Acórdão nº 26/21.0GBNIS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO I – Relatório a. No Juízo Local de …, do Tribunal Judicial da comarca de … foi o presente distribuído como processo comum, da competência do tribunal singular

A acusação do Ministério Público imputava ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, a prática de um crime de injúria agravada, previsto nos artigos 181.º, § 1.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, § 2.º, al. l), todos do Código Penal (CP)

No controlo liminar do processo, efetuado nos termos previstos no artigo 311.º do Código de Processo Penal (CPP), a Mm.a Juíza considerou que a acusação era manifestamente infundada, por os factos nela imputados ao arguido não constituírem crime, pelo que a rejeitou (artigo 311.º, § 2.º, al. a) e § 3.º, al. d) CPP)

  1. Inconformado com essa decisão dela vem o Ministério Público recorrer, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «(…) 2. A Mm.ª Juiz ao receber a acusação pública, decidiu rejeitá-la ao abrigo do art. 311.º, n.ºs 2 alínea a) e n.º 3 alínea d), por tais expressões não consubstanciarem crime na sua opinião, e além do mais, pois tais expressões foram deduzidas plural ao organismo e não ao militar da Guarda Nacional Republicana em concreto, apesar de este último naquele momento, estar no exercício das suas funções e pertencer ao referido organismo

    1. A rejeição da acusação pela aplicação do art. 311.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal está reservada a vícios graves da acusação, ou seja, “tem de ser manifesta, indiscutível, evidente, inequívoca, não bastando que seja meramente discutível e discutida por uma das várias correntes seguidas pela jurisprudência. (…) Não se trata, nem se pode tratar de um juízo sustentado numa opinião divergente, por muito válida que seja. Só assim, numa interpretação tão restritiva se assegura o princípio do acusatório, na vertente referenciada.” – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.07.2018, Relator: Isabel Valongo, Processo n.º 282/16.6GAACB.C1, disponível em www.dgsi.pt 4. O uso de tais expressões é matéria controvertida, e que continua a ser discutida na jurisprudência, em especial a expressão “vão para o caralho/vai para o caralho”, tanto que o Supremo Tribunal de Justiça já foi chamado a intervir no âmbito de um Acórdão de Fixação de Jurisprudência, exatamente pela divergência de opinião sobre se a referida expressão constituía ou não crime, uma vez que uns Tribunais a consideravam como crime e outros não

    2. Sempre se diga que, não basta a mera análise da expressão em si, sem qualquer contexto, para a considerar ou não como crime, antes sendo necessário a análise da situação fáctica em concreto, não podendo bastar-se com os factos descritos na acusação, sendo necessário produzir prova relativamente à mesma, para averiguar os exactos contornos em que tal injúria ocorreu, e só depois tomar uma decisão ponderada e fundamentada sobre a mesma

    3. Aliás, os factos descritos na acusação não são ipsis verbis o que constam das sentenças e/ou da prova produzida em julgamento, tanto que a lei confere a possibilidade de ocorrerem alterações substanciais ou não substanciais aos factos, e que no domínio das injúrias – que contende com bens jurídicos eminentemente pessoais – poderá sempre ocorrer

    4. Com a introdução do art. 311.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal não foi intenção do legislador a rejeição de acusações cujos factos fossem motivo de discórdia, permitindo assim ao Mm.º Juiz a formulação de um pré-juízo, tanto que até na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência, de 16.03.2013, Relator: Pires da Graça, Processo n.º 788/10.0GEBRG.G1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, até foi vedado ao Mm.º Juiz proceder a uma alteração da qualificação jurídica, sem que fosse produzida prova

    5. Rejeitando a acusação, o douto despacho recorrido fez uma incorrecta interpretação e errónea aplicação do art. 311.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, e do art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, por violação daqueles normativos legais, e do princípio do acusatório, pelo que, deve ser o mesmo revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, e consequentemente notifique o arguido para contestar, e designe dia para audiência de discussão e julgamento.» c) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu entendimento no sentido da procedência do recurso. d) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada acrescentou. e) Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos à conferência

      Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação Objeto do recurso 1.O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (1). De acordo com as conclusões do recorrente, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância de recurso é a de saber se a acusação deduzida pelo Ministério Público não é manifestamente infundada

    6. O despacho recorrido A Mm.a Juíza a quem os autos foram distribuídos para julgamento na 1.º instância proferiu o seguinte despacho liminar (311.º CPP): «O Ministério Público deduziu acusação contra AA pelos factos descritos em ref. …, de 18-05-2022, imputando ao arguido a prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal

      O artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, dita que «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias», e o artigo 184.º, do mesmo diploma, que «as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade», o que, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), se reporta a «praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade...

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