Acórdão nº 111/06.9 PTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2009

Data28 Abril 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção (4.ª) Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I – Relatório.

1.1. Mediante acusação deduzida pelo Ministério Público, o arguido C...

, já mais identificado nos autos, foi submetido a julgamento, porquanto alegadamente incurso na autoria material consumada de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal [CP], e 22.º do Decreto-Lei [DL] n.º 54/75, de 12 de Fevereiro.

Findo o contraditório, em sentença adrede proferida, viu-se o arguido condenado enquanto agente do mencionado ilícito na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 7,00.

1.2. Porque se não revê em tal veredicto, interpôs recurso, sendo que da motivação ofertada extraiu o seguinte quadro de conclusões: 1.2.1. O DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, regula apenas as normas que disciplinam o registo da propriedade automóvel.

1.2.2. Interpretar extensivamente esse preceito e aplicá-lo aos casos de falta de pagamento do imposto de circulação constitui uma violação do princípio nullum crimen sine lege e do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa [CRP].

1.2.3. Por isso que nunca poderia o recorrente ser condenado pela prática do crime de desobediência qualificada.

1.2.4. A alínea b) do artigo 348.º, n.º 1 do CP tem natureza subsidiária, existindo apenas para os casos em que nenhuma norma jurídica prevê o comportamento desobediente.

1.2.5. A violação da obrigação de pagamento do imposto de circulação de veículo afecto ao transporte de mercadorias está expressamente prevista no artigo 15.º do Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem criado através do DL n.º 116/94, de 3 de Maio, o qual estabelece a prática de uma contra-ordenação punida com coima de €´s 49,98 a 4.987,98 para a utilização de qualquer veiculo sujeito a este imposto sem que o mesmo se mostre pago, para além da apreensão do veículo e documentos.

1.2.6. Logo, o recorrente também não pode ser condenado pela prática do crime de desobediência simples.

1.2.7. Mas mesmo que assim se não entenda, o que não se concede, a pena aplicada é desadequada e desproporcionada 1.2.8. O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, considerando incorrectamente julgados os pontos 6. e 7. dos factos mencionados na sentença recorrida e que não foram tidos em conta outros relevantes para a decisão de mérito.

1.2.9. O depoimento das testemunhas S..., M... e B... vieram confirmar o depoimento do recorrente e impõem a seguinte decisão diversa da recorrida: 6. No dia 12 de Julho foi ordenado ao arguido, pela sua entidade patronal que conduzisse o veículo, tendo este recusado prestar tal trabalho por se encontrar apreendido o veículo em questão.

  1. No entanto, a entidade empregadora obrigou o arguido a conduzir tal veículo, sob pena de despedimento e este, com medo de perder o emprego, conduziu-o.

    Para além desta matéria, há que aditar outra: a) À data dos factos o arguido era o único trabalhador que estava legalmente habilitado a conduzir tal veículo e o seu cônjuge encontrava-se desempregado.

    b) O veículo apreendido era pertença da entidade patronal do arguido, a Vidrocarmo, Lda.

    1.2.10. Perante esta nova factualidade, verificam-se os pressupostos indispensáveis à consideração e aplicação no caso concreto do estado de necessidade desculpante, conducente à dispensa da pena ou à sua especial atenuação, visto o estatuído no artigo 35.º, n.º 2, do CP.

    Terminou pedindo o eximir de toda e qualquer responsabilização penal. Para a hipótese de a mesma dever subsistir, seja dispensado de pena ou se decrete a sua especial atenuação.

    1.3. Notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público, defendendo o acerto do decidido.

    1.4. Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente ao provimento parcial da impugnação. Com efeito, sustenta, no mais se mantendo o decidido, deve o arguido ser condenado tão-somente como agente de um crime de desobediência simples.

    Cumprido com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [CPP], seguiu-se réplica do recorrente.

    No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

    Por isso se ordenou a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como o prosseguimento dos autos com submissão à presente conferência.

    Urge agora ponderar e decidir.

    *II – Fundamentação de facto.

    2.1. Na sentença recorrida consideraram-se como provados os factos seguintes: 1. No dia 12 de Julho de 2006, cerca das 16.40 horas, na Rua Padre António Vieira, área da comarca de Coimbra, o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula QT-00-00, marca Toyota, modelo Dyna, tendo sido fiscalizado por S..., agente principal da PSP de Coimbra.

  2. No entanto, o pesado de mercadorias conduzido pelo arguido tinha sido apreendido pelo Sub-destacamento Fiscal de Quiaios, da Brigada Fiscal da GNR, em 11.07.2006, por circular sem o dístico modelo n.º 2, correspondente ao imposto de circulação respeitante ao ano de 2005.

  3. No momento da apreensão o arguido foi nomeado fiel depositário daquele veículo e advertido que a sua utilização o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.

  4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não podia circular com aquele veículo e que a ordem que lhe fora dada para que o não fizesse era legítima.

  5. Desrespeitou, no entanto, essa ordem, apesar de ter perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida.

  6. Quando foi solicitado ao arguido, pela sua entidade patronal, para realizar um trabalho no dia 12 de Julho, este logo advertiu que não o podia fazer por o veículo estar apreendido.

  7. No entanto, a sua entidade patronal reagiu agressivamente à sua atitude e, com medo de perder o seu emprego, o arguido acabou por aceder e, por isso, conduziu o veículo em causa.

  8. O arguido aufere € 426,00 de ordenado e € 300,00 de ajudas de custo. Sua esposa aufere € 600,00. Têm uma filha menor a seu cargo, pagando do crédito para habitação € 250,00 e do empréstimo para a compra de carro € 150,00, ambas as quantias, mensalmente.

  9. No certificado de registo criminal do arguido nada consta.

    2.2. Relativamente a factos não provados, consignou-se na dita decisão que: “Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa.” 2.3. Por último, escreveu-se na motivação probatória da peça em causa: “Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.

    Atendemos, assim, às próprias declarações do arguido que referiu que o veículo foi apreendido e, por insistências da sua entidade patronal e com medo de perder o emprego, acabou por aceder e conduziu o veículo em causa. Admitiu, assim, que sabia que não podia conduzir mas fê-lo com medo das consequências da sua recusa. As testemunhas de defesa M... (colega de trabalho do arguido e que o acompanhava quando foi interceptado a conduzir o veículo apreendido) e B... (colega de trabalho do arguido) confirmaram que, efectivamente, a patroa, mesmo depois de alertada para o facto de o veiculo estar apreendido e não poder circular, exigiu que o arguido efectuasse o serviço, e este, com medo elas consequências da sua recusa, acabou por aceitar efectuar o serviço.

    A patroa do arguido, estranhamente (ou não), M... veio referir que não se lembrava de o arguido a ter alertado para o facto de o veículo estar apreendido e que não o podia conduzir. No entanto, a testemunha nunca disse que tal conversa não ocorreu, pelo que ficamos com a versão dos factos apresentada pelo arguido e testemunhas de defesa acima identificadas.

    A testemunha de acusação S... (P.S.P.) confirmou que viu o arguido a circular com a carrinha e mandou-o parar. No seguimento desta fiscalização, elaborou o auto de notícia e os documentos que o acompanham.

    Por seu turno, a testemunha J... (G.N.R.) explicou por que motivo procedeu à apreensão do veículo.

    Valoramos, ainda, a prova documental de fls. 8 a 11 que comprova que o veículo em causa se encontrava apreendido e que, no dia seguinte à apreensão, circulava pelas artérias desta cidade.

    O documento de fls. 46 demonstra que o arguido não tem antecedentes criminais.

    Aceitamos as declarações do arguido quanto à sua situação económica e familiar.” *III – Fundamentação de Direito.

    3.1. Sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios elencados nas diversas alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ou das nulidades mencionadas no n.º 3 do mesmo normativo (que, adiantamos, se não vislumbra configurarem no caso presente), é consabido que o âmbito dos recursos se define através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigo 412.º, n.º 1, do CPP).

    Vale por dizer, então, que o thema decidendum vertente se traduz em ponderarmos das questões seguintes: - Deve alterar-se a matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente (conclusões 8.ª e 9.ª)? - Da factualidade provada não emerge a prática pelo mesmo de um qualquer crime de desobediência [qualificada ou simples] (conclusões 1.ª a 6.ª)? - Concedendo-se a sua condenação enquanto agente de um tal crime (mas meramente sob a forma simples), sempre da factualidade assente (ademais a ora aduzida e aditada) se deduz haver ele actuado em estado de necessidade desculpante determinante de dispensa da pena ou da sua especial atenuação (conclusão 10.ª)? 3.2. Primeira questão colocada pelo recorrente, a do seu dissídio relativamente à forma pela qual foi apreciada parte da prova objecto do processo.

    3.2.1. É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma Seguiremos, de perto, o expendido pelo Ex.mo...

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