Acórdão nº 720/15.5T9VRS.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL DUARTE
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório 1 - No Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 720/15.5T9VRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António - Juiz 1, foi julgado o arguido: LACM, …., ……l, nascido a 23-8-1973 na freguesia d………….do concelho de …….., filho de VMM e de ECLM, titular do C.C. nº ……………, residente no Sítio do………….-…………….., tendo sido proferida a sentença seguinte: “I - Absolver o arguido - LACM da prática em autoria material, na forma consumada de um crime de falsidade de testemunho agravado, previsto e punido pelo artigo 360º, nºs 1 e 3 do Código Penal, com referência aos artigos 91º, nºs 1 e 3 e 132º, nº 1, alíneas b) e d), ambos do Código de Processo Penal

(…)”

1.1 - Esta nova sentença recorrida, datada de 25-10-2019, foi proferida após acórdão por nós proferido, em 11/04/2019, em sede de recurso da anterior sentença, proclamada em 18.04.2018. Nesse acórdão, essa anterior sentença foi declarada nula, por insuficiência do exame crítico da prova

2 - O Ministério Público, junto do tribunal “a quo”, inconformado, interpôs recurso do decidido na mencionada sentença de 25-10-2019. Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões: “1.ª - O presente recurso vem interposto da douta sentença que absolveu o arguido LACM da prática de um crime de Falsidade de Testemunho agravado, p. e p. pelo art.º 360.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal

  1. - A douta sentença do Tribunal «a quo» foi proferida na sequência do douto Acórdão desse Venerando Tribunal da Relação de 11.04.2019, que declarou nula a anterior sentença do Tribunal recorrido datada de 18.04.2018, «em obediência ao preceituado nos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.»

  2. - A insuficiência da fundamentação da matéria de facto (provada e não provada) da douta sentença do Tribunal recorrido está plasmada - desde logo - na reprodução quase «in totum» da fundamentação da sentença absolutória anterior declarada nula por esse Venerando Tribunal da Relação, à qual o Tribunal «a quo» aditou (agora) duas ordens de raciocínios – inseridos a fls. 10 e 11 da fundamentação de facto douta sentença [fls. 419 e 420 dos autos]

  3. - 1.º Raciocínio: O Tribunal «a quo» lançou sobre si próprio duas questões às quais não conseguiu responder e que contribuíram para se convencer de que o arguido não praticou o crime pelo foi acusado e pronunciado e, absolveu-o, de novo. Tais decisivas questões foram: - Porque razão o arguido cometeu o crime? E, com que propósito? 5.ª - Porém, as motivações do agente do crime [para o crime] não constituem elemento do tipo de ilícito em causa e podem situar-se ao nível da esfera privada do arguido ou, até mesmo, da sua intimidade, de forma que nunca serão expostas ao Julgador

  4. - A circunstância do Tribunal «a quo» ter elencado premissas sobre as quais refletiu e, depois, não obteve resposta, quanto ao conhecimento das motivações e objectivos da actuação do arguido, não constitui fundamento bastante, atentas as regras da mundivivência, para considerar não preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilício que lhe estava imputado

  5. - 2.º Raciocínio: O Tribunal «a quo» afirma na fundamentação da sentença em crise que conseguiu perceber as duas razões pelas quais o ora arguido, engenheiro naval de profissão e com a função de acompanhar o processo de execução do contrato de compra e venda da embarcação pela sociedade arguida naquele processo, fez as declarações contraditórias que se pretendem analisadas. A saber: em primeiro lugar, porque a existência do I era desconhecida das autoridades que o questionaram na fase de inquérito; e, em segundo lugar, porque o arguido só tomou conhecimento do verdadeiro papel do I na sociedade arguida, depois da morte dele; e foi com esse novo conhecimento que adquiriu depois do depoimento no inquérito e antes do depoimento do julgamento, que veio a responder, no mesmo processo, no julgamento – já com tal senhor falecido

  6. - Ora, o Tribunal «a quo» não ponderou nem cogitou que quem tinha que revelar a existência do I no inquérito era o ora arguido que aí estava a prestar depoimento como testemunha, precisamente, com esse específico objectivo e, que só ele é que sabia de quem devia falar sobre tal matéria às autoridades que o procuraram e inquiriram para esse concreto efeito

  7. - Por outro lado, resulta do próprio texto da sentença em crise que o aqui arguido confirmou toda a actuação na sociedade arguida pela sócia gerente DV e que conhecia bem a actuação nessa sociedade do falecido marido dela, I, porque «quem o contratou, falou com ele, declarante, para ir trabalhar para a empresa foi o I” - cfr. fls. 5 da fundamentação de facto da sentença

    Assim sendo, e sempre com o devido respeito, afigura-se que neste acervo de factos da fundamentação, o douto Tribunal «a quo» incorreu no vício de contradição insanável da fundamentação – art.º 410.º, n.º 2, al. b) 1.ª proposição do Código de Processo Penal

