Acórdão nº 363/07.7TBPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2009
Magistrado Responsável | GONÇALVES FERREIRA |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A..., divorciada, doméstica, residente no ..., intentou, no Tribunal Judicial de Penacova, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra B...
, divorciado, reformado, residente na ..., alegando, em resumo, que: Viveu maritalmente com o réu entre 1998 e 2003; durante esse período de tempo, emprestou-lhe as quantias de 1.000.000$00, 240.000$00, 650.000$00, 600.000$00 e 1.329.588$00, que ele nunca lhe devolveu, apesar de se ter obrigado a tanto.
Por outro lado, enquanto viveram um com o outro, apresentaram a declaração de IRS em conjunto, sendo que, no ano de 2001, o réu recebeu a importância de 180.000$00, que nunca lhe entregou.
Terminou, pedindo se declarassem nulos os contratos de mútuo celebrados entre ambos e se condenasse o réu a restituir-lhe a quantia de € 19.949,86, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Regularmente citado, o ré contestou por excepção e por impugnação; em via de excepção, arguiu a incompetência territorial do Tribunal de Penacova (contrapondo a competência da Vara Mista de Coimbra), a caducidade do direito de accionar, pelo facto de a acção ter sido proposta mais de três anos e meio depois da nomeação de patrono à autora, e a restituição da importância de 1.000.000$00, que aceita ter-lhe sido entregue pela autora, com vista à realização do capital social de uma sociedade que ele havia constituído; impugnando, alegou não ser verdade que a autora lhe tenha emprestado outras quantias.
A autora replicou, por forma a rebater as excepções deduzidas.
Subsequentemente, foi proferido despacho que declarou incompetente, em razão do território, o Tribunal de Penacova e ordenou a remessa do processo à Vara Mista de Coimbra.
Após algumas vicissitudes destituídas de relevo para a sorte da acção (substituição do ex.mo patrono nomeado à autora e apresentação de um articulado superveniente, que acabou por ser desentranhado), foi elaborado despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de caducidade aduzida pelo réu e afirmou, no mais, a validade e a regularidade da lide.
A selecção da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) foi alvo de reclamação de autora e réu, a daquela parcialmente atendida e a deste indeferida no seu todo.
Realizado o julgamento e fixados factos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar à autora a importância de € 11.619,94, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 30 de Abril de 2007 e até integral pagamento.
Inconformado o réu interpôs recurso (recebido como apelação, com efeito devolutivo), alegou e formulou 26 conclusões, que se condensam, sem dificuldade alguma, em, apenas, seis: 1) A sentença é nula, por omissão de pronúncia, já que julgou a acção, apenas, parcialmente procedente, mas não o absolveu dos pedidos improcedentes; 2) Deve ser ampliada a matéria de facto, com o assentamento, por falta de impugnação, do teor dos artigos 15.º a 21.º da contestação e a quesitação do dos artigos 25.º, 26.º e 29.º a 32.º da mesma peça, tal como requereu na reclamação oportunamente apresentada e que foi desatendida.
3) As respostas aos quesitos 6.º, 7.º e 8.º devem ser consideradas não escritas, por violação do princípio dispositivo, já que incorporam matéria não alegada e em relação à qual a autora não manifestou a intenção de se aproveitar.
4) Em qualquer caso, sempre se imporia a resposta “não provado” aos mesmos quesitos, por força dos depoimentos das testemunhas C...
, D...
, E...
e F...
e por não terem valor probatório os documentos apresentados; 5) Alterada a matéria de facto pela sobredita forma, terá o réu de ser absolvido.
6) Mas, ainda que se considere a existência de contratos de mútuo nulos, nunca serão devidos juros de mora, na medida em que a restituição implica, tão-somente, a restituição do que foi recebido.
A autora respondeu à alegação pela fora seguinte: 1) As conclusões formuladas pelo recorrente são deficientes e, mesmo, obscuras, pois que tanto pede a sua absolvição, como a ampliação da matéria de facto, como a alteração das respostas, como, ainda, a revogação da sentença, pelo que deve ser convidado a esclarecê-las ou completá-las, sob pena de se não conhecer do recurso; 2) Não tendo o recorrente reclamado da decisão de facto, nos termos do artigo 653.º do CPC, não deve ser aceite o recurso no segmento da impugnação da matéria de facto; 3) A sentença não é nula, já que a procedência parcial significa que houve absolvição na parte restante; 4) A ampliação da matéria de facto é injustificável, porquanto os factos em apreço são irrelevantes para a decisão da causa; 5) As respostas aos quesitos 6.º, 7.º e 8.º, porque explicativas e dadas em consonância com a prova produzida, não violam o princípio dispositivo, sendo certo, por outro lado, que os factos aproveitam às partes independentemente de qualquer manifestação; 6) A prova foi correctamente apreciada, não merecendo censura as respostas dadas aos artigos 6.º, 7.º e 8.º da base instrutória; 7) O recurso deverá improceder.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
São seis as questões colocadas pelo recorrente à apreciação desta Relação, a saber: a) A nulidade da sentença; b) A ampliação da matéria de facto; c) A violação do princípio dispositivo; d) O erro na apreciação da prova; e) Os pressupostos do direito invocado pela autora; f) Os juros de mora.
