Acórdão nº 199/07.5 GBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução02 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

J...

, já mais identificado nos autos, foi acusado pelo Ministério Público da prática de materialidade consubstanciadora de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal [CP], bem como das contra-ordenações causais previstas e punidas nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 3; 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 145.º, alínea c), todos do Código da Estrada [CE].

M...

; V…; S… e P…, respectivamente, viúva e filhos do malogrado C..., na qualidade de seus únicos herdeiros legitimários, deduziram, por seu turno, pedido de indemnização civil contra a Companhia LS... , S.A., pedindo a respectiva condenação a pagar-lhes a quantia global de € 113.580,00 (sendo € 47.500,00 por perda do direito à vida; € 32.500,00 pela dor e sofrimento sentido pelos demandantes; € 32.480,00 pela frustração de ganhos futuros derivados da perda dos rendimentos auferidos pela vítima; e, € 1.100,00 pela perda do ciclomotor na sequência do embate), acrescida de juros legais contados desde a notificação para contestar até cabal pagamento.

Também o Instituto da Segurança Social deduziu contra a mesma seguradora pedido de reembolso de prestações pagas à viúva M…, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de Julho de 2007 a Março de 2008, no montante de € 6.260,34, e ainda o relativo ao pagamento mensal daí em diante da quantia de € 268,68, a que acrescem os valores relativos ao 13.º e 14.º mês de pagamento, acrescido dos respectivos juros de mora contados desde a notificação para contestar, até cabal pagamento.

Recebida a dita acusação e admitidos os pedidos indicados, na normal e subsequente tramitação processual, realizado o contraditório, veio a proferir-se sentença decidindo, ao de mais ora irrelevante, na procedência da acusação crime e procedência apenas parcial dos pedidos civis: - Condenar o arguido como autor do ilícito assacado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, porém, substituída pela pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), perfazendo o valor total de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).

- Condenar o arguido pela prática da contra-ordenação, prevista e punida no artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CE, na coima de € 100,00 (cem euros).

- Condenar a demandada LS... , S.A., a pagar aos demandantes herdeiros a quantia global € 66.982,90 (sessenta e seis mil novecentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos, sendo € 65.250,00 (sessenta e cinco mil duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros, à taxa legal de 4%, a contar da data da sentença e até integral pagamento, e € 1.732,90 (mil setecentos e trinta e dois euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento.

- Condenar a mesma demandada a pagar à demandante Segurança Social a quantia global € 6.260,34 (seis mil duzentos e sessenta euros e trinta e quatro cêntimos) correspondentes às prestações por morte que aquela instituição pagou à viúva até Março de 2008, a que acresce a quantia mensal de € 268,68 (duzentos e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), contada desde Março de 2008, e enquanto aquela instituição estiver vinculada ao referido pagamento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestação do pedido civil até integral pagamento.

1.2. Desavindos com o assim decidido, recorrem o arguido e a demandada civil, extraindo das respectivas motivações as conclusões seguintes: (o arguido) 1.2.1. Mostram-se incorrectamente julgados (como provados) os pontos 5 a 9; 13 a 15; 17 a 20, todos inclusive, da sentença recorrida.

1.2.2. Para considerar provados tais factos atentou o Tribunal a quo, essencialmente, ao depoimento da testemunha L... , ao depoimento da testemunha A... , à participação do acidente de viação – elaborado por esta testemunha – e à restante prova documental junta aos autos.

1.2.3. Ora, esta prova – porque outra não houve, pelo menos esclarecedora – impunha decisão diversa. Assim: 1.2.4. O depoimento da testemunha L... é contraditório e duvidoso, desde o início até ao final.

1.2.5. Tal testemunha afirma ter visto o acidente. Porém, começa por descrevê-lo de determinada forma e termina descrevendo-o de outra forma diferente.

1.2.6. Relativamente ao Ponto 5 a testemunha L... adoptou três descrições diferentes do acidente: - começa por afirmar que vê o motociclo a circular à frente do veículo; - alterou o seu depoimento dizendo que ouviu o barulho da mota, olhou e viu o embate; - acabou por dizer que não viu os veículos a circular e que presume que um seguisse à frente do outro.

1.2.7. Relativamente aos pontos 6, 7 e 9, novamente, a L... teve várias versões dos mesmos factos: - começa por afirmar, convictamente, que foi feito o sinal de pisca; - termina afirmando, com a mesma convicção que, afinal, foi feito o sinal de braço.

Sendo certo que, quanto ao local de embate a L... : - tanto o localiza na faixa da esquerda; - como na faixa da direita; - como no meio da estrada.

Relativamente à questão da ultrapassagem efectuada, alegadamente, pelo arguido a L... afirmou que o mesmo não ia a fazer qualquer ultrapassagem.