  8. - Por outro lado ainda, a Mm. ª Juíza do Tribunal «a quo» também omitiu os factos em que assentou o raciocínio segundo o qual, o arguido prestou diferente e desconforme depoimento no inquérito e no julgamento do mesmo processo porque «depois, mais tarde [foi] (…) melhor informado» que DV executava as decisões empresariais tomadas pelo marido, o falecido I; e que a diferença entre as respostas deriva [r], muito possivelmente, de melhor reflexão e esclarecimento

    Na medida em que estas conclusões do Tribunal «a quo» foram formuladas sem indicação dos factos provados em que assentaram e sem indicação dos raciocínios lógicos que percorreu para chegar a cada uma delas e, absolver o arguido, afigura-se que o Tribunal «a quo» incorreu também no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal

  9. - O Tribunal «a quo» absolveu o arguido sem mencionar especificadamente o conteúdo crítico das provas documentais, conjugadas com as declarações do arguido e com os depoimentos das testemunhas, pelo que, se afigura que não foram expurgados os erros de julgamento que provinham da sentença anterior e que, consequentemente, a douta sentença em crise padece de nulidade nos termos do disposto no arts. 374.º, n.º 2 e 379.º n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal

  10. - Fê-lo com base numa circunstância hipotética que formulou acerca do arguido ter adquirido conhecimentos novos entre a fase do inquérito e a fase do julgamento do processo comum singular n.º 452/12.6TAVRS, sem indicar de que factos se socorreu para construir essa decisiva hipótese, sem explicar o caminho do raciocínio que percorreu e, sem proceder ao exame crítico de toda a prova constante dos autos

  11. - Crê-se que o Tribunal «a quo» não procedeu ao exame crítico da toda a prova constante dos autos uma vez que, apesar de elencar a prova documental e de afirmar que procedeu à sua análise critica, a motivação da decisão fáctica da sentença em crise completamente omissa quanto à análise crítica de toda prova documental e, fundamentalmente, aquela que se traduz no «Auto de inquirição de testemunha» de fls. 4 e 5 que contém o depoimento do ora arguido como testemunha na fase de inquérito no processo n.º 452/12.6TAVRS do Juízo de Competência Genérica de ……………… – J1 e a que se traduz na transcrição do depoimento do mesmo em igual qualidade mas na fase de julgamento, constante de fls. 18 a 33; e é omissa também quanto à análise crítica conjugada do teor da prova documental com as declarações o arguido neste julgamento e o depoimento da testemunha de acusação NMGF

  12. - Em consequência desta omissão de análise crítica da prova documental e omissão de análise crítica conjugada de toda a prova documental, declarativa e testemunhal, incorreu o Tribunal «a quo» em errada ponderação das declarações do arguido e do depoimento da testemunha de acusação NF, cujo conteúdo visto à luz das regras da experiência comum e de critérios de lógicos e ainda, de forma conjugada, impõem a decisão de condenar o arguido pela prática do crime de Falsidade de Testemunho agravado pelo qual foi pronunciado

  13. - O Tribunal «a quo» faz uma listagem da prova documental e, de seguida, reproduziu o teor da prova por declaração do arguido e da prova testemunhal da testemunha NF, mas não as analisou criticamente, nem por si próprias, nem entre si, nem em conjugação com a demais prova existente nos autos, a saber, a prova documental; 16.ª - Efectivamente, se o Tribunal «a quo» tivesse analisado criticamente a prova documental, como se referiu, essencialmente, o Auto de Inquirição de Testemunha de fls. 4 e 5 e a transcrição da gravação do depoimento que prestou em julgamento de fls. 18 a 33, do processo n.º 452/12.6TAVRS, teria percebido que nunca foi feita ao arguido (aí testemunha) a pergunta que ele invocou em sua defesa, e a que o Tribunal deu credibilidade para o absolver: quem era legalmente o gerente da firma? E, para além disso, o Tribunal «a quo» também se convenceu da versão do arguido de que as perguntas que lhe foram feitas na fase de inquérito do processo n.º 452/12.6TAVRS eram diferentes das perguntas que lhe foram feitas na fase de julgamento do mesmo processo e que, por isso, ele deu respostas diferentes - dentro da lógica de que a perguntas diferentes correspondem respostas diferentes – mas simplesmente, o Tribunal não analisou nem o teor do Auto de Inquirição de Testemunha nem o teor da transcrição do depoimento gravado de onde podia alcançar a formulação de tais perguntas

    E, também não procedeu à análise crítica dessa prova documental conjugadamente entre si e com o teor das declarações do arguido e do depoimento da testemunha neste julgamento

  14. - Se o tivesse feito, e com recurso a critérios lógicos e às regras da experiência comum, o Tribunal «a quo» tinha concluído que as perguntas que foram feitas ao arguido na fase de inquérito e na fase de julgamento do...

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