Acórdão nº 750/18.5T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Local Criminal de Évora, Juiz 2, correu termos o Proc. Comum Singular n.º 750/18.5T9EVR, no qual foi julgada a arguida ECMRB - filha de FAGR e de MLSMR, natural de …., nascida a 27 de novembro de 1977, ……, portadora do cartão de cidadão n.º ………, residente na Avenida ……………………, ….. - pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360 n.ºs 1 e 3 do Código Penal, vindo – a final – a ser absolvida da prática do crime (de falsidade de testemunho) de que vinha acusada

--- 2. Recorreu o Ministério Público dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - A douta sentença recorrida, absolvendo a arguida da prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360 n.ºs 1 e 3 do Código Penal, enferma de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no n.º 2 al.ª c) do artigo 410 do Código de Processo Penal

2 - E assim é porque o tribunal a quo - por ter considerado as declarações da arguida credíveis e, nessa medida, que o consumo de estupefacientes em conjunto com a medicação para a depressão podem ter causado alterações do comportamento da mesma que não lhe permitiram, à data, na Polícia de Segurança Pública, ter noção do que estava a dizer - deu como não provado que: “a) Ao prestar declarações pela forma e na qualidade processual descrita, a arguida agiu com o propósito concretizado de relatar factos que sabia não corresponderem à realidade e contraditórios, ciente que o fazia na qualidade de testemunha e perante entidade competente. b) A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento”

3 – Consequentemente, entendeu o tribunal a quo que não existiu prova de que a arguida tenha agido com dolo e com consciência da ilicitude do facto, não lhe sendo o erro censurável

4 - Ao absolver a arguida nos termos e com os referidos fundamentos, o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, pois deu como provados os factos imputados à arguida na acusação pública, mas com base nas declarações prestadas pela mesma e na declaração médica junta aos autos já deu como não provado o dolo, por ter entendido que a mesma atuou com erro sobre a ilicitude, não censurável

5 - Ao fazê-lo, o tribunal deu como não provado algo que não podia deixar de se ter verificado, retirando de um facto uma conclusão ilógica e notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou seja, mesmo que a arguida na data em que prestou depoimento na Polícia de Segurança Pública se encontrasse medicada e sob o efeito de cocaína, de tal facto não se podia ter concluído que a mesma não se encontrava em perfeitas condições de alcançar as consequências da sua conduta, pelo contrário, de tal facto apenas se pode extrair, à luz das regras de experiência comum, que a arguida consumia cocaína e que certamente a comprava a HC, como, aliás, referiu à Polícia de Segurança Pública

6 - Nestes termos, é manifesto que o tribunal a quo incorreu no vício enunciado no n.º 2 al.ª c) do art.º 410 do Código de Processo Penal, vício que pode ser ultrapassado com recurso ao texto da decisão recorrida, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (cfr. artigos 426 n.º 1 e 431 al.ª b) do Código de Processo Penal)

7 - Acresce que o caso sub judice não se subsume ao erro sobre a ilicitude, previsto no artigo 17 do Código Penal

8 - Com efeito, das declarações da arguida prestadas em audiência de discussão e julgamento não resultou que a mesma desconhecesse a ilicitude do facto, mas tão só que à data tomava medicação para a depressão e que se encontrava sob o efeito de cocaína, admitindo ter mentido perante a Polícia de Segurança Polícia, alegadamente por se encontrar alterada

9 - Ademais, da declaração médica junta aos autos pela arguida resultou apenas que a toma da medicação associada ao consumo de álcool e drogas pode agravar as alterações de comportamento e perturbações da memória causadas por estas últimas substâncias tóxicas

10 - Ora, de tais elementos probatórios, analisados à luz das regras de experiência comum, não se pode retirar que a arguida não tivesse consciência de que mentia perante a Polícia de Segurança

11 - Ao invés, as declarações da arguida, conjugadas com a declaração médica e o depoimento do agente da Polícia de Segurança Polícia, impunham que tribunal a quo daí retirasse que efetivamente a arguida, consumidora de cocaína, mentiu, e mentiu, não perante a Polícia de Segurança Pública, mas sim na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 24 de abril de 2018, após prestar juramento e ter sido advertida de que era obrigada a responder com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade penal

12 - Contudo, ainda que assim não se entendesse, entendendo o douto tribunal, como entendeu, que a arguida atuou sem consciência da ilicitude de facto, sempre teria de se concluir que o erro lhe era censurável e não o inverso, como ocorreu

13 - No que concerne ao dolo, e tendo presente o disposto no artigo 14 do Código Penal, constata-se que as declarações prestadas pela arguida no decurso da audiência de discussão e julgamento, na qualidade de testemunha, são antagónicas com aquelas prestadas em fase de inquérito, pelo que a mesma prestou um depoimento que não corresponde à verdade

14 - A arguida sabia que tinha de responder com verdade às perguntas que lhe eram feitas e, não obstante, mentiu, e fê-lo deliberada, livre e conscientemente, isto é, querendo esse resultado, ficando assim preenchido o elemento intelectual e o elemento volitivo

15 - O dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só sendo possível alcançar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa inferir, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes do ilícito em apreço, e à luz das regras de experiência comum

16 - Pelo que se impunha ao tribunal a quo dar por provado que a arguida, ao prestar declarações...

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