Previamente, porém, haverá que esclarecer duas outras questões, suscitadas estas pela recorrida – a deficiência ou obscuridade das conclusões da alegação do apelante e a inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto, por não ter sido utilizado o mecanismo da reclamação previsto na segunda parte do n.º 4 do artigo 653.º do CPC –, que, a serem procedentes, conduziriam, a primeira ao convite à correcção das conclusões, e a segunda à rejeição do recurso da matéria de facto.
II. Os factos dados por assentes na sentença recorrida: 1. A autora e o réu, pelo menos entre 1999 e 31 de Outubro de 2001, viveram maritalmente, habitando juntos numa casa pertença do réu, sita na .....
2. Essa situação manteve-se pelo menos até Março de 2002.
3. Em 15 de Julho de 1999 a autora entregou ao réu a quantia de 1.000.000$00, quantia que o mesmo necessitou para constituir o capital social de uma empresa denominada G...
.
4. (…) tendo para o efeito emitido, em 15 de Julho de 1999, a favor do réu, o cheque cuja cópia figura a folhas 18, que aqui se dá por reproduzido, sacado sobre o BNU, no montante de 1.000.000$00.
5. Em 28 de Dezembro de 2000, a pedido do réu, a autora ordenou a transferência do montante de 1.329.588$00 da sua conta bancária da Caixa Geral de Depósitos – Rede BNU, correspondente a dinheiro seu, para pagamento a I...
, de parte de um contentor de cerveja que havia sido expedido para Cabo Verde por ordem do réu, transferência essa que foi efectuada nos termos ordenados.
6. O réu comprometeu-se perante a autora a restituir-lhe as quantias referidas em 3.º a 5.º.
7. A autora e o réu, nos anos de 1999 e 2000, apresentaram declaração conjunta de rendimentos para efeito de IRS.
8. A liquidação do IRS relativo ao ano de 2000, efectuada a 23 de Julho de 2001, relativamente à declaração de rendimentos apresentada por autora e réu no ano de 2001, resultou no reembolso pelos serviços fiscais de 234.703$99.
III. O direito: A. As questões prévias colocadas pela recorrida: a) A deficiência ou obscuridade das conclusões da alegação do recorrente Estabelece o n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-lei 303/07, de 24 de Agosto, diploma de que serão os restantes preceitos a citar sem indicação de origem, que, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas – alínea a) –, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas – alínea b) – e, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que devia ter sido aplicada – alínea c).
Segundo a recorrida, o recorrente não indicou as normas jurídicas violadas ou erradamente aplicadas, como não adiantou, de forma clara, a norma a aplicar e o sentido que lhe deveria ser atribuído, como nunca concretizou a sua pretensão, pois tanto pediu a sua absolvição – conclusões j) e y) das alegações de recurso –, como a ampliação da matéria assente e da base instrutória, o que pressupõe a repetição do julgamento – conclusão e) –, como, ainda, a alteração das respostas à matéria de facto – conclusão l) –, o que já dispensaria a repetição da prova e, logo, do julgamento. Por outro lado, e em relação à alteração das respostas aos quesitos, não pediu ao tribunal que o fizesse, limitando-se a utilizar a expressão “impondo decisão diversa…”, presumindo-se que é isso que pretende, sendo que na conclusão y) acabou por pedir a revogação da sentença, o que, tudo conjugado, conduz a uma imprecisão inaceitável.
Sem serem modelares, as conclusões formuladas pelo recorrente são, quando correlacionadas com a respectiva alegação, suficientemente claras quanto ao sentido da sua pretensão.
Para além da questão da nulidade da sentença, pretende o apelante se ordene a ampliação da matéria de facto, indicando, para tanto, a norma violada (artigo 511.º, n.º 1), se declarem não escritas as respostas aos quesitos 6.º, 7.º e 8.º, por desrespeito aos artigos 664.º e 264.º, ou se alterem as mesmas, por não encontrarem suporte na prova produzida (para além de especificar os meios probatórios que, alegadamente, lhe dariam razão, citou a lei, mormente o artigo 665.º), e, na sequência da alteração da matéria de facto, se considere não provado o contrato de mútuo, cuja nulidade foi substrato da procedência parcial da acção, com a consequente absolvição do pedido, e, em qualquer caso, se declare não serem devidos...
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