, pag. 102 )

    1. - Nos termos do disposto no art° 82º - A do CPP, deveria ter ainda sido arbitra uma quantia a pagar à Assistente, a título de reparação pelos prejuízos sofridos e, não o fazendo, a douta Sentença recorrida violou também aquele dispositivo legal

    2. - Por outro lado, afirmou-se na douta Sentença recorrida que: “Por seu turno, MR, dando conta que não retirou a chave à assistente, desconhecendo o que havia acontecido a esse objecto, apresentando inflexão nas correspondentes declarações, acabou por assumir que aproveitou para subtrair tal obiecto na sequência de o mesmo ter sido inserido na fechadura, sucedendo que FC referiu desconhecer o que aconteceu à referida chave, ainda que tivesse entrado no apartamento na companhia do co-arguido MR

      É ainda de registar que a ambiguidade da versão de MR também se estendeu à própria equimose no braço da assistente, referindo num primeiro momento não ter existido intervenção de índole física, mas admitindo, num segundo momento, oue pode ter existido algum ‘agarrão” quando aquela interveio por referência a ele próprio de molde a retirar-lhe a chave, porém aludindo sempre a uma mera hipótese, sempre de forma genérica e condicional, nada concretizando neste tocante.” I) - Deste modo, dever-se-ia ter procedido à alteração não substancial dos factos descritos na acusação ( art° 358°, n° l e n° 2 do CPP ), alteração essa resultante das declarações do Arguido MR em audiência de julgamento, alteração que deveria ter sido formulada nos seguintes termos: - O Arguido MR aproveitando o facto da RHR ter inserido a chave na fechadura da residência, subtraiu tal objecto que não mais foi àquele devolvido

      - Não foram restituídas as chaves do imóvel a RHR o que decorreu da actuação encetada pelo arguido MR - O Arguido MR ao retirar as chaves, agarrou o braço da RH

    3. - Ao assim não proceder, a douta Sentença recorrida violou o disposto no art° 358°, n° 1 e n° 2 do C.P. Penal

    4. - E assim, subsidiariamente, deverá revogar-se a Sentença em recurso, procedendo-se à alteração não substancial dos factos, Sentença que deverá ser substituída por outra que, depois de ser dado cumprimento ao estatuído no art. 358.°, n.°s 1 e 2, do CPP, venha a decidir em conformidade com o que, posteriormente, se vier a provar

      Termos em que, e com os fundamentos supra, deverão proceder as conclusões de recurso, reapreciando-se a prova gravada com as alterações supra alegadas, substituindo-se a douta Sentença em recurso por uma outra que acolha as pretensões da Assistente, condenando-se os Arguidos do crime pelo qual foram acusados

      Para o caso de assim não se entender, subsidiariamente, deverá revogar-se a douta Sentença em recurso, procedendo-se à alteração 22 não substancial dos factos, Sentença que deverá ser substituída por outra que, depois de ser dado cumprimento ao estatuído no art. 358.°, n.°s 1 e 2, do CPP, nos termos acima expostos, venha a decidir em conformidade, com o que, se fará: JUSTIÇA! A arguida respondeu, nos termos que constam de fls. 199 a 206, manifestando-se pela improcedência do recurso

      O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 207 a 209, pronunciando-se, igualmente, pela manutenção do decidido

      Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, no qual concluiu no sentido da improcedência do recurso

      Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir

      Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão à assistente Rosa Helena Amador de Jesus Ramos, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, quais sejam: - A sua discordância quanto à matéria apurada e não apurada; - A violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo; - A existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova; - O cumprimento dos artigos 82º - A e 358º do Código de Processo Penal. Está em causa a seguinte matéria de facto apurada: 1. No dia 26 de Dezembro de 2017, em hora não concretamente apurada do período da tarde, a arguida dirigiu-se à habitação que à data partilhava com RHAJR, sita na Avenida……….. em………

  2. Consigo, encontravam-se os arguidos MR e FC

  3. Por razões não concretamente apuradas, a arguida desentendeu-se com RHR e pretendia que a mesma abandonasse a habitação, o que esta não fazia

  4. Os arguidos retiraram todos os pertences de RHR do interior da residência e colocaram-nos no átrio do prédio

  5. Em circunstâncias não concretamente apuradas...

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