Acórdão nº 9/05.8TAAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2009

Data02 Junho 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º9/05.8TAAND, a correr termos no Tribunal Judicial da Mealhada, o arguido A..., melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento pelos factos constantes da acusação pública contra si deduzida, em que lhe foram imputados factos susceptíveis de integrar a autoria material, na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º, do Cód. Penal.

O assistente/demandante J… formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a condenação deste no pagamento, a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por si sofridos, da quantia global de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu: - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o quantitativo global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), e a que corresponderão, sendo caso disso, 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.

- Condená-lo, igualmente, no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por aquele sofridos. 2.

O arguido interpôs nos autos os seguintes recursos, formulando, nas respectivas motivações, as seguintes conclusões (de que se faz transcrição): 2.1. Recurso da sentença 1- O registo da prova da Audiência de Julgamento foi feito de forma deficiente, havendo por isso incompletude de gravação, o que impossibilita um verdadeiro segundo grau de jurisdição no que respeita à matéria de facto.

2- É o registo da prova que permite efectivo recurso em matéria de facto.

3- Só conhecendo a prova produzida e os seus termos é possível sindicar o Juízo do Tribunal sobre os factos. Daí que, nos termos do n.º 4 do artigo 412.° do C.P.P., as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3, daquele preceito, fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar à transcrição.

4- Nos termos do art. 364.º n.ç 1 do C.P.P. a documentação da prova em Audiência de Julgamento é obrigatória.

5- No caso em apreço, a prova produzida em audiência de julgamento foi gravada.

6- Sendo que, posteriormente à douta sentença proferida, o Arguido requereu a cópia das gravações da Audiência de Julgamento para recorrer da matéria de facto.

7- No entanto, ao proceder à audição das cópias das gravações, verifica-se que, alguns depoimentos não estão gravados, sendo que, em alguns depoimentos não são audíveis as questões colocadas pela Meritíssima Juiz, pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público e pela Defensora Oficiosa do arguido e pela Mandatária do assistente.

8- Ora, tal falha técnica só aos serviços que procederam à gravação pode ser imputada.

9- A incompletude da gravação constitui nulidade susceptível de influir decisivamente no Julgamento da causa (art. 201.º, n.º 1 do C.P.C.) subsidiariamente aplicável (art. 4.º do C.P.P.) e que pode afectar a decisão da causa (art. 123.º do C.P.P.) 10- Assim, não estando as gravações completas, está afectado o exercício do direito de defesa do Arguido, no caso concreto, o seu recurso sobre a matéria de facto.

11- O Tribunal da Relação com a prova que se encontra gravada não pode ouvir e reapreciar os depoimentos integralmente prestados, reapreciação essa a que o recorrente tem direito.

12- Foi omitida pelo menos em parte, um acto prescrito na Lei.

13- Porque tal deficiência pode influir na apreciação do objecto do recurso, e por isso afectar a decisão da causa, torna-se necessário anular o Julgamento realizado, e bem assim a sentença proferida, com vista à repetição daquele, para que tenha lugar a efectiva e comprovada gravação dos depoimentos a ser prestados, como decorre do disposto nos artigos 201.°, n.º 1 e n.º 2 do C.P.C., aplicável subsidiariamente ao processo penal, nos termos do artigo 4° do C.P.P., e também do próprio artigo 123.° do C.P.P. já que pode o acto ser afectado (a arguição não necessita de ser feita no próprio acto, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 203/2004 de 24/03/04).

14- Só anulando o Julgamento realizado e, bem assim a sentença proferida se pode assegurar o direito a recorrer da matéria de facto, direito este garantido constitucionalmente.

Sem prescindir, 15- Ora, sem prejuízo de tudo o que foi dito acerca da deficiente gravação da Audiência de Julgamento e, apenas por cautela de patrocínio, o recorrente impugna a matéria de facto dada por provada Com efeito, 16- O Tribunal "a quo" foram incorrectamente julgados os factos dados como provados no ponto 5, 6, 8, 9 e 10 da douta sentença proferida (fls. 383 e 384 dos autos) 17 - Deveria o Tribunal "a quo" ter valorizado o depoimento das testemunhas de defesa D... e do H... que acompanharam o arguido no dia 18/12/2004 ao Posto da GNR de Anadia, uma vez que os seus depoimentos merecem toda a credibilidade, sendo que a instâncias ambas as testemunhas foram advertidas que se mantivessem o seu depoimento, seria extraído certidão para processo-crime, e ambas as testemunhas mantiveram o seu depoimento.

18- Assim, deveria ter o Tribunal "a quo" ter deferido o pedido formulado pelo Recorrente relativamente à acareação entre estas testemunhas e os militares da GNR para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.

19- Além disso, o Arguido nega os factos ilícitos que lhe são imputados - cujo depoimento se encontra gravado na cassete n.º 809, Lado A - entre os n.º 0001 e 1287.

20- Assim, de acordo com o depoimento do Arguido, das testemunhas D... e H… resulta que esta matéria de facto foi incorrectamente julgada, uma vez que resulta claramente dos depoimentos das testemunhas D... e H… que acompanharam o Arguido ao posto da GNR de Anadia, e que confirma que o Arguido não proferiu quaisquer expressões injuriosas contra o Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Anadia.

21- Acresce ainda, que os depoimentos foram claros, objectivos, coerentes e imparciais.

22- Pelo que, o Tribunal "a quo" deveria ter dado como não provado os factos constantes no ponto 6, 8, 9 e 10 da douta sentença proferida (fls. 383 e 384 dos autos).

E Relativamente ao ponto n.º 5 deveria ter dado como provado apenas: "Aí chegado, o arguido interpelou em voz alta os militares da GNR que ali se encontravam, querendo saber a razão, pela qual a GNR havia removido a viatura em questão para aquelas instalações" 23- Não devem ser renovadas quaisquer provas em segunda Instância.

24- Além disso, o tribunal "a quo", deu como provado que o Recorrente «(…) praticou voluntariamente os factos descritos nos autos, que o seu comportamento foi ilícito, e ainda, que actuou dolosamente. » 25- No entanto, salvo o devido respeito pela opinião contrária, os factos dados como provados são insuficientes para concluir que o Recorrente tenha praticado o crime de Difamação nomeadamente na pessoa do ora Assistente. Na verdade, mesmo que se considere que o Recorrente proferiu as expressões constantes dos factos provados (o que este repudia), as mesmas são generalizadas, abstractas e em momento algum dirigidas especificamente ao ora Assistente.

Senão vejamos, 26- Deu-se como provado que o Recorrente proferiu as seguintes expressões: "Os Juízes do Tribunal de Anadia são todos uns corruptos. Eu provo. Eles vão ver o que vai acontecer. O que mandaram fazer é um abuso de autoridade. Vou-me queixar à Procuradoria e vai-lhe acontecer o que aconteceu à Juíza do 2. º Juízo do Tribunal de Anadia.

Queixei-me à Procuradoria e foi castigada, por isso agora essa Juíza anda a perseguir-me, quer-se vingar de mim. Ela é uma corrupta dos grandes, mas eu já lhe tratei da saúde e segunda-feira vou apresentar outra queixa na Procuradoria.

Quando chegar a casa vou mandar um fax para o Tribunal de Anadia a dizer que os Juízes do Tribunal de Anadia são uns grandes corruptos, principalmente a Juíza do 2.º Juizo." 27- Ora, a considerar que estas expressões foram efectivamente proferidas pelo Recorrente, as mesmas não permitem concluir pela intenção específica do Recorrente de ofender o assistente na sua honra e consideração.

28- Refira-se aliás, que nenhuma das expressões é directamente dirigida ao Assistente, mas, pelo que se percebe, a uma Juíza do 2. Juízo do Tribunal de Anadia.

29- Assim, não estão preenchidos todos os elementos típicos do crime de difamação.

30- Acresce ainda que, de acordo com o plasmado no n. 1 do art. 180.º, conjugado com o disposto no art. 13.º do Código Penal, para efeitos do tipo legal do crime de difamação só a actuação dolosa é punível.

31- Ora entende o Recorrente, com o devido respeito pela opinião contrária, que da matéria de facto provada, não resulta que o Recorrente tenha proferido as expressões em causa com vista a ofender a honra e consideração do assistente em concreto, uma vez que me momento algum se dirige ou faz referência ao mesmo.

32- Pelo que, mesmo a considerar que o Recorrente proferiu as expressões em causa, estas não seriam adequadas à prática de um crime de Difamação relativamente à pessoa do Assistente.

33- Na verdade, considera o Recorrente com o devido respeito pela opinião contrária, não ser possível da análise das expressões dadas como provadas, concluir com segurança pela existência de um dolo específico de concretizar ofensas à honra e consideração do Assistente. Este pressuporia que o arguido tivesse proferido as afirmações em causa com o objectivo de atingir a honra e consideração do assistente - vide Acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/06 e Acórdão da Relação de Coimbra de 15/03/06.

34- Consequentemente, não existindo esse dolo, deveria o arguido ter sido absolvido da prática do Crime de Difamação Agravado...

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