1.2.8. Acresce que o M.mo Juiz a quo devia ter atentado a contradições existentes entre o depoimento da testemunha L... e o da sua própria mãe F... .

Na verdade, se a testemunha L... afirma que os irmãos estavam consigo, sua mãe afirma que os irmãos não estavam com aquela.

1.2.9. Acresce ainda que, estando a testemunha L... no local do acidente, vendo, pelo menos, o corpo da malograda vítima estendido no chão, não deixa de ser estranho que não se tenha aproximado da vítima e do arguido, sendo certo que as testemunhas Teresa e Vera demonstraram estranheza e indignação por não verem nenhuma pessoa ao pé do corpo da vítima ou do arguido.

1.2.10. Ora, este tipo de comportamento da testemunha L... de não se aproximar do corpo da vítima e do arguido, sem dúvida que nos permite pôr em causa a altura em que ela chegou ao local, uma vez que qualquer jovem da idade da testemunha, tendo como base o senso comum e o homem médio, se aproximaria e tentaria prestar alguma ajuda.

1.2.11. Portanto, do depoimento da testemunha L... não se pode concluir a forma como o acidente ocorreu, sendo certo que o Tribunal sindicado não devia ter tido em consideração o seu depoimento para dar como provado, como deu, a matéria factual constante da acusação pública.

1.2.12. Relativamente aos pontos 8, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 20 também os mesmos não poderiam ter sido dados como provados, atento o seguinte: - não há certeza se o local onde ocorreu o acidente é dentro da localidade do Coito e, consequentemente, se está sujeito ou não ao limite de velocidade de 50 Km/hora.

- A propósito deste ultimo ponto, isto é, a propósito de o local do acidente ser na localidade do Coito, por um lado temos: - o depoimento da testemunha L... que afirmou que o local não se situa no Coito; Por outro lado temos: - o depoimento da testemunha Manuel Fernandes, agente da G.N.R. que tomou conta da ocorrência que afirmou que o local do acidente não é no Coito e a velocidade máxima no local é de 50 km.

1.2.13. Portanto, para lá de não haver qualquer certeza acerca da velocidade a que o arguido conduzia, jamais se podia considerar que a velocidade permitida era a de 50 km, e que o local do embate foi no Coito.

1.2.14. O Tribunal recorrido para considerar provados os factos que considerou, teve também em consideração a participação do acidente de viação e o depoimento da já referida testemunha A... . Com o devido respeito não o devia ter feito uma vez que do depoimento desta testemunha que elaborou e comentou a participação resulta o seguinte: - que a participação não retrata, com exactidão a realidade, uma vez que o próprio admite que a sinalização de estrada de terra não retratou o largo existente; - sendo certo que a sinalização correcta desse largo é essencial uma vez que o início dos restos de travagem, tem como referência tal largo; - aliás, a testemunha tanto localiza o início dos rastos de travagem em frente ao largo, como antes da estrada de terra batida, que precede o largo.

1.2.15. Portanto, não há rigor nos elementos que constam da participação do acidente, sendo certo que é o próprio agente da autoridade que o elabora que o admite.

1.2.16. Ademais, tal agente admitiu que o local do embate não é necessariamente onde o assinalou.

1.2.17. Assim sendo, não podia a participação ser tomada em consideração para se considerarem provados, como sucedeu, alguns dos factos já referidos.

1.2.18. Porque assim é, os vários documentos que têm por base tal participação, nomeadamente os cálculos constantes no relatório de fls. 99 a 102 não podem ser tidos em consideração para provar ou fundamentar o que quer que seja.

1.2.19. Toda a prova produzida impunha, assim, que se considerassem como não provados os factos refeirdos. Mas, 1.2.20. Ainda que assim não entendesse o Tribunal a quo, em último caso, e atendendo às várias contradições referidas, deveria ter-se socorrido do princípio consagrado do in dúbio pro reo.

1.2.21. Acresce ainda que a sentença recorrida peca ao considerar que as declarações do arguido não convenceram o Tribunal por vários motivos, quais sejam: - uma pessoa de 67 anos não é de crer que adopte uma condução agressiva nos moldes relatados; - antes do embate existiu um rasto de travagem de 8 metros, não sendo possível efectuar o desvio para a esquerda.

1.2.22. Como é consabido a sinistralidade no nosso País de condutores na faixa etária da infeliz vítima é elevada porquanto e atendendo à idade as pessoas já não têm os mesmos reflexos.

1.2.23. Por outro lado, a existência do rasto de travagem na estrada, a ser considerado provado, atesta a versão do acidente apresentado pelo arguido.

1.2.24. Ocorre, todavia, que tais considerações não podem